Paraíba - O prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena, produziu, ontem, a grande reviravolta no cenário político paraibano para as eleições de 2026 com dois movimentos: desfiliar-se do PP (Partido Progressistas) e assumir, de forma irreversível, a condição de pré-candidato ao governo do Estado. Com isto, ele rompeu os laços que até então o prendiam à liderança do governador João Azevêdo (PSB), seu apoiador na campanha para voltar à prefeitura em 2020 e na disputa pela reeleição, vitoriosa em 2024. A decisão causou forte impacto nos meios políticos locais porque empurra Cícero para a oposição, que já tem um candidato pré-definido ao governo, o senador Efraim Filho, do União Brasil, apoiado pelo bolsonarismo. Não há definição sobre o futuro de Lucena quanto à sigla partidária que vai abraçar – ele viajou, ontem mesmo, para o exterior, a fim de cumprir roteiro que inclui uma Caminhada em Santiago de Compostela.
O posicionamento de Cícero já era aguardado com interesse, embora muitos duvidassem que ele fosse capaz de cometer um movimento arriscado, construindo uma nova história a partir do zero, com consequências imprevisíveis e ficando subordinado a líderes de outros partidos que o cortejam como ativo valioso para a disputa eleitoral do próximo ano. Mas Cícero vinha demonstrando absoluto desconforto dentro do PP, em face da imposição do nome do vice-governador Lucas Ribeiro como pré-candidato dentro do esquema oficial, embora ele (Lucena) esteja liderando todas as pesquisas de opinião pública que têm sido realizadas informalmente no Estado. Somou-se a isto o fato de que o prefeito da Capital foi preterido, em outras oportunidades, no sonho de se eleger governador, cargo que ocupou por dez meses ao se investir na titularidade com a renúncia de Ronaldo Cunha Lima para disputar o Senado em 1996.
Da parte do governador João Azevêdo, havia a expectativa de que a divergência interna dentro do PP fosse contornada por mediação do deputado federal Aguinaldo Ribeiro junto ao próprio Cícero, devedor de atenções ao “clã” campinense por disponibilizar a legenda para sua reabilitação política a partir da nova candidatura a prefeito da Capital em 2020. Mas ficou demonstrado que os Ribeiro também estão obstinados na conquista do poder estadual, de que foi exemplo o anúncio da senadora Daniella, mãe de Lucas, de que não será candidata à reeleição, num gesto para facilitar composições em torno do filho. Em 2022, na reeleição de João Azevêdo, Aguinaldo Ribeiro recusou o convite para ser candidato ao Senado que lhe foi feito pelo governador e indicou o nome do sobrinho, Lucas, para a vice-governança. Com isto, pavimentou o terreno para que o “clã” estivesse a um passo da titularidade, o que deverá ocorrer em abril quando João se desincompatibilizar para candidatar-se a senador e for sucedido por Lucas.
O enredo de bastidores da política paraibana nos últimos meses vinha conspirando claramente para o desfecho que agora se verifica. Cícero passou a trabalhar seu nome junto a forças oposicionistas, atuando de fora para dentro, enquanto o vice-governador passou a atuar de dentro para fora, buscando se fortalecer internamente em sintonia com João Azevêdo e com expoentes de outros partidos, a exemplo do PSB e do Republicanos, este liderado pelo deputado Hugo Motta, presidente da Câmara Federal. Num gesto calculado para evitar a pecha de “traidor”, Cícero fez questão de ir à Granja Santana, residência oficial do governador, ontem, comunicar-lhe as duas informações: a) sua saída do PP; b) sua pré-candidatura ao governo, por legenda a ser ainda escolhida. Entre as opções com que Lucena conta, a mais viável parece ser o MDB, dado o aprofundamento do seu diálogo com o senador Veneziano Vital do Rêgo, candidato à reeleição, e ao convite do próprio Veneziano para filiação de Cícero com garantia de apoio e estrutura para consolidar a pretensão ao Executivo estadual.
Ao explicar a jornalistas o seu posicionamento a respeito, o governador João Azevêdo insistiu ressaltar sua condição de integrante de um grupo com o qual pretende deliberar sobre as démarches para o pleito de 2026, deixando claro que, fora desse contexto, não aceitaria solução diversa. Seu entendimento é o de que Cícero fez um ponto fora da curva ao aliar-se a políticos que fazem oposição ao governo e ao esquema que ele, João, comanda. Também patenteou cobrança ao vice-prefeito de João Pessoa, Leo Bezerra, do PSB, sobre fidelidade tanto ao partido como a ele (governador) que tanto se empenhou pela sua inclusão na chapa encabeçada por Cícero e que se mantém à frente da prefeitura da Capital. A reviravolta produzida por Cícero torna o quadro incerto para a própria oposição, que torcia ardorosamente pelo “racha” e que a partir de agora dividirá espaços com um concorrente forte. A viagem a Santiago de Compostela pode ser propícia à decantação dos fatos e a uma avaliação mais segura sobre se Lucena agiu acertadamente ou botou para jogo a sua própria carreira na conjuntura estadual.