depoimento

CPI da Covid: advogada denuncia que Prevent Senior fez 'pacto' com governo Bolsonaro para validar cloroquina e frear lockdown

Bruna Morato disse que, segundo os relatos de seus clientes, médicos infectados pelo coronavírus eram obrigados a trabalhar.

 

Em depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (28), a advogada Bruna Morato afirmou que o governo federal tinha um “pacto” com a Prevent Senior para validar o tratamento com o chamado “kit covid”, de medicamentos sem comprovação científica contra a doença, como a cloroquina. Morato representa os médicos que trabalharam e denunciaram a operadora de saúde e afirma que existia uma estratégia para que a Prevent ajudasse a equipe que assessorava o governo, conhecida como “gabinete paralelo”, a validar o chamado tratamento precoce. Segundo a advogada, o gabinete paralelo trabalhava alinhado com o Ministério da Economia para viabilizar estratégias para boicotar o lockdown e medidas de isolamento que prejudicassem a atividade econômica no país.

De acordo com a advogada, no início da pandemia, o diretor da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, tentou se aproximar do então ministro da Saúde, Henrique Mandetta. À época, houve várias mortes na rede hospitalar em razão da Covid-19, o que levou Mandetta a criticar a empresa. Sem sucesso na aproximação, o diretor da Prevent conseguiu por “outras vias” descobrir um grupo de médicos que assessorava o governo de forma paralela, disse Bruna relatando as informações que foram repassadas pelos médicos que a contrataram:

— Por conta das constantes críticas do ministro Mandetta, a direção tinha que tomar uma atitude. Num primeiro momento, se aproximar do ministério, por meio de um médico familiar de Mandetta, mas Mandetta não deu abertura, fazendo com que procurasse outras vias. O doutor Pedro [Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior] foi informado de que existia um conjunto de médicos assessorando o governo federal e alinhado com o Ministério da Economia — disse Bruna.

A informação chamou a atenção de membros da comissão, mas Bruna explicou que isso não significava envolvimento do ministro Paulo Guedes.

Segundo ela, foi dito na ocasião que “xiste um interesse do Ministério da Economia para que o país não pare e, se nós entrarmos no sistema de lockdown, teremos um abalo muito grande”.

— Existia um plano para as pessoas saírem para a rua sem medo. Eles desenvolveram uma estratégia. Qual? Através do aconselhamento de médicos. Era Anthony Wong, toxicologista, a doutora Nise Yamaguchi, especialista em imunologia, o virologista Paolo Zanotto. E a Prevent Senior iria entrar para colaborar com essas pessoas — disse a advogada. — O que eles falavam eram em alinhamento ideológico. Tinha que dar esperança para as pessoas irem às ruas, e essa esperança tinha um nome: hidroxicloroquina”, continuou Morato.

Anthony Wong morreu de Covid, informação que foi omitida certidão de óbito, segundo documentos em posse da CPI. Conhecido defensor do “tratamento precoce”, ineficaz contra a Covid-19, ele foi submetido às mesmas drogas cujo uso defendia em um hospital da Prevent Senior. Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto são apontados como integrantes do gabinete paralelo. Em reunião no ano passado com Bolsonaro e outros médicos, Zanotto sugeriu a criação de um “shadow cabinet”, ou seja, um “gabinete das sombras” para tratar do enfrentamento à pandemia.

De acordo com a advogada, cada médico teria uma atribuição específica dentro desse “pacto”. A Anthony Wong caberia “desenvolver um conjunto medicamentoso atóxico”, enquanto a médica Nise Yamaguchi “deveria disseminar informações a respeito da resposta imunológica das pessoas”.

Já o virologista Paolo Zanotto deveria trabalhar na comunicação, falando a respeito do vírus e do tratamento “de forma mais abrangente” e “evocando notícias”.

A advogada afirmou ainda que, após os contatos dos médicos do chamado gabinete paralelo, a empresa sentiu segurança de que não seria incomodada por qualquer fiscalização do Ministério da Saúde.

— A informação que eu tive é que uma vez realizado esse pacto ou aliança junto com a… Entre esse conjunto de assessores que depois foram denominados por esta Comissão Parlamentar como sendo o gabinete paralelo, mas que, na época, eram apenas os assessores, é que após esse contato lhe foi transferida certa segurança, então, a Prevent Senior tinha segurança que ela não sofreria fiscalização do Ministério da Saúde ou de outros órgãos vinculados ao Ministério da Saúde.

A advogada disse que o prontuário de Anthony Wong mostra que, de fato, ele foi tratado com remédios sem eficácia para a Covid-19. E rebateu a versão da Prevent Senior de que os dados foram vazados de forma ilegal por um médico. Segundo Bruna Morato, as informações sobre Wong foram entregues pela própria empresa ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

— O que me choca não é só o fato de ele [Wong] ter feito uso do tratamento preventivo e de ter sido cobaia para determinados tratamentos, mas o fato de ele ter sido admitido em uma unidade cardiológica em meio a outros tantos pacientes, colocando em risco a vida daquelas pessoas que faziam parte, que estavam com ele dentro de uma UTI, que não tinha isolamento para covid — disse a advogada.

Ela também disse que o prontuário de Regina Hang, mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang, dono das lojas Havan,mostra que ela teve Covid. O atestado de óbito, porém, não tem essa informação. Regina foi tratada na Prevent Senior.

Bruna Morato afirmou que a prescrição do “kit covid” também levava em conta a redução de custos para a empresa:

— Uma estratégia de redução de custos, uma vez que era mais barato fornecer medicamentos do que fazer a internação.

A advogada também disse que o termo de consentimento para aceitar o tratamento sem eficácia comprovada era genérico. De acordo com ela, os pacientes eram induzidos a assiná-lo sem ter clareza do que se tratava:

— No momento em que eles iam fazer a retirada do medicamento, era passada a seguinte informação: para retirar a medicação, precisa assinar aqui. Não tinham ciência de que o “assine aqui” era o termo de consentimento.

Bruna falou do risco de demissão caso um médico não entregasse o “kit covid” aos pacientes:

— Chegou a um ponto tão lamentável, na minha opinião, que esse kit era composto por oito itens. E aí os médicos, pelo menos a explicação que me deram, os plantonistas pegavam o kit, eles entregavam ao paciente e diziam ao paciente: olha, eu preciso te dar, porque, se eu não te entregar esse kit, eu posso ser demitido; mas eu te oriento: se você for tomar alguma coisa daqui, tome só as proteínas ou só as vitaminas.

Outro problema, segundo ela, era a prescrição desses remédios para pacientes que tinham comorbidades, ou seja, outras doenças. O plano atende muitos idosos e seus clientes têm uma faixa etária alta.

— Os pacientes que utilizavam esses kits eram pacientes que já tinham muitas vezes comorbidades associadas, já faziam uso do que me ensinaram se chamar polifarmácia. Então, o conjunto de medicamentos, apesar de ser ineficaz, para aquela população se tornava letal, potencialmente letal — disse a advogada.

Proteção à depoente

Após uma oferta do senador Alessandro Vieira, Bruna pediu medidas de proteção.

— Eu tenho grande preocupação com o que vai acontecer com a minha vida depois do dia de hoje. Se possível fazer essa solicitação, eu agradeço — disse a advogada.

— De imediato. Eu quero requisitar a secretaria da CPI para que oficie ainda hoje a Polícia Federal o pedido para que seja assegurada a devida segurança à doutora Bruna Morato — afirmou em seguida o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Ela disse que muitos pacientes não recebiam tratamento adequado e morriam.

— A expressão que ouvi muitas vezes era “óbito também é alta” — afirmou Bruna Morato.

A advogada disse ainda que os médicos tinham que frequentar cursos sobre a efetividade do tratamento precoce. Por sugestão do senador Alessandro Vieira, a CPI aprovou requerimento criando um canal para que as pessoas possam enviar denúncias diretamente à comissão. Esse canal poderá ser, por exemplo, um e-mail ou um número de Whatsapp.

Investigação sobre omissões do CFM

A CPI aprovou um requerimento do senador Rogério Carvalho (PT-SE) para que seja soliciada ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal uma invetigação sobre possíveis omissões do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo e da Agência Nacional de Saúe Suplementar (ANS) na apuração de irregularidades envolvendo a Prevent Senior.

Bruna Morato disse que, segundo os relatos de seus clientes, médicos infectados pelo coronavírus eram obrigados a trabalhar.

A CPI aprovou outro requerimento para a Prevent Senior apresentar em 24 horas os termos de consentimento assinados pelos pacientes para aceitar o tratamento precoce com remédios sem eficácia. No depoimento que prestou na semana passada, Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior, disse que havia autorização assinada em todos os casos.

Em seu depoimento na semana passada, Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior, afirmou que profissionais já desligados da empresa adulteraram planilha interna para dar a ideia de fraude. Nesta terça, Bruna rechaçou essa versão, dizendo que nunca houve alteração de dados. Ela também afirmou que não era leal à empresa sofria sanções, como a redução de plantões.

Dossiê de 10 mil páginas

Logo na fala inicial, a advogada disse que representa 12 médicos e afirmou que, a pedido dos clientes, procurou a Prevent Senior para um acordo, que incluía três pontos, nenhum deles envolvendo compensações financeiras. Se o acordo tivesse prosperado, a empresa teria que admitir publicamente que o estudo feito sobre o uso de medicamentos como a cloroquina não foi conclusivo. A empresa também deveria assumir que não dava autonomia aos médicos, orientando-os a prescrever o “kit covid”, que vinha lacrado. Por fim, a Prevent Senior dever ficar responsável por arcar com ações decorrentes de medidas adotadas por seus médicos, que tinham medo de ter que bancar seus custos.

Ela disse ter um dossiê de 10 mil páginas e que começou a atender médicos da Prevent Senior em 2014.

— Em 2020, os relatos se transformaram em relatos pavorosos. E, num primeiro momento, eu acredito que as histórias pareciam um tanto quanto confusas e assustadoras, para não dizer perturbadoras — disse Bruna Morato.

Ela ainda ironizou a forma como a Prevent Senior vem se portando:

— Gostaria de agradecer a própria Prevent Senior. Ela vem me atacando, e sendo um tanto quanto rude quanto as sua colocações. Eu agradeço a Prevent Senior, porque seria muito difícil explicar aqui a ideologia da empresa. Mas fica muito claro, quando a gente analisa os ataques infundados que vem fazendo à minha pessoa, demonstrar a constante política de opressão.

Bruna afirmou que, no começo, houve a orientação para as equipes não trabalharem “paramentadas” , porque isso poderia assustar os pacientes. Assim, nem todos os médicos usaram máscaras no início da pandemia, mas essa medida foi reconsiderada depois de algumas semanas.

Invasão escritório

Bruna Morato relatou a invasão do seu escritório, de onde levaram um tablet e um computador invasão do seu escritório, de onde levaram um tablet e um computador, mas disse não poder afirmar haver relação com a Prevent Senior.

— Entraram com equipamento eletrônico muito moderno para o que foram fazer depois, duplicaram o IP de todas as câmeras, deixaram o sistema de vigilância vulnerável por quatro dias. Não suficiente, eles cortaram o cano de um banheiro de um escritório vizinho, inundando do terceiro ao oitavo andar, fazendo com que fosse necessário a entrada de pessoas no prédio para os reparos — disse ela, acrescentando: — Não posso afirmar qualquer relação com a empresa, mas aconteceu e desde então me sinto ameaçada.

Empresário convocado

A CPI aprovou a convocação do empresário Otávio Oscar Fakhoury. Segundo o requerimento de convocação, apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AO), Fakhoury “foi identificado como o maior financiador dos canais de disseminação de notícias falsas, como o Instituto Força Brasil, Terça Livre e Brasil Paralelo”. Ainda de acordo com Randolfe, “esses canais estimularam o uso de tratamento precoce sem eficácia comprovada, aglomeração e diversas outras fake news sobre a pandemia”.

A comissão aprovou também um requerimento para pedir o compartilhamento de informações da Operação Pés de Barro, que apura irregularidades em compras do Ministério da Saúde durante a gestão do ex-ministro Ricardo Barros (2016-2018). Atualmente, Barros é líder do governo na Câmara.

Fonte: Extra
Créditos: Extra