confrontos no cáucaso

"Começaram uma guerra durante a pandemia; é brutal", diz vocalista do System Of A Down - VEJA VÍDEO

Para o Jornal da Globo, Serj Tankian, ativista de família armênia e vocalista do System Of A Down, fala sobre o conflito armado entre Azerbaijão e Armênia que já dura mais de dez dias

Há mais de dez dias, o Azerbaijão e a Armênia estão em conflito armado. Dezenas de militares e civis já morreram. Para falar sobre o confronto entre os dois países, o Jornal da Globo entrevistou Serj Tankian, ativista político de família armênia e vocalista da banda System Of A Down. Confira os principais trechos da conversa com Serj.
Por que a guerra no Cáucaso preocupa

Há violação dos direitos humanos e crimes de guerra sendo cometidos pelo lançamento de bombas de fragmentação sobre Stepanakert, a capital, e Shushi, o centro cultural e artístico de Artsak, matando indiscriminadamente a população armênia – bombas que são lançadas pelos exércitos do Azerbaijão e da Turquia. Então os direitos humanos são uma preocupação.

Mas também é desconcertante para todo o mundo, porque isso poderia começar um conflito regional com Irã e Rússia naquela área.

Outros interesses em jogo

Em 1994, houve um cessar-fogo entre Azerbaijão e Armênia e a República de Nagorno, Artsak, se estabeleceu e tem cuidado dos próprios interesses já por quase 30 anos. E, você sabe, o que é diferente agora nessa guerra – e eu chamo de guerra, não mais de conflito, porque há tantos militares, tantos soldados morrendo, tantas pessoas morrendo, civis, que eu não consigo mais chamar de conflito – e, bem, o que é diferente é que a Turquia está participando e há muitos relatos de que jihadistas da Síria estão sendo “importados” em uma tentativa de desestabilizar a região. Eu não acredito que a Rússia esteja muito feliz com os mercenários sírios passando pelas suas fronteiras para o Azerbaijão. O governo do Azerbaijão entregou para a Turquia muito do seu comando militar, especialmente aéreo. Então o governo da Turquia está envolvido nessa guerra como nunca antes. Eles costumavam dar “avisos” e equipar militarmente, mas dessa vez eles estão ajudando a conduzir a guerra.

Comunidade internacional

Eu acho que o mundo inteiro está muito ocupado com a Covid e tentando cuidar do seu próprio povo, com as eleições nos Estados Unidos e aqui na Nova Zelândia, onde estou agora. Todo mundo tem suas próprias questões, recessão econômica, desemprego… Tem muita coisa acontecendo no mundo e todos estão realmente se fechando. Mas eu não acredito que foi por acaso que Azerbaijão e Turquia escolheram o momento em que o mundo está sofrendo – inclusive a Armênia, que tem uma grande quantidade de casos, para fazer esse ataque. É realmente muito brutal quando você pensa que começaram uma guerra durante uma pandemia. É muito brutal.

O que querem os armênios de Artsak

Eles querem viver em paz, eles querem ver seus filhos crescerem. Você sabe, desde o cessar-fogo de 1994, eles reconstruíram a paz a partir dos escombros. Há lindas escolas, igrejas, eu estive lá por duas vezes. A última foi em 2017. Eles são pessoas incríveis e eles querem viver em paz, eles não querem ser mortos.

A história da canção Artsak

Em 2016, Azerbaijão fez outra incursão em Artsak. E houve mortes, perdas e eu fiquei inspirado a escrever uma canção em armênio chamada Artsak. Ela basicamente fala sobre como essas pessoas vivem nas montanhas de lá. Como eles são como pessoas, como é o entorno, a natureza… É de um verde muito bonito, com montanhas muito altas e um microclima único e como essas pessoas foram definidas pelo seu entorno. Como elas nunca na história foram conquistadas. Elas sempre foram pessoas autônomas, nunca foram fisicamente conquistadas e essa é uma característica muito particular delas. Eu as chamo de armênias porque essas pessoas são ótimas lutadoras e se mostraram muito boas em se defender. Elas tiveram que fazer isso. E houve muitas atrocidades ao longo dos séculos, claro. Mas há lindas igrejas do século IV A.C. construídas por armênios. É um lugar lindo e eu resolvi homenagear essa pessoas que estão se defendendo, homenagear o espírito de unidade nacional e defesa pessoal.

Solução para a guerra?

Eu acho que o único jeito de encontrar uma solução é na mesa de negociação. O uso da força não vai criar essa solução e isso é, de fato, o que o governo armênio tem dito há muito tempo: nós precisamos voltar para a mesa de negociação, não há solução militar para esse conflito e tudo que vai acontecer é envolver mais e mais vizinhos e poderes regionais e isso vai se tornar algo muito pior para o mundo inteiro. E os agressores estão aprendendo que não vai haver uma solução militar. Mas infelizmente nesse caminho muitos jovens estão morrendo, muitos soldados estão morrendo dos dois lados, muitos civis estão morrendo. É terrível. Os exércitos estão se defendendo e defendendo suas famílias que estão logo atrás. Crianças, mulheres e idosos estão em abrigos anti-bombas. Porque estão sendo bombardeados.

Viver com liberdade

Quando eu escrevi a introdução daquela canção, de propósito eu escrevi um texto que diz: pessoalmente eu não acredito em fronteiras e bandeiras porque, para mim, a beleza de cada um de nós está em ser diferente. É a nossa cultura, a nossa música, a nossa arte. O jeito que sorrimos, o jeito que amamos, essa é a beleza. Não nossos exércitos, não nossa economia, não nossas fronteiras. Se as fronteiras fossem universais, animais as reconheceriam, a natureza as reconheceria, mas não. Elas são quase como linhas arbitrárias. Mas eu acredito em autodeterminação nacional, eu acredito que nenhum povo deveria viver oprimido por outro povo.

Um povo deve viver livres com sua própria cultura e pessoas e ser capaz de coexistir em paz com os outros. Infelizmente, os cidadãos de Artsak precisam se defender, para poder viver em paz com seus filhos.

Mensagem aos fãs brasileiros

Eu quero agradecer, agradecer os nossos amigos, eu tenho muitos amigos no Brasil, muitos seguidores, e eles têm nos apoiado muito, emprestando suas vozes, sua ajuda, por favor, continuem fazendo isso. É a hora de dizer aos agressores da Turquia e Azerbaijão para recuar e nós temos que usar o poder dos nossos governos e dos nossos governos pra pressionar a Turquia a se retirar dessa guerra antes que se torne uma guerra regional e antes que seja tarde demais.

https://www.youtube.com/watch?v=TEM9odrBipc

Fonte: G1
Créditos: G1