É preciso saber ouvir o país

fotoCarlos Chagas
As manifestações populares continuam, as depredações também, assim como a truculência das polícias militares. O problema é que três semanas se passaram desde a eclosão dos protestos e nada indica que vão parar, apesar de menos espetaculosos. A presidente Dilma repete os méritos do governo em ouvir a voz das ruas e até convoca representantes de alguns organizações sociais. O ex-presidente Lula, mesmo na África, quebrou o silêncio e aplaudiu as passeatas. Estão, a sucessora e o antecessor, afinados ao ler a partitura, mas equivocados na sua execução. Em vez de mobilizar todos os instrumentos de uma ampla filarmônica, limitam-se a um quarteto de Câmara.

Talvez imaginem que a crise passará sem maiores esforços, efeitos ou conturbações, esquecidos de que a partir da revolta mais ou menos pacífica e algumas vezes violenta, nada voltará a ser como era. Enganam-se. O caminho é sem volta. Ou o governo e seus penduricalhos aprendem a lição e, de agora em diante, dividem com a população suas iniciativas, ou logo serão ultrapassados. Acabou a fase em que o poder público ameaçava e amedrontava, de um lado, e premiava de outro, de acordo com seus desígnios. Participação precisa ser a chave para o futuro.

Agora, de nada adiantará impor ao eleitorado um plebiscito desimportante, como tentaram antes uma inviável Constituinte exclusiva. Torna-se necessário não apenas consultar, mas atender reclamos e exigências. Identificar neles o sentimento da maioria.

Tome-se o exemplo da Copa das Confederações, galhardamente conquistada pela seleção nacional. Sua realização através de bilhões de reais gastos em estádios luxuosos era o que a população desejava? Talvez parte das elites e uma parcela da classe média tenham aplaudido a iniciativa, mas basta ver as imagens das partidas para se notar a ausência do povão. Com o preço dos bilhetes na estratosfera, o cidadão de salário mínimo nem pensou em aproximar-se dos gramados, exceção dos manifestantes que os policiais barraram no entorno do Maracanã. No velho estádio, inaugurado em 1950, havia um setor destinado aos menos favorecidos: a Geral, capaz de abrigar 50 mil torcedores que, para pagar menos, obrigavam-se a assistir as partidas em pé. Onde seriam colocados após a milionária reforma? Só no fosso, se ele ainda existisse.

As tomadas feitas pela televisão, nas arquibancadas, focalizavam apenas lindas lourinhas. Um desavisado teria a impressão de estarmos na Suécia. Para prestar vassalagem à ditadura da Fifa, adiaram o início do jogo com a Espanha para as 19 horas de domingo. Assim, o ditador conseguiu assistir a disputa pelo terceiro lugar, em Salvador, e a final, no Rio, deslocando-se num jatinho que certamente não pagou de seu bolso. A voz das ruas não teria optado pelo tradicional início do futebol às 16 horas, dispensando o quase milagre da ubiquidade para tão contestado personagem?

Quem se empenhou pela realização das duas copas no Brasil? Cartolas e políticos. Foi dado ao povo o direito de escolha, isto é, se em vez de novos estádios não iria preferir hospitais e escolas? Ou então que se aproveitassem as arenas já existentes, de modo algum capazes de envergonhar os desportistas. Questão de prioridade, dirão alguns ingênuos e outro tanto de malandros empenhados em realizar obras públicas.

Em suma, o país tem que ser ouvido e o governo tem que saber ouvi-lo. Além de acoplar-se às suas necessidades e desejos.