DELCÍDIO NA MOITA: Por que o Senador teve que adoecer por 15 dias depois de sair da prisão ?

“O Senado está entre a cruz e a caldeirinha”, me disse um líder da oposição. Por um lado, virá a cobrança popular para que um senador que passou os últimos meses preso não volte ao trabalho como se nada tivesse acontecido. Por outro, “a tendência natural da Casa sempre é preservar os colegas”.

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Por CAROL PIRES
O site de Delcídio do Amaral está desativado
O roteiro estava pronto: solto na sexta-feira passada depois de passar 86 dias preso num quartel militar em Brasília por ordem do Supremo Tribunal Federal, o senador Delcídio Amaral (PT) voltaria ao trabalho na última segunda-feira. A Polícia Legislativa foi acionada, e a segurança reforçada para controlar o assédio da imprensa e possíveis protestos. O senador queria se explicar em plenário, mas foi dissuadido pelos colegas, que correram a refrescar-lhe a memória com o caso Demóstenes Torres. “Aquilo é uma tribuna elétrica, mistura de tribuna com cadeira elétrica. Quem sobe ali se enrola”, me disse o senador  Romero Jucá, do PMDB.

Foram os senadores Humberto Costa e Paulo Rocha, ambos do PT, os incumbidos de visitar Delcídio Amaral em casa, ainda na terça-feira. Encontraram o colega abatido, mas tranquilo, bem mais magro, e sobretudo disposto a repensar seu retorno ao trabalho. “Lembramos do caso Demóstenes, que ficou aqui no Senado isolado, afastado”, relatou Costa no dia seguinte. No processo que levou a sua cassação, Demóstenes Torres,  último senador a ter o mandato cassado, cometeu três erros considerados dos mais graves na vida legislativa. São os mesmos que, agora, Delcídio Amaral tem sido aconselhado a evitar.

Erro 1: Mentir na tribuna

Tido até então como arauto da moralidade, Demóstenes Torres (ex-DEM, eleito pelo Goiás) discursou da tribuna oito vezes em duas semanas tentando, sem sucesso, explicar sua relação com Carlinhos Cachoeira. Pediu clemência, mas perdeu o mandato. Antes dele, José Roberto Arruda renunciara, em 2001, depois de sucessivas idas à tribuna para negar as denúncias de que teria violado o painel do Senado para espiar o voto dos colegas. Trocou de versão três vezes até sair de cena com sua frase célebre: “Não roubei, não matei, não desviei dinheiro público, mas cometi um grande erro, talvez o maior da minha vida.”

Na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, denunciado na Lava Jato, só passou a responder processo por quebra de decoro depois que mentiu aos deputados, na CPI da Petrobras: garantiu não ter contas no exterior para logo em seguida ser desmentido pela Suíça. Um dos itens que justificavam a cassação de Demóstenes Torres em 2012 era “ter faltado com a verdade” perante os colegas.

Erro 2: Ser arrogante

Passados três anos, hoje é consenso entre senadores e assessores que Demóstenes Torres caiu por arrogante: já apontou o dedo no rosto de José Sarney, pedia a cassação de Renan Calheiros quando o presidente do Senado estava na berlinda por sua relação com Mônica Veloso, fazia palanque com a relatoria do projeto da Ficha Limpa. “Vamos colocar os malandros no pau de goiaba”, disse na ocasião.

Já Delcídio não peca neste quesito: é tido como “afável”, com amigos à esquerda e  à direita. A segunda-feira em que deveria retomar o trabalho, porém, foi um dia de zum-zum-zum no Senado, onde o assunto à boca miúda era especular sobre uma possível delação premiada. Houve quem cogitasse que o senador tivesse se tornado agente infiltrado da Lava Jato. Em plenário, pegou mal a notícia estampada naFolha de que ele prometia entregar colegas caso fosse cassado. Cinco senadores pediram-lhe explicações para as câmeras da TV Senado.

“A declaração dele, do senador Delcídio, de que metade dos senadores têm culpa em cartório, para usar uma linguagem popular, precisa ser declarada, dar nome aos bois, quem são, e nome, sobrenome, CPF e endereço”, reclamou a senadora Ana Amélia (PP-RS), que, menos de duas horas depois, recebeu uma chamada do colega. “Eu tenho muitos defeitos, mas ser burro não é um deles”, disse Delcídio à senadora ao telefone. Todos os senadores que se queixaram receberam ligações. As explicações pareceram suficientes.

Erro 3: Ficar sob os holofotes

Com a opinião pública nos calcanhares, nenhum colega chega a defender o companheiro, mas ouvi de um senador do PT e do presidente Renan Calheiros frases muito parecidas quando perguntei se não era constrangedor ter na Casa um parlamentar que vive numa espécie de liberdade condicional – pode trabalhar, mas teve que entregar seu passaporte e está proibido de sair de casa à noite. “Nós cumprimos uma decisão do Supremo e agora estamos outra vez cumprindo uma decisão do Supremo, que mandou ele voltar a trabalhar.” Outro raciocínio comum entre os pares de Delcídio é a de que ele não foi preso por roubar, e sim por uma “bravata”, ao negociar que o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró não o implicasse na Lava Jato, oferecendo a ele dinheiro e rotas de fuga.

“O Senado está entre a cruz e a caldeirinha”, me disse um líder da oposição. Por um lado, virá a cobrança popular para que um senador que passou os últimos meses preso não volte ao trabalho como se nada tivesse acontecido. Por outro, “a tendência natural da Casa sempre é preservar os colegas”.

Aqui, há uma diferença importante para os desdobramentos de cada caso no Conselho de Ética: Demóstenes estava sozinho no barco de Cachoeira, enquanto Delcídio Amaral é apenas um dos quatorze senadores – do PSB, PP, PMDB, PTB e PT – envolvidos na Lava Jato. Um senador peemedebista resumiu: “Se abrirem essa porteira do Conselho de Ética, isso vai longe.”

Para evitar cobrança da imprensa e alvoroço ao redor do processo no Conselho de Ética, Delcídio foi orientado a ficar na moita. Na quarta-feira, ele apresentou uma licença médica de quinze dias ao Senado. Está sendo aconselhado a não aparecer pelo limite máximo, 120 dias. Até que o STF se manifeste sobre o caso dele, não haverá correria para cassá-lo.

Acertado que Delcídio não daria as caras tão cedo, o Senado seguiu com as votações. No fim da noite, os senadores aprovaram sem sobressaltos o projeto que desobriga a Petrobras de ser operadora única do pré-sal. Ninguém tocou no nome de Delcídio em plenário. No cafezinho, um senador da oposição disse: “Se ele estivesse aqui, o plenário teria sido só isso hoje.”  Perguntei-lhe se Delcídio havia sido orientado a não atrapalhar as votações. Outro senador na rodinha, desta vez um governista, respondeu de pronto: “Aqui tudo é combinado, ainda que não seja explicitado.”

Fonte: REVISTA PIAUÍ
Créditos: POR CAROL PIRES