OPINIÃO

Ricardo, o “rei das confusões”, dá a volta por cima e assume PT local - Por Nonato Guedes

Quase vinte anos depois de uma conturbada passagem pelo Partido dos Trabalhadores na Paraíba, do qual se desfiliou alegando ter sido boicotado na pretensão de ser o candidato legítimo a prefeito de João Pessoa, o ex-governador Ricardo Coutinho dá a volta por cima e está prestes a retornar à legenda onde aprontou tantas confusões com correntes internas e filiados ilustres.

Quase vinte anos depois de uma conturbada passagem pelo Partido dos Trabalhadores na Paraíba, do qual se desfiliou alegando ter sido boicotado na pretensão de ser o candidato legítimo a prefeito de João Pessoa, o ex-governador Ricardo Coutinho dá a volta por cima e está prestes a retornar à legenda onde aprontou tantas confusões com correntes internas e filiados ilustres. Desta feita, Coutinho já não desponta mais como um líder promissor – pelo contrário, ostenta sinais de declínio de liderança e de isolamento político. Eticamente, teve o currículo manchado com citações em denúncias de escândalos como desvios de recursos da Saúde e da Educação do Estado, conforme investigações da Operação Calvário, do Ministério Público. Persistem dúvidas sobre sua elegibilidade para 2022, mas Coutinho é candidato declarado a uma vaga no Senado e arrebatou um trunfo valioso: o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato ao Planalto e fiador maior da sua reabilitação nas hostes petistas.

O discurso de Ricardo, na versão atual, é uma réplica de discursos do passado, adaptados à conjuntura de hoje em que o principal inimigo, para o PT e outras forças de esquerda ou do campo progressista, é o governo do presidente Jair Bolsonaro, alinhado com a extrema-direita e com posturas autoritárias na relação com a sociedade civil e as instituições. Ricardo está deixando o PSB, para onde migrou ao se sentir rejeitado no PT, e além da oposição a Bolsonaro quer assumir o comando do PT local para combater o governador João Azevêdo (Cidadania), que já declarou apoio à candidatura de Lula em 2022. Ou seja: Ricardo chega novamente criando confusão, e tenta atrair para sua órbita um líder com quem nunca teve grandes afinidades – o também ex-petista Luciano Cartaxo, prefeito de João Pessoa por dois mandatos e expoente do Partido Verde no Estado. No PSB, apesar da indisfarçável sensação de alívio com a saída de Coutinho, restaram mágoas e ressentimentos.

Afinal, foi o PSB que deu cobertura a Ricardo quando ele, aparentemente, ficou sem chão ou, pelo menos seguramente sem espaço, dentro do Partido dos Trabalhadores, no início dos anos 2000. Num depoimento ao jornalista Walisson Bezerra, da Rede Mais, o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira (PE) historiou o rosário de brigas compradas pelo partido para defender Ricardo e as perdas que enfrentou para coroar de êxito o projeto personalista de Coutinho. O PSB perdeu o governador eleito na Paraíba em 2018, João Azevêdo, que havia sido apoiado por Ricardo mas não se submeteu às suas ordens. Coutinho, num ato de vingança contra Azevêdo, forçou a intervenção no diretório estadual do partido, conseguiu que a antiga direção fosse destituída e praticamente empurrou Azevêdo para fora da legenda. Mais tarde, desencadeou conflitos com o senador Veneziano Vital do Rêgo, que pulou a fogueira em tempo e realojou-se no MDB, cujo diretório estadual atualmente preside. Ultimamente, Ricardo vinha avançando nos desentendimentos com o deputado federal Gervásio Maia, presidente do PSB no Estado, mas, então, a cúpula nacional decidiu dar um “basta”, dificultando a permanência do ex-governador na sigla.

Ricardo entrou no PSB em 2003 pelas mãos do falecido governador de Pernambuco, Miguel Arraes de Alencar, destronando do comando na Paraíba a combativa advogada criminalista e ex-deputada Nadja Palitot, que lutava a duras penas para sedimentar a legenda em meio à concorrência de partidos tradicionais mais fortes. Era um quadro atraente para o PSB porque aparecia bem cotado em pesquisas de opinião pública para ser candidato a prefeito de João Pessoa. Descartado impiedosamente pelo PT, que já o considerava desagregador e personalista, Coutinho fez um estrago nas hostes petistas e abandonou a sigla, transferindo-se para as hostes socialistas. Elegeu-se prefeito da Capital em 2004 e foi reeleito em 2008, chegando, em 2010, ao governo do Estado, para o qual foi reconduzido em 2014. Lá atrás, havia exercido mandatos de vereador em João Pessoa e de deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores.

Conseguiu destacar-se como um quadro político respeitável devido à atuação diferente que empalmou na vida pública, agregando temas sociais e pautas inovadoras à plataforma das discussões tediosas entre atores de partidos políticos com espaço na Paraíba. Ganhou definitivamente a admiração pessoal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por atitudes tomadas já dentro do PSB, não dentro do PT. Desse ponto de vista, Ricardo talvez tenha sido o socialista mais petista da história política brasileira recente. Ele ficou do lado de Lula, por exemplo, quando este foi recolhido à superintendência da Polícia Federal em Curitiba por 580 dias, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Assinou manifestos pela liberdade de Lula e trouxe à Paraíba a presidente Dilma Rousseff, com ela solidarizando-se em pleno movimento do seu impeachment, que acabou se concretizando no âmbito da Câmara Federal.

Esses gestos calaram fundo dentro do PT nacional e imobilizaram lideranças do PT paraibano. Tanto foi assim que na campanha para prefeito de João Pessoa, em 2020, embora o PT tivesse um candidato próprio, o deputado estadual Anísio Maia, Lula gravou vídeo, divulgado no Guia Eleitoral, pedindo votos para Ricardo Coutinho, que teve uma votação pífia, experimentando a primeira derrota já no ostracismo, sem mandatos ou sem a caneta de governador nas mãos. Porém, na odisseia vivida por Ricardo no âmbito da Operação Calvário, foi o PSB que bancou a candidatura dele a prefeito da Capital, mesmo sabendo das chances mínimas que ele tinha, em face do desgaste acumulado e dos atritos provocados. Partiu, também, do PSB nacional a ideia de prestigiar o ex-governador no comando da Fundação João Mangabeira, uma espécie de órgão de estudos políticos do partido, somente afastando-o quando as acusações se tornaram mais intensas. De concreto, Ricardo havia se tornado um estorvo para o PSB. Tanto que, ao ser consultado pela presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, se haveria algum desconforto da legenda socialista com a volta de Ricardo ao seu berço, Siqueira apressou-se em dizer que não. E facilitou as coisas para que Ricardo e o PT se reconciliem em alto estilo.

Fonte: Nonato Guedes
Créditos: Polêmica Paraíba