Dena pegava todas

Rubens Nóbrega

Goleiro titular absoluto da Seleção de Futebol de Arara, depois que se mudou com a família para a Capital, em meados dos 60, o menino Dena logo caiu nas graças dos técnicos e professores de futebol de salão, além de handebol, esporte no qual o garoto também era bom, muito bom.
Tanto que ligeirinho ganhou bolsa integral do Colégio Marista, depois de breve passagem pelo Liceu Paraibano, onde deu tempo de mostrar talento e se consagrar nos primeiros Jogos da Primavera de que participou, estreando no evento que reunia o que havia de melhor nos esportes praticados pelos colégios de João Pessoa.
Dena só tinha um problema: o que lhe sobrava em quadra faltava na sala de aula, onde era flagrantemente ajudado pelos colegas mais aplicados e, sobretudo, por seus condescendentes professores. Não todos, lógico, mas a maioria fazia vista grossa para o desempenho sofrível, como aluno, do atleta brilhante e promissor.
Reza a lenda que por trás dessa postura um tanto leniente dos mestres estavam a determinação da diretoria e a necessidade do educandário de sair-se o melhor possível nas competições escolares, algo que na época rendia uma boa imagem ao colégio e, consequentemente, formidável expansão no número de matrículas no ano seguinte.
Quem da classe média medianamente assalariada ou abastada daquele tempo não queria ter filho ou filha estudando num colégio campeão? Afinal, um colégio campeão bem poderia ser campeão em tudo ou se apresentar como tal. E olha que naquele período, em João Pessoa, as escolas procuravam mesmo se destacar nos esportes, tanto quanto no ensino – vá lá! – e até em desfile de 7 de Setembro!
Não era só o Marista. Todos os outros do seu porte, concorrentes diretos, do velho Ipep ao Lins de Vasconcelos, faziam tudo para ter um Dena no elenco, ainda mais um craque como ele, que fechava o gol no futsal e no handebol ninguém pegava mais rebotes do que ele nem com igual ligeireza armava o seu time para arrasadores contra-ataques.
Além do mais, Dena era realmente aplicado. Gazear treino? Nem pensar! Quando sobrava tempo, assistia às aulas e se submetia às provas, que fazia colando, filando descaradamente, e sempre protegido pelos colegas, fiscais ou professores que faziam que não viam o que se passava no local onde o craque sentava.
Evidente que ele sentava bem no meio da sala, rodeado pelos colegas mais estudiosos. E nessa vidinha e com tais facilidades ele ia passando de ano sem muita dificuldade. Arrastando-se, é verdade, como quem pega chute rasteiro e bem colocado, mas passando. Até que um dia…
Há sempre um dia que faz a diferença e muda o roteiro de histórias assim. Com Dena não foi diferente. Pertinho de setembro daquele ano, faltando pouco para os Jogos da Primavera, seriam aplicadas as provas do terceiro bimestre e antes de tal aplicação o professor de Matemática adoeceu, sendo substituído por um colega que, dizem, só não era mais Caxias do que o próprio marechal.
Exigente e rigoroso ao extremo, o tal professor avisou que somente ele aplicaria e fiscalizaria suas provas e nos dias de prova ninguém teria lugar certo para sentar. No mais, não admitiria de forma alguma a fila, a cola. Se pegasse, tomava a prova e botava zero no ato. Resumindo: ou o aluno estudava ou estaria pebado, completamente.
Alheio a tudo isso, no dia da prova de Matemática, sem conhecer direito o novo professor, muito menos a nova ‘ordem’, Dena ocupou a tradicional carteira bem no meio da sala. “Levante-se e venha aqui pra frente, meu jovem”, gritou de lá o professor, para espanto do aluno, que ainda esboçou tímida resistência. “Mas, professor…”.
– Não tem mais nem menos, rapaz. Ou você faz a prova aqui, onde estou mandando, ou vai pra coordenação e de lá só para se explicar aos seus pais – rebateu o professor.
Nesse esquema, evidente que Dena não tirou mais do que uma nota 2, fazendo sua média na matéria cair para bem abaixo do que precisava para passar. Diante de sua nova realidade, Dena mudou de atitude. No dia seguinte à divulgação das notas de Matemática, ao ser chamado para o treinamento de futsal para os Jogos…
– Posso não, Professor. Tenho que estudar muito pra recuperar a minha média em Matemática na próxima prova; caso contrário, não passo de ano e o meu pai, sabe como é, não admite, não alisa. Lá em casa, se tiver reprovação, o coro come!
A recusa de Dena em participar do treinamento chegou rapidinho aos ouvidos do diretor. Que entrou em pânico. Sem o seu mais eficiente goleiro, adeus medalhas de ouro no futsal e no handebol, justamente os esportes mais concorridos dos Jogos Escolares. Sem as douradas medalhas, o cartaz e o conceito do colégio certamente cairiam, refletindo-se em baixa de clientela no ano letivo vindouro.
O diretor procurou saber direitinho o que estava acontecendo e resolveu tomar suas providências. Uma semana depois, na prova de recuperação de Matemática, coincidentemente faltando dois ou três dias apenas para a abertura dos Jogos, o novo professor já não aplicou a prova, como gostaria. Foi chamado ao gabinete da Diretoria para uma conversa e de lá somente saiu depois que a sineta tocou.
A turma de recuperandos, por sua vez, ficou aos cuidados de um bedel, que antes de distribuir a folha de teste, devidamente instruído pelo diretor, supõe-se, tratou de designar, em voz alta, a carteira e o lugar em que cada aluno faria a prova.
– Seu Adenilson?
– Presente!
– O senhor vai se sentar bem ali no meio, viu?
Talvez nem precisasse dizer, mas vou dizer assim mesmo. O Marista levou com todo mérito as taças do futsal e do handebol. E Dena, que pegou todas e jogou como nunca, foi escolhido o craque dos Jogos e no final do ano passou por média em Matemática.