Opinião

Caso de pastora no RJ mostra que muitas igrejas ensinam racismo e homofobia - Por Ronilso Pacheco

Nossa semana começou com a circulação do vídeo da pastora Karla Cordeiro, da igreja Sara Nossa Terra, em Nova Friburgo (RJ), dando um show de horrores em uma pregação indignada contra o que considerava ser uma “mentira” e uma “vergonha”.

Durante um culto no dia 31 de julho, Karla disse que “é um absurdo pessoas cristãs levantando bandeiras políticas, bandeiras de pessoas pretas, bandeiras de LGBTQIA+ sei lá quantos símbolos tem isso aí. É uma vergonha!”.

Com a enorme repercussão do vídeo, a pastora tentou se retratar. Disse que foi “infeliz nas palavras”. Sim, ela não usou a expressão “arrependimento”, ela diz apenas que foi “infeliz nas palavras” que escolheu para dizer o que disse e como disse. Por mais execrável que seja, a pastora não está sozinha e sua postura “faz sentido”.

“Muitas de nossas igrejas estão ensinando as pessoas a serem racistas e homofóbicas. Com isto quero dizer que, embora haja pessoas que sejam racistas e homofóbicas —apesar de se dizerem evangélicas—, muitas são racistas e homofóbicas exatamente porque são evangélicas”.

Sim, analisando friamente, as palavras da pastora Karla encontram uma ressonância tranquila na maioria das igrejas evangélicas, sem espanto, surpresa ou indignação. Nossa formação teológica foi forjada para ignorar realidades, contextos e a hostilidade de um mundo impregnado de preconceitos e exploração (incluindo a exploração escravocrata e colonial).

“Nossa formação teológica hegemônica nos ensinou, desde cedo, que a África é um continente amaldiçoado e que a religiosidade africana representa o mal. Além disso, despolitizar o contexto social da igreja e dos crentes foi o papel por excelência da maioria das igrejas no Brasil”.

Essa despolitização sustentou inclusive a manipulação de muitos pastores políticos conservadores. Eles fomentam a alienação e o foco na “busca da vontade de Deus”, enquanto fortalecem suas redes, influências e apego ao poder (religioso e político).

“Quando a pastora Karla diz ‘posta [nas redes sociais] Palavra de Deus que transforma vidas’, ela está exigindo que se mantenha a regra desse acordo religioso que exige cegueira diante da realidade. ‘Palavra de Deus’, neste caso, é tão somente uma abstração, uma forma de você não falar de nada, porque a vida de carne e osso das pessoas e o seu sofrimento não importam”.

Essa é uma conclusão triste e real: essas igrejas estão ensinando a odiar e a ser indiferente ao sofrimento alheio. Em um contexto fora da igreja, talvez, muitas dessas pessoas seriam expostas a outras perspectivas de se referirem a pessoas negras ou a LGBTQIA+. Seria possível que muitas delas ponderassem suas afirmações e estereótipos, seu racismo. Talvez pensassem.

Mas a igreja cria um ambiente de razão e justificativa. As pessoas não veem a si mesmas como racistas, porque ela está “apenas” pedindo que a questão de raça e racismo não se “misture” com as “coisas da igreja”. Ela não vê racismo na compreensão das religiões de matriz africana como demoníacas ou “entidades do mal”.

Pessoas crentes não veem LGBTfobia nas afirmações de sua fé porque, para elas, estão apenas endossando o que “a Bíblia diz”. Então elas preferem ser vistas como homofóbicas do que como pessoas que “negam a Bíblia”. Com isso, não há margem para convencimento, mudança ou arrependimento.

Por décadas, a Igreja Universal do Reino de Deus transformou a demonização das religiões de matriz africana em espetáculo televisivo, até que isso custou caro, financeiramente e judicialmente. Mas na era das redes sociais, não é preciso muito esforço para ver como a humilhação, escárnio, estigma, violência e demonização continuam em pregações diversas.

A maioria dos congressos de juventude evangélica no país é típica desse tipo de alienação e racismo teológico. Grande parte desses congressos costuma ser um entretenimento descompromissado de uma juventude apática, desconectada das suas realidades e ignorando que opressão e injustiça podem fazer parte das suas orações e ações.

Contudo, de onde vem o mal, também vem a cura possível. Nós também temos igrejas inspiradoras, temos movimentos evangélicos que amam a vida, a justiça, as pessoas e as histórias que as pessoas possuem.

“Há igrejas que entenderam que falar da ‘Palavra de Deus’ é, necessariamente, falar da onde essa palavra circula. E essa Palavra não circula no céu distante, mas em favelas, vielas, asfalto, campo, ocupações. Ela circula em meio às coisas de gente preta, gente pobre, gente LGBTQIA+”.

Há igrejas que entenderam que a alegria que alguém tem ao ter uma religião que lhe acolha, não é e não pode ser privilégio dos evangélicos. Um terreiro acolhe e cuida tão bem das pessoas quanto uma igreja. Há igrejas incríveis em todo o país, e elas podem ajudar a restaurar os estragos dessa teologia do mal que está envenenando a beleza da pluralidade e da solidariedade.

Fonte: Ronilso Pacheco – Colunista UOL
Créditos: Ronilso Pacheco – Colunista UOL