Nonato Guedes
Cada vez mais aumenta a crise de credibilidade das instituições políticas e de inúmeros dos seus representantes, espalhados a partir do Congresso Nacional, em Brasília. As dúvidas suscitadas quanto a resultados concretos da CPI do Cachoeira são um exemplo do processo de desgaste que se acentua no cenário político, em paralelo com as indagações sobre as verdadeiras origens e finalidades do trigésimo partido recém-criado, o PEN, Partido Ecológico Nacional, que atraiu levas de órfãos e aventureiros com rapidez impressionante em vários Estados, a Paraíba entre eles. O país prepara-se para uma nova rodada de eleições a prefeito em capitais e cidades de médio e pequeno porte sem que haja o sentimento positivo de que elas possam mudar a realidade empobrecedora das diferentes regiões. A adoção de casuísmos continua contaminando a legislação, no vácuo da reforma-matriz que não foi feita por falta de vontade ou ausência de compromisso: a reforma política, essencial para dar conteúdo a agremiações e produzir transformações que a sociedade exige. O desestímulo do eleitor finaliza o enredo de uma conjuntura que teima em resistir à transformação radical.
Já advertia, em 2002, o jornalista Villas-Bôas Corrêa, em seu livro “Conversa com a Memória”, para a cronologia pouco eficaz de mudanças que foram anunciadas com alarde sem que tenham se concretizado. No capítulo sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito, o jornalista lembrou que da CPI dos Anões do Orçamento às últimas Comissões do fim do século, o desfecho foi frustrante, e a sociedade nunca se deu por satisfeita. “As punições parecem insuficientes, lentas, com os retardos dos recursos judiciários manipulados pelos advogados dos poderosos”, citava um dos decanos da crônica política brasileira, formulando um prognóstico que continua atualizado. E ia além: “A lenta corrosão do Legislativo escorre de Brasília por todo o país, como a baba da desmoralização, cobrindo de ferrugem as Assembleias Legislativas e câmaras de vereadores”. Não obstante, ainda para dar o crédito a Villas-Bôas, os escândalos grassam como epidemia de sarna, em cada temporada, “ou esvaziam as reservas de severidade, promovendo vexames que emporcalham o conceito dos parlamentares”.
O Congresso, no dizer de Villas-Bôas, é pecador confesso, ‘que esmurra o peito às vésperas de eleição, com as pancadas do remorso, no suplício de prestar contas do exercício do mandato’. Uma boa leva de parlamentares (senadores e deputados federais) vai se submeter ao crivo das urnas em outubro. A maioria disputará prefeituras de capitais, outro tanto enfeitará chapas emprestando nomes para a vice, sem o compromisso de que venham a renunciar às polpudas verbas de gabinete no Planalto para dar expediente nos prédios onde pontificam administrações municipais. Até mesmo ex-governadores, ex-senadores e ex-ministros envolvem-se na batalha para conquistar cargos locais sem se preocupar com a redução de patente. Em João Pessoa, o ex-governador e ex-senador José Maranhão (PMDB) justifica, entre as motivações para disputar a prefeitura da capital, que se trata de cargo em falta no seu currículo. Tem na vice o vereador Aristávora Santos, do PTB. O senador Cícero Lucena (PSDB), que já foi prefeito por duas vezes, diz ter idéias novas para implantar na capital. O deputado federal Efraim Filho, do DEM, aceitou compor a vice na chapa de uma militante socialista que nunca foi batizada nas urnas, Estelizabel Bezerra, a pretexto de não fugir a uma convocação do governador Ricardo Coutinho, que mantém o Democratas na sua base de apoio e ocupando ‘nacos’ no governo. Em Campina Grande, o deputado federal Romero Rodrigues (PSDB) luta pela prefeitura a pretexto de retomar a hegemonia do grupo Cunha Lima na cidade.
Deputados e deputadas estaduais aventuram-se a disputar prefeituras nos redutos principais de atuação, como Luciano Cartaxo (PT) em João Pessoa, Daniella Ribeiro (PP) em Campina e Francisca Motta (PMDB) em Patos. Quando não se lançam diretamente, lideranças políticas recorrem a filhos ou parentes para marcar presença na campanha, dentro da estratégia de ocupação de espaços. É um estratagema que tem se tornado freqüente nas disputas municipais, em que, na pior das hipóteses, postulantes ganham visibilidade para rechear o paiol eleitoral capaz de guindá-los a outros voos mais atraentes ou promissores. A quantidade de parlamentares na disputa municipal poderia ter sido maior na Paraíba, não fossem dificuldades enfrentadas nos partidos a que são filiados ou até dificuldades financeiras para fazer face à parada eleitoral. Na capital, o deputado Toinho do Sopão, que se tornou fenômeno nas eleições de 2010 à Assembleia, tentou se viabilizar no PTN. Não obteve apoio e acabou lançando a pedra fundamental do trigésimo partido, o PEN, que passa a ser presidido no Estado pelo deputado Ricardo Marcelo, dirigente da Assembleia e remanescente do PSDB, e que por ter sido registrado após as convenções terá que aguardar 2014 para figurar em pleitos. Os deputados Tróccoli Júnior (ex-PMDB, depois PSD, em vias de retorno ao PMDB) e Anísio Maia (PT) tentaram viabilizar candidaturas a prefeito em Cabedelo, mas desistiram alegando ‘dificuldades logísticas’. Em Alhandra, o deputado Athaydes Mendes (Branco), até então DEM, agora PEN, lançou a mulher Goretti para suceder a um sobrinho. Os arranjos domésticos se multiplicam em diferentes localidades. O vice de Romero Rodrigues, em Campina, é Ronaldo Cunha Lima Filho, irmão do senador Cássio, ambos filhos do poeta e ex-governador recentemente falecido Ronaldo Cunha Lima. A eleição deste ano marcará a estreia da Lei Ficha Limpa, que pune políticos que tenham pendências graves já transitadas em julgado. Há uma grande expectativa quanto à profusão de recursos na Justiça envolvendo postulantes que estariam enquadrados no limite da regra. O quadro comporta situações atípicas. Em Campina, o diretório municipal do PT lançou Alexandre Barbosa como candidato a prefeito, mas a candidatura não é reconhecida pelas direções estadual e nacional, que deram aval à aliança com a deputada Daniella Ribeiro (PP), indicando o petista Perón Japiassu para vice. É uma situação que, conforme o depoimento de Paulo Frateschi, dirigente nacional do PT, configura-se inédita no histórico da agremiação e que terá inevitáveis desdobramentos contestatórios. De algum modo, apesar das frustrações acumuladas, as eleições mobilizam eleitores. Estes, porém, continuam na expectativa de mudanças, cujo desenho talvez nem mesmo saibam, mas que, no íntimo, consideram essenciais para que o Brasil dê passos à frente ao invés de repetir modelos ultrapassados.