O transcurso de 30 anos da morte do ex-governador e ex-senador Antônio Mariz no próximo dia 16 de setembro será uma ocasião para homenagens de familiares, amigos e admiradores de um político de extração rara e de formação íntegra, baseada em valores morais que prezavam a ética e a austeridade no exercício da vida pública. Mariz costuma ser descrito pelos que o conheceram como líder singular e corajoso, que tinha convicções inarredáveis e que desafiou adversidades para se manter coerente com os princípios que defendia. Como governador, posto a que chegou pelo voto numa terceira tentativa, inscreveu seu nome na História pelos gestos firmes e pela instituição de um “Governo da Solidariedade” que refletia o seu compromisso com as reivindicações das camadas mais pobres da população e com um programa revolucionário de mudanças na anacrônica estrutura econômica e social da Paraíba. Mandou demolir símbolos da suástica nazista que compunham os mosaicos da estrutura arquitetônica do Palácio da Redenção, por considerá-los uma afronta ao regime democrático.
Em 1978, filiado à Arena, que era o partido do governo militar, Mariz liderou uma dissidência com lastro popular para concorrer ao governo do Estado pela via indireta, mediante os votos de convencionais e delegados partidários. Era uma forma de protesto contra o sistema de indicações de governantes, apelidado pela imprensa de “biônico” porque excluía o voto popular, direto, livre e soberano. Perdeu para Tarcísio Burity, que havia sido ungido pelo “sistema”, mas, em sinal de protesto, advertiu que quem havia sido derrotado era o povo paraibano. Em 1982, restauradas as eleições diretas, candidatou-se pelo PMDB que o havia adotado após a dissidência que encabeçou. Foi derrotado pela força das máquinas administrativas federal, estadual e municipal, pelo enxerto de casuísmos na legislação como o voto vinculado e pelo confronto com um líder populista, o então deputado federal Wilson Leite Braga. Só em 1994 Mariz venceu um pleito ao Executivo estadual, derrotando Lúcia Braga, mulher de Wilson, mas a esta altura duelava, também, com um câncer insidioso, que acabou consumindo o seu organismo e levando-o ao desenlace em pleno exercício do mandato que o consagrou. Mesmo quando estava na Arena, Mariz deu mostras de sua independência, participando de um grupo renovador que preconizava mudanças urgentes na realidade brasileira e cobrava o restabelecimento das liberdades políticas mediante convocação de eleições diretas, de uma Assembleia Nacional Constituinte e da concessão de anistia para adversários do regime que haviam sido punidos arbitrariamente, alguns deles com exílio, prisões e torturas. Mariz denunciou com altivez as violações dos direitos humanos e também foi um crítico severo do modelo econômico posto em prática pela ditadura militar. Na Constituinte, passou com louvor, tirando Nota Dez, pelas suas posições progressistas e, por vezes, alinhadas com a esquerda. Também foi da lavra dele o substancioso relatório que serviu de peça para o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, acusado de envolvimento com o esquema “PC Farias”. O parecer de Mariz foi avaliado como irretocável por grandes juristas brasileiros, impressionados com o poder de argumentação que ele expendia para justificar como imperioso o impeachment de Collor. Mariz cravou outro momento histórico, ao defender o senador Humberto Lucena da ameaça de cassação por ter distribuído, pela Gráfica do Senado, calendários com votos de Boas Festas e Feliz Ano Novo aos eleitores. Na época, Mariz verberou com contundência contra o que chamou de “decadência moral das elites”, sem poupar o Tribunal Superior Eleitoral, a quem inquinou pela injustiça praticada contra o parlamentar paraibano, presidente do Congresso Nacional por duas vezes.
Adversário político de Mariz, com quem se reconciliou por iniciativa deste quando se elegeu governador, Marcondes Gadelha escreveu que Mariz, como poucos, representava a era do ideal. “Mariz não sentava nas mesas dos bares; deitava diretamente sobre os trilhos da Central do Brasil para fazer parar o trem, ou, eventualmente, mudar o curso da História”, pontuou Gadelha, lembrando que o idealismo era muito exigente e impunha o risco, pressupondo dois elementos formadores: o altruísmo, ou seja, a disposição de se sacrificar pelos outros, e a coragem, que é, em última análise, a dignidade sob pressão. “Mariz ocupou a era do ideal em todas as suas dimensões e recessos. E nela permaneceu, mesmo depois que ela acabou, aí por volta dos anos 80, substituída pelo individualismo filosófico, pela ego trip escancarada e pelo emblema da Ferrari”, anotou Marcondes. Se fosse vivo, hoje, Mariz estaria escandalizado com o perfil do Parlamento, convertido em poder fisiológico, nutrido pelas emendas individuais ou de bancadas que garantem dinheiro aos políticos e seus áulicos mas não melhoram a vida da população. Mariz era um político diferente, que pode não ter deixado herdeiros, mas deixou a herança da integridade moral, do compromisso com o interesse público e com os valores da ética, que poucos abnegados teimam em agitar no nebuloso cenário institucional do país.