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CANCELAMENTO NA MÍDIA: jornalistas paraibanos relatam perseguição e até censura durante a carreira; confira

O dia a dia de um profissional da comunicação é repleto de desafios: receber a informação, apurar a notícia e publicar o material para informar a população do que está acontecendo sobre determinado tema. Contudo, as vezes esse trabalho feito pelo profissional não agrada a todos (entre elas figuras públicas e políticos), e essa condição pode acabar atrapalhando o andamento da carreira desses profissionais.

O Polêmica Paraíba ouviu relatos de alguns profissionais da comunicação atuantes da Paraíba, dando ênfase à velha guarda, que por algum motivo, passaram por momentos de perseguição ou até de censura em veículos de comunicação por onde trabalharam, citando que a atual “cultura do cancelamento” acontece também dentro do jornalismo. Confira a seguir os relatos.

Abrantes Junior

Abrantes Junior contou ao Polêmica Paraíba que por vir do Sertão, com uma postura “firme” e “ousada”, foi prejudicado em determinados episódios de sua carreira.

“A gente que vem do interior tem uma característica de ser aguerrido, ser ousado, e muitas vezes a gente paga um preço […]. Eu vivi um cancelamento, hoje a linguagem é essa, por ter uma postura firme e forte, em defesa das pessoas, do coletivo”, revelou.

“Então os veículos acabam se alinhando politicamente, e quando a gente tem posturas firmes, a gente acaba sendo vítima, tanto muitas vezes da empresa e principalmente do sistema político, que as vezes nos tira de atividade”, continuou.

Não só isso, Abrantes revelou que percebeu que durante sua carreira, houve não só uma espécie de exclusão por parte das empresas tradicionais de comunicação, mas também internamente, dentro da própria empresa.

O jornalista falou ainda que esse tipo de cancelamento é ruim para qualquer profissional e para seu público, uma vez que tanto o jornalista perde seu espaço no mercado de trabalho quanto o seu público, que deixa de consumir o que deseja.

Abrantes atualmente realiza seu trabalho de forma independente, nas redes sociais e no Blog do Fuxico e portal Imprensado, onde consegue transmitir seus pensamentos com tranquilidade e autonomia, e realizar o papel fundamental do jornalista que é “levar informação”.

Anderson Soares

Anderson foi mais um jornalista que relatou ao Polêmica ter sido censurado e perseguido em uma empresa onde trabalhou.

“Totalmente. Fui muito perseguido […]. Fui muito censurado pelo governador da época, Ricardo Coutinho. Fui muito pressionado e depois demitido, a pedido dele por duas vezes. Isso repercutiu”, disse.

Para o jornalista, o seu perfil combativo, de críticas à então gestão, foram o motivo pelo qual ele passou por essa situação. “Ele não aceitava” disse, se referindo mais uma vez ao ex-governador.

Anderson disse ainda que após o episódio, percebeu dificuldade de encontrar emprego em outros veículos tradicionais de comunicação do Estado, e que quando percebeu que as portas foram fechadas, decidiu partir para o jornalismo independente e criou o seu blog (Blog do Anderson Soares).

“Totalmente. As portas foram completamente fechadas. Todas, até hoje […]. Houve uma tentativa de cancelamento muito clara”, finalizou.

Helder Moura

Helder também compartilhou episódios de perseguição por parte da gestão estadual no início da década passada, que causaram até demissão de onde trabalhava.

“Nós fomos perseguidos na virada do ano para 2011, pelo governo do Estado. Isso é notório, foi publicado na época porque ele não simpatizava com jornalistas. Nós fomos perseguidos duramente e depois fomos demitidos”, citando que o episódio não aconteceu só com ele.

Ainda segundo Helder, tanto ele como outros profissionais passaram por dificuldades para conseguir emprego nas empresas de comunicação tradicionais do Estado, afirmando que alguns colegas passam por esse problema até os dias atuais.

“Por intervenção do governo nessa última década, muitos profissionais ficaram impedidos de trabalhar em empresas convencionais”, afirmou.

Helder, autor do Blog do Helder Moura, relatou que a ideia do jornalismo independente surgiu quando percebeu mais um período de pressão do governo em uma nova empresa de comunicação onde trabalhava, em 2017.

O jornalista disse que sua carreira está muito bem com seu blog, mas não descartaria a volta para uma empresa convencional de comunicação.

Rubens Nóbrega

Rubens Nóbrega foi outro jornalista que compartilhou episódios de perseguição política, por diversas gestões de ex-governadores da Paraíba, enquanto trabalhava.

“Essa questão de perseguição, nós tivemos vários momentos que poderiam ser definidos como tal, mas eu não diria assim, carimbar: ‘eu sou perseguido, fui censurado’. Não gosto desses rótulos”, afirmou.

Pelo contrário, o profissional disse não se sentir “cancelado” ou excluído pelos veículos tradicionais de comunicação, demonstrando até um sentimento de “bem-estar” e boa relação com os meios de comunicação paraibanos.

Um dos episódios mais marcantes segundo Rubens foi envolvendo o ex-governador Wilson Braga e o assassinato do empresário de comunicação Paulo Brandão, em 1984.

Rubens, na posição de editor, contou que a empresa onde trabalhava fez várias denúncias de fraudes de licitações e superfaturamento por parte do governo estadual na época. Paulo Brandão, um dos sócios proprietários dessa empresa, foi assassinado com mais de 30 tiros de metralhadora, e vários indícios apontavam para uma relação do ex-governador com o assassinato.

“Foi um episódio que marcou bastante a história política da Paraíba […]. A operacionalização dessas matérias era jornalística, e nós fomos carimbados como jornal de oposição”, disse, citando que após esse episódio sofreu um verdadeiro processo de intimidação, com retaliações e ameaças à empresa e seus funcionários. Em meio a esses relatos, Rubens disse que decidiu se mudar.

Posteriormente, a Polícia Federal assumiu as investigações do caso e concluiu que o responsável por comandar o crime foi o coronel Alencar, à época chefe da casa militar do governo do Estado.

Rubens citou também episódios envolvendo os ex-governadores Ronaldo Cunha Lima, Cássio Cunha Lima, José Maranhão e Ricardo Coutinho, sendo inclusive processado pelo último.

O jornalista hoje alimenta seu blog (Blog do Rubão), porém com um olhar menos jornalístico. Há quase dez anos, o profissional tem se voltado para a criação e publicação de contos e crônicas, tendo lançado dois livros do gênero.

Marcelo José

Marcelo já foi apresentador nos principais programas de rádio do Estado e, como citado por alguns colegas, fazia parte do grupo de profissionais da comunicação que sofreram profissionalmente durante a gestão do então governador Ricardo Coutinho.

Assim como outros relatos, após esse “congelamento”, Marcelo José partiu para o jornalismo independente e hoje administra o seu blog, Blog do Marcelo José. Marcelo está na imprensa há 30 anos, e além de âncora em programas de rádio, foi também apresentador de TV.

A redação do Polêmica Paraíba tentou entrar em contato com o jornalista, mas as ligações não foram atendidas até o fechamento desta matéria.

Gustavo Chaves

Já o repórter policial Gustavo Chaves é um dos profissionais contemporâneos que também considera passar por essa “cultura do cancelamento” das empresas tradicionais de comunicação.

Gustavo citou um episódio onde em seu primeiro dia de trabalho em uma empresa, ao falar contra determinada situação, o dono alegou que não queria mais contar com ele, por ser muito “polêmico”.

Gustavo diz ter percebido dificuldade de conseguir uma vaga nas empresas tradicionais e atrela essa situação ao seu perfil, de ser “direto” e “não ter medo”.

“Estou sentindo dificuldades. Não sei se é pelo meu jeito de ser, de ser direto, de falar a verdade, de ir para cima, não ter medo e na hora do ao vivo de falar a verdade […]. Posso estar sendo cancelado por ser verdadeiro”, explicou.

Atualmente, Gustavo trabalha de maneira independente, publicando seu material nas suas redes sociais, exercendo ao mesmo tempo as funções de cinegrafista, editor, produtor e repórter.

Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Polêmica Paraíba