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Decisão do STF sobre comando da PF mantém pressão sobre Bolsonaro

Nos bastidores, determinação de Alexandre de Moraes foi lida como imposição de limites ao Executivo

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), de suspender a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal entra para a série de reveses que a corte impôs ao governo federal nos últimos dois meses e mantém pressão do tribunal sobre Jair Bolsonaro.

Desde que a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou pandemia do novo coronavírus, em 11 março, o STF contrariou os interesses do Executivo em ao menos 12 ações.

O despacho de Moraes desta quarta-feira (29) sobre a PF foi na mesma linha. Esse caso, porém, revelou um componente a mais na relação entre os Poderes, na avaliação de ministros de tribunais superiores.

Ao suspender a nomeação do escolhido de Bolsonaro para comandar a corporação, eles avaliam nos bastidores que Moraes um mandou recado claro de que a corte não aceitará interferência na PF, sobretudo em dois inquéritos sob sigilo: os que investigam a organização de atos pró-intervenção militar e a disseminação de fake news, que tem um filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), na mira como suposto articulador de um esquema de disseminação notícias falsas.

Carlos é o filho mais próximo de Ramagem. As duas investigações são caras para uma ala do STF.

Desde que o ministro Dias Toffoli, presidente da corte, instaurou o inquérito sobre notícias falsas contra ministros do STF, em março de 2019, ele foi alvo de críticas de procuradores e investigadores ligados à Lava Jato.

Toffoli, porém, sempre fez questão de defender a legalidade da medida para levá-la adiante. Na visão dele e de outros ministros, a investigação é importante para elucidar a rede de ataques que os atinge e conter esses disparos.

Essa apuração foi muito criticada por juristas e pela militância bolsonarista, mas defendida pelo governo federal.

As críticas apontavam que o STF não poderia ter agido de ofício, ou seja, ter determinado a abertura de inquérito sem que tivesse sido provocado pela Procuradoria-Geral da República, como é a regra do Judiciário.

A Advocacia-Geral da União, porém, manifestou-se contra o arquivamento do caso.

Nesta quarta, logo após a decisão de Moraes, a leitura de atores do Judiciário foi a de que o ministro traçou uma linha de até onde Bolsonaro pode ir.

Houve inclusive a avaliação de que o STF poderá autorizar diligências da PF nos próximos dias contra integrantes do esquema de fake news, para mostrar que não recuará.

Essa decisão não foi o primeiro recado do ministro ao Palácio do Planalto em relação à autonomia da PF.
No mesmo dia em que Moro acusou Bolsonaro de interferir na corporação, na última sexta (24), Alexandre de Moraes determinou à PF que não troque os delegados responsáveis pelas investigações dos atos pró-ditadura e a de notícias falsas na internet.

Apesar de o presidente não ser oficialmente investigado, ele participou dos atos e, se houver indícios de que ele ajudou a organizar os protestos, poderá virar alvo das apurações.

Além dessas ações, houve outras decisões do tribunal que limitaram a atuação do Executivo.
Ainda sobre a demissão de Moro, o STF autorizou a investigação contra o chefe do Executivo para apurar as acusações do ex-juiz.

Esse inquérito pode imputar crimes tanto a Bolsonaro quanto a Moro.

Dentro da corte, Moro acumula desafetos desde que conduzia a Lava Jato. Por isso, a medida pode ser usada também para mandar recados ao ex-ministro.

Em outra frente, Bolsonaro sofreu derrotas em medidas ligadas ao combate à pandemia.

Na principal delas, os ministros impediram a ofensiva do presidente contra governadores e prefeitos para flexibilizar a quarentena.

Por unanimidade, o STF decidiu que estados e municípios têm competência concorrente em matéria de saúde pública e, portanto, podem regulamentar o isolamento social.

A mesma decisão foi tomada em relação à atribuição para listar as atividades essenciais na pandemia. Segundo o tribunal, os entes da federação podem, de acordo com as peculiaridades de cada região, definir quais serviços podem ser prestados no período da crise.

Nos bastidores, os ministros dizem que irão limitar as ações do presidente que vão na contramão da harmonia entre os Poderes e os entes da federação.

No entanto, prometem ajudar quando o governo estiver alinhado com os demais atores no enfrentamento à pandemia.

Como prova disso, o ministro Alexandre de Moraes levou menos de 48 horas para analisar uma ação da AGU e dar liberdade para o governo descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e manobrar o orçamento no combate à doença.

Na mesma linha, o plenário da corte derrubou decisão liminar (provisória) do ministro Ricardo Lewandowski para manter a validade da MP que permitia o corte de salário e redução de jornada e a suspensão de contrato de trabalho por meio de acordo individual entre patrão e empregado.​

AMEAÇAS DE BOLSONARO E DERROTAS NO SUPREMO

Isolamento social (24.mar.)
O ministro Marco Aurélio, do STF, atende, em parte, uma ação do PDT e afirma que, apesar de medida provisória do governo exigir aval de agências reguladoras federais para o fechamento de divisas, estados e municípios têm competência para editar medidas de saúde contra o novo coronavírus. Assim, manteve a legalidade de todos os decretos pelo país que impuseram o restrições sobre a circulação da população

Lei de Acesso à Informação (26.mar)
Alexandre de Moraes, do STF, suspende trecho de medida provisória que retirava a obrigatoriedade de órgãos públicos cumprirem um prazo para responder pedidos via LAI (Lei de Acesso à Informação). A iniciativa afetava todas as áreas do governo em que o setor responsável pelo atendimento estava sem funcionários presenciais. Moraes afirmou que a MP pretendia “transformar as exceções —sigilo de informações— em regra, afastando a plena incidência dos princípios da publicidade e da transparência”

Lotéricas e igrejas (26.mar)
No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro publica um decreto que incluía igrejas e casas lotéricas na lista de serviço essenciais, permitindo, portanto, o seu funcionamento durante crise. Um dia depois, a Justiça Federal no Rio de Janeiro suspendeu a iniciativa

Prorrogação de MPs (27.mar)
Moraes nega pedido do Palácio do Planalto para ampliar a vigência de medidas provisórias durante a pandemia. O governo pediu para o STF determinar a suspensão por 30 dias da contagem de prazo das MPs, mas o ministro afirmou que não há previsão na Constituição

Baixar decreto (29.mar)
Após dar um giro pelo comércio de Brasília, Bolsonaro diz ter “vontade de baixar um decreto” para permitir que a população voltasse ao trabalho. Governadores, responsáveis pelas quarentenas, disseram que reagiriam na Justiça.

Pelas redes sociais, o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), disse que manteria a renovação das medidas restritivas.

“Aqui, não vamos recuar. Se for necessário, iremos até a Justiça”, disse o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). O presidente não levou a ideia para frente

Proibição de campanha (31.mar)
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, veta a circulação da campanha “O Brasil não pode parar”, do governo federal, que estimulava a volta à normalidade. Segundo Barroso, iniciativas contra o isolamento colocariam a vida da população em risco. O ministro proibiu ainda qualquer propaganda que minimize a gravidade da crise

Notícia-crime (31.mar)
Marco Aurélio pede manifestação da Procuradoria-Geral da República em notícia-crime apresentada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). De acordo com o parlamentar, Bolsonaro infringiu trecho do Código Penal que proíbe a violação de ordem do poder público que tenha como objetivo impedir a propagação de doença contagiosa

#PagaLogo (31.mar)
Gilmar Mendes, do STF, vai às redes sociais para criticar a afirmação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que seria necessário aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para pagar os R$ 600 reais a trabalhadores informais. O ministro compartilhou a #PagaLogo para pressionar o governo e disse que a Constituição não pode ser considerada um obstáculo para superação da crise

Medida provisória (2.abr)
Bolsonaro reconhece não ter apoio popular suficiente para ordenar o retorno das atividades comerciais no país. Afirmou, no entanto, que poderia tomar a decisão em uma “canetada”. “Se tiver que chegar a esse momento [de determinar a volta], eu vou assinar essa medida provisória (…)”

Nova derrota (8.abr)
Alexandre de Moraes decide que estados e municípios têm autonomia para impor o isolamento social.

Na ação, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pedia para a corte obrigar o presidente a seguir as recomendação da OMS. Para o magistrado, o governo federal não poderia “afastar unilateralmente” decisões de governantes locais sobre a restrição de circulação, cuja eficácia, afirmou o ministro, foi comprovada por diversos estudos científicos

Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Folha de S. Paulo