155 anos

Folião homenageia Campina Grande e relembra carnaval fora de época

Trios elétricos, arquibancadas, camarotes, luzes colorindo e enfeitando as ruas, abadás estampados de felicidade, música e muita folia. O cenário parece um retrato do carnaval da Bahia, mas é parte das lembranças do jornalista André Gomes do Nascimento, de 34 anos, recortadas do período em que curtiu a Micarande, o primeiro carnaval fora de época realizado além da Bahia. O evento animou foliões em Campina Grande durante quase 20 anos.

Após adotar o modelo da festa, Campina Grande se tornou referência para outras cidades do Nordeste, como Recife (Recifolia); Natal (Carnatal); Fortaleza (Fortal); Aracaju (Pré-Caju); Teresina (Micarina); Maranhão (Marafolia) e João Pessoa (Micaroa).

“O impacto do Axé Music foi nacional. Pela primeira vez um ritmo dançante da Bahia foi apropriado nacionalmente. Campina Grande sempre teve uma vocação comercial considerável”, contou o historiador Bruno Gaudêncio.

O jornalista André Gomes conta que participou da festa durante oito anos. Os preparativos para a festa realmente começavam com antecedência. O folião procurava em comunidades de uma rede social, pessoas que assim como ele, fossem fãs do grupo musical Asa de Águia, então liderado pelo cantor baiano Durval Lélys.

“A gente esperava o ano todo pela Micarande. É uma das minhas melhores lembranças da vida”, garantiu André Gomes.

A amizade virtual se tornou real. Ele faz parte de um grupo com cerca de 15 amigos, que não abriam mão de marcar presença no evento. Mas a festa mesmo não acontecia apenas no “Corredor da Folia”, como era conhecido o trajeto que os blocos percorriam. A turma se reunia para um “esquenta” todas as tardes antes de cair na avenida.

Os abadás eram o passaporte de entrada para a festa. Coloridos, eles eram o sonho de consumo de muitos jovens que queriam brincar na avenida. Como todos eram estudantes, eles dividiam o pagamento dos ingressos em até seis vezes “no carnê”.

“A adrenalina era diferente. A energia da galera era massa. A gente se envolvia muito. Tinha amigo da gente que chorava ouvindo as músicas”, declarou André.

O amor pela festa é tão grande que todos os anos o grupo de amigos de André se reúne para relembrar o que viveram. Em 2018, após dez anos do fim do evento, a turma caprichou na comemoração, confeccionaram abadás e levaram as bandeiras usadas há uma década.

Campina Grande, cidade das festas

Junto ao São João, conhecido como o “Maior do Mundo”, criado em 1983, a Micarande se firmou no calendário turístico da Rainha da Borborema. Acontecendo durante quatro dias, com foco nos finais de semana, sempre no mês de abril, a festa se tornou uma das mais importantes do estado e reunia, anualmente, milhares de foliões da cidade e todo o país.

A festa começou a ser realizada em 1989, mas, oficialmente, no início dos anos 1990. Na época, a estrutura era simples, mas a magia do evento já encantava os foliões. O nome do Micarande é resultado da junção das cinco primeiras letras da palavra “Micareta” com as quatro primeiras letras do segundo nome do município, a palavra “Grande”.

No começo, não existiam cordões de isolamento nos blocos. As pessoas se reuniam para ir às ruas para se divertir em um percurso por cerca de duas horas. Um dos primeiros blocos foi o “Galo de Campina”, animado por uma figura que é a cara da cidade: o cantor Biliu de Campina.

O pano de fundo para a folia sempre foi o Açude Velho, considerado o principal cartão-postal do município. Com o tempo, os foliões passaram a se concentrar na Avenida Brasília, no bairro do Catolé, para se divertir durante um trajeto de cinco quilômetros, que só acabava no Parque do Povo, no Centro.

Os ritmos baianos tomaram conta da festa. Atrações como Chiclete com Banana, com Bell Marques; Ivete Sangalo; Asa de Águia, com Durval Lélys; Babado Novo, com Claudia Leitte; Netinho e Araketu reuniam multidões ao redor dos trios.

Blocos infantis

Os pequenos não ficavam de fora da folia. Acompanhados pelos pais ou responsáveis, eles eram presenças garantidas no bloco “Piu-piu Amarelinho”, puxado pelo cantor Capilé, geralmente nas tardes de domingo.

‘Pipoca’

Os preços dos abadás não eram tão acessíveis. Já nos últimos anos da festa, um pacote para curtir o evento durante os quatro dias custava, em média, R$ 300. O salário mínimo vigente em 2008, último ano da Micarande, era de R$ 415.

Mas para quem gostava de diversão, alegria e entretenimento não havia desculpa. Se o evento não cabia no bolso, o jeito era aproveitar na “pipoca”, nome dado para os foliões que se aglomeravam em volta dos blocos sem precisar pagar nada.

Fim e possível retorno do evento

O evento foi realizado pela última vez no ano de 2008, decisão que entristeceu os fãs do evento. “Todo mundo se frustrou e começou a ir para outras cidades que tinham micaretas”, revelou André.

O historiador Bruno Gaudêncio acredita que questões financeiras, políticas e até morais podem ter sido motivos para o fim do evento. “A questão econômica, com certeza, pesou muito para que a festa terminasse. Houve uma diminuição dos recursos, blocos e foliões. A exposição dos artistas acabou e não surgiram novos artistas. Alguns empresários viram que seria mais interessante investir em outras cidades mais rentáveis”, esclareceu.

Em 2018, a então empresa organizadora do São João de Campina Grande anunciou o retorno da festa. Mas dias depois, o dono da organização desistiu de promover a volta do evento, alegando questões religiosas.

Em 2019

O modelo de festa atualmente mais parecido com a Micarande é a Namoradrilha, bloco de rua animado pelo cantor baiano Bell Marques. A festa acontece sempre aos domingos, durante o mês de junho, e faz parte da programação do São João de Campina Grande, momento em que o artista se rende ao forró.

Fonte: G1
Créditos: Polêmica Paraíba