
Pedagogia Lava Jato – Rubens Nóbrega – (Jornal da paraíba ) Aos poucos, um crescente número de cidadãos de boa-fé começa a usar o bom senso e a exercitar senso crítico para formar a própria opinião, fazer suas próprias descobertas e tirar suas próprias conclusões a respeito da corrupção no Brasil. Nessa pisada, a primeira grande constatação a que chegam é a de que na corrupção existem dois lados, um que corrompe e outro que é corrompido. Não é mais aquela via de mão única ou faixa exclusiva por onde trafegaria apenas e tão somente o bonde dos agentes políticos e servidores públicos subornáveis.
A segunda revelação, não menos importante, é a de que corruptor e corrompido são corruptos do mesmo jeito, não importando quem vendeu ou se vendeu, quem comprou ou se sentiu forçado a comprar. Não é só. Dá pra ver facilmente que no senso comum já se espalha rapidinho a percepção de que pela primeira vez na história deste país os corruptores estão sendo caçados, presos e processados. Agora, pra fechar com chave de ouro, se os ‘deuses’ togados daqui de baixo ajudarem, com a graça d’O lá de cima os corruptores também serão punidos.
Devemos à Operação Lava Jato boa parte do mérito dessa mudança de postura e visão diante do que se passa no Brasil. À Polícia Federal e ao Ministério Público cabem muitos créditos pelo novo e ampliado entendimento. Inclusive porque das notícias sobre escândalos na Petrobrás brotam ainda outros desvelamentos relevantes. Um deles, a de que a corrupção na companhia e a promiscuidade nas relações entre cobradores e pagadores de propina envolvidos em grandes obras não é invenção do governo do PT, não nasceu depois que esse partido chegou ao poder.
Bem, para quem ainda não acredita ou botou na cabeça que petismo e corrupção são a mesma coisa ou que a oposição ao PT é formada por imaculados partidos e expoentes, recomenda-se um mínimo de conhecimento da história contemporânea brasileira. Caso não se disponha a tanto, que tal prestar atenção no noticiário que dá conta da existência até de estudos acadêmicos que retrocedem a bandalheira aos Anos JK e dizem que o casamento das empreiteiras com o poder teve a sua lua de mel na ditadura militar?
Bom, se remanesce a dúvida, permita-se sugerir a leitura de matéria assinada por Carlos Medeiros, publicada ontem no Uol, que mostra como a ‘parceria’ entre o poder e as empreiteiras apanhadas na Operação Lava Jato prosperou no governo Juscelino Kubitschek (1955-1960) e atingiu o apogeu nos ‘anos de chumbo’ (1964-1985). O repórter, é bom frisar, construiu seu texto com avaliações e informações de especialistas como o renomado e respeitado historiador Pedro Campos.
Da ponte à Transamazônica
Professor da Federal Rural do Rio, autor da tese de doutorado ‘A ditadura das empreiteiras”, Campos lembra que a construção de Brasília, fundada em 1961, foi um marco na história das grandes construtoras, mas observa que após o golpe de 64 elas “passaram a ganhar contratos do governo muito mais volumosos que os atuais”. Cita os casos “emblemáticos” da ponte Rio-Niterói, obra partilhada entre a Camargo Corrêa e a Mendes Junior entre 1968 e 1974, e da Hidrelétrica Binacional de Itaipu, inaugurada em 1982, feita por um consórcio formado pela Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Mendes Júnior. “As mesmas Mendes Júnior e a Camargo Corrêa iniciaram a Transamazônica, que começou em 1970 e foi inaugurada, incompleta, em 1972”, arremata.
‘Nunca se roubou tão pouco’
Outra leitura que recomendo com muito gosto e certeza de boa aceitação é o artigo com o título que tomo emprestado para este tópico. O escrito pertence à lavra do empresário – e tucano de carteirinha – Ricardo Semler e foi publicou ontem na Folha de S. Paulo. Começa revelando nada mais nada menos que a empresa dele, a Semco Partners, vem tentando vender equipamentos à Petrobrás desde os anos 70, mas nada conseguiu até hoje porque sempre foi “impossível vender diretamente sem propinas”. O que houve de lá pra cá, garante, foi uma queda nos percentuais cobrados ou coletados pelos corruptos que desde aquele decênio atuariam na empresa.
Como prova, menciona “a turma global que monitora a corrupção” e estima que atualmente a “pátria mãe tão distraída” sem o saber é subtraída em 0,8% do seu PIB nas mais “tenebrosas transações”. Mas o rombo já andou pela casa dos 3.1% e chegou aos 5% há poucas décadas. “O roubo está caindo, mas, como a represa da Cantareira, está a desnudar o volume barrento”. Mesmo assim, reforça, por ignorância, desinformação ou má-fé tem até gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobrás.
“Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão – cem vezes mais do que o caso Petrobrás – pelos empresários?”, questiona Semler, que também é professor universitário, tendo já lecionado em instituições mundialmente veneradas como a Universidade de Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (o famosíssimo MIT), ambos nos Estados Unidos.
O articulista adverte ainda que ‘a coisa’ não se limita à Petrobrás, pois “há dezenas de outras estatais com esqueletos parecidos no armário”. Tanto é assim que seria raro “ganhar uma concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas bandidas”, mas o que muitos não sabem, revela, é que é igualmente raro vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais “sem antes dar propina ao diretor de compras”. No final do seu artigo, Semler prevê que a defesa dos executivos presos vai entrar novamente com habeas corpus e vários deles serão soltos, “mas o susto e o passo à frente estão dados” e “daqui não se volta atrás como país”.