Os mesmos terroristas que quase levaram aos céus, em vez dos aviões, o aeroporto de Brasília, e lideraram suas ações no dia 8 de Janeiro, estão hoje na Câmara dos Deputados, na tentativa de golpear a democracia brasileira.
Se não bastasse, tem o apoio de quem o presidente Lula chamou corretamente de “imperador do mundo”.
Desta vez quem quer dar o golpe não é o banqueiro Magalhães Pinto, o “rouba mas faz” Ademar de Barros ou o “Corvo” Carlos Lacerda, líderes civis da marcha antidemocrática que redundou na ditadura militar de 1964.
Desta vez os apoiadores de Jair Bolsonaro, aqueles que quiseram matar a adutora do Guandu em 1987, não são os governadores de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, embora os três ocupantes atuais das mesmas cargas sejam cúmplices dos extremistas de direita e não tenham constrangimento em revelar covardia e submissão a interesses externos.
Agora os porta-vozes da aventura são tipos inconversáveis, verdadeiros ogros do PL bolsonarista, como o violento Paulo Bilynskyj, o histérico Marcelo van Hattem, a mãe desnaturada Júlia Zanatta e o “patriota” Eduardo Bolsonaro, guiado pelo neto do derradeiro ditador, o fujão Paulo Figueiredo — entre outras figuras tão pequenas como Bia Kicis, a defensora da liberdade de imprensa que processou mais de uma dezena de jornalistas.
Nem Lyndon Jonhson, o presidente dos EUA em 1964, embora tenha estado na origem do golpe, teve a coragem de assumi-lo publicamente como faz o arrogante intervencionista Trump.
Tratar com toneladas de normalidade o processo em curso é, de duas, uma: ou se fazer de avestruz ou colaborar para mais uma interrupção do processo democrático duramente conquistado como fez esta Folha ao apoiar o golpe seis décadas atrás —para depois se engajar calorosamente na campanha das “Diretas Já”.
“O Globo” fez o mesmo, apoiou o golpe, não a campanha por seu fim, e o “Estado de S.Paulo” também.
Não trabalho nem para um e nem para outro, seria indevido querer pautá-los, além de apostar que jamais publicariam um artigo como este, e exponho aqui meu desalento — noves fora a esperança de sensibilizar, não de pautar, para mudança de rumo na cobertura da insânia em curso. Pouco importa estar de acordo ou não com o atual governo.
Trata-se de defender a soberania e a democracia sem concessões e outroladismo para
quem solapa a democracia. Não há autorização possível entre Winston Churchill e Adolf Hitler. Ou entre Ilan Pappe e Binyamin Netanyahu.
Durante anos esta Folha atualizou o lema “Um jornal a serviço do Brasil”. Por menos que tenha sido fiel ao bordão antes, durante e depois do golpe, pode se orgulhar de tê-lo seguido ao se transformar no diário mais arejado, criativo, instigante do país, também o de maior circulação, graças a jornalistas como Otavio Frias Filho e seu Projeto Folha, Ricardo Kotscho, “o Repórter das Diretas, e Matinas Suzuki, o mais
inquieto dos editores, para citar apenas três responsáveis pela guinada iluminista.
Então, trabalhar na Folha era motivo de orgulho mesmo quando, a FOLHA sendo FOLHA, tropeçava aqui ou ali. Hoje não é bem assim.
Onde está a indignação, a denúncia veemente, a cobrança incessante para que o dócil e intimidado Hugo Motta tenha 10% da postura de Ulysses Guimarães na presidência da Câmara?
Por críticas que se fazem ao ministro Alexandre de Moraes, e é acaciano dizer que ninguém está acima delas, deixar de enaltecer seu papel na defesa do país é, no mínimo, ingratidão, além de injustiça.
Como são injustos, ingratos e oportunistas os que cobram de Lula o diálogo com quem nos ameaça e chantageia ao ignorar o ensinamento de Millôr Fernandes: “Quem se curva diante dos opressores mostra o traseiro para os oprimidos”.
Abre os olhos, Folha!
Por Juca Kfouri*, na coluna Tendência/Debate