Polêmicas

“Aceito os teus erros, pecados e vícios Porque na minha vida meu vício é você”

De tudo quanto é traição

Por Rubens Nóbrega

Graças à política estilo bem Paraíba atual, tivemos mais uma semana onde a palavra ‘traição’ deve ter sido pronunciada mil vezes pelos mais diversos personagens, alguns com patente de general na guerra que se trava pelo poder em nosso Estado. Mas, como hoje é domingo, prefiro cuidar da traição contemplada nas letras e desventuras dos ‘poetas mais delirantes’ que também são ou foram músicos e compuseram canções lindíssimas inspiradas no ato ou na atitude de alguém trair alguém.
Para começo de conversa, devo manifestar minha crença de que esses moços, pobres moços, talvez não saibam que entre os gênios da Música Popular Brasileira um foi mais pródigo em exaltar nas suas composições a famosa dor de corno, que em alguns dói mais na testa; em outros, mais no cotovelo. O gênio sobre o qual vos escrevo atendia pelo nome de Lupicínio Rodrigues, gaúcho de Porto Alegre que viveu no mundo dos vivos entre os anos de 1914 e 1974. Dia 27 de agosto que vem vamos nos lembrar um pouco mais do velho Lupe.


A data marca a passagem dos 40 anos de sua viagem fora do combinado, como diria o menestrel Rolando Boldrin sobre os bons que partem antes de a humanidade poder compartilhar e fruir toda a genialidade e beleza que nos trouxeram a existência de seres especiais feito Lupicínio.Não consigo imaginar, contudo, como ele poderia criar coisas mais belas do que ‘Nervos de aço’, ‘Esses moços’, ‘Vingança’, ‘Ela disse-me assim’, ‘Se acaso você chegasse’, ‘Loucura’, ‘Volta’ e tantas outras.
Sou fascinado por Lupicínio Rodrigues. Adoro suas canções desde a velha in
fância, quando as ouvia na radiola lá de casa, em Bananeiras, nas vozes de Roberto Silva, Miltinho e, principalmente, Jamelão, inigualável intérprete da obra lupiciniana. Para quem não conhece ou não lembra, vou cantar, quer dizer, relembrar adiante só um pedacinho das estrofes marcantes dessas obras-primas, recortando, claro, os versos com maior evidência de que foram inspirados em amores desfeitos por chifres e outras cafajestices. Cantem comigo:
* “Você sabe o que é ter um amor, meu senhor E por ele quase morrer E depois encontrá-lo em um braço Que nem um pedaço do seu pode ser?” (‘Nervos de aço’);
* “O remorso talvez seja a causa Do seu desespero Ela deve estar bem consciente Do que praticou” (‘Vingança’);
* “Ela disse-me assim: Tenha pena de mim. Vá embora! Ele pode chegar Vais me prejudicar Tá na hora!” (‘Ela disse-me assim’);
* “Se acaso você chegasse No meu château encontrasse Aquela mulher que você gostou” (‘Se acaso você chegasse’);
* “Faça ela voltar de novo pro meu lado Eu me sujeito a ser sacrificado Salve seu mundo com minha dor” (‘Loucura’);
* “Volta! Vem viver outra vez ao meu lado! Não consigo dormir sem teu braço, Pois meu corpo já está acostumado…” (‘Volta’).

 


Seleção dos melhores

Evidente que os dramas sentimentais referenciam a poética de outros grandes compositores. Junto com Lupicínio, Herivelto Martins, Adelino Moreira, Evaldo Gouveia e Jair Amorim, além de Cartola, formam nesse primeiro time de feras na arte de versejar sobre tragédias amorosas.

Herivelto X Dalva

Herivelto nos deu, por exemplo, “Atiraste uma pedra no peito de quem só te fez tanto bem (‘Atiraste uma pedra’), além de “Não, eu não posso lembrar que te amei Não, eu preciso esquecer que sofri” (‘Caminhemos’) e“Teu mal é coment
ar o passado Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois” (Segredo).
Essas pérolas devem refletir o conturbado romance de Herivelto com Dalva de Oliveira, que estiveram casados por dez anos, entre 1937 e 47. O casamento acabou, dizem, por conta das traições dele, mas a fama de adúltera teria manchado o cartaz da cantora graças a uma campanha difamatória que o compositor empreendeu contra a ex-mulher no Diário da Noite, contando com o auxílio luxuoso do jornalista David Nasser.
Pra vocês terem ideia do que isso representou na vida de Dalva, ela perdeu a guarda dos filhos que teve com Herivelto. Eram dois meninos, mais tarde cantores (Pery Ribeiro e Ubiratan Martins). Eles saíram dos braços da mãe direto para um internato, por ingerência de um Conselho Tutelar ou decisão de um juiz que considerou a diva desprovida de conduta ilibada para manter e educar as crianças.

‘Meu vício é você’

De Adelino Moreira, quase sempre na voz do inigualável Nelson Gonçalves, vez por outra me pego cantarolando “Aceito os teus erros, pecados e vícios Porque na minha vida meu vício é você” (‘Meu vício é você’).
Da fantástica dupla Evaldo Gouveia e Jair Amorim, não me sai da cabeça Altemar Dutra cantando “Alguém me disse que tu andas novamente de novo amor, nova paixãotoda contente” (‘Alguém me disse’).
Pra fechar, nada melhor do que fechar com o genial Cartola, tentando talvezadvertir a mulher amada que o deixava. Advertia para armadilhas em que ela poderia cair ou perigos que enfrentaria se abandonasse o lar e seu companheiro: “Ouça-me bem, amor Preste atenção, o mundo é um moinho Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos Vai reduzir as ilusões a pó”. É de ‘O mundo é um moinho’, da minha lista das dez mais de todos os tempos, mundos e moinhos.