eleições 2022

Campanhas no Nordeste: FHC “se deu bem” com a buchada e o jegue

Em campanhas anteriores, outros “notáveis” ou “condestáveis” da política foram postos à prova no quesito de imagem, nas andanças pelo sertão

Campanhas eleitorais, principalmente no Nordeste, são um “prato cheio” para a folclorização de candidatos oriundos do Sul e de outras regiões que desconhecem as tradições locais e acabam se enredando em episódios que a grande mídia costuma ironizar. Ainda agora, o ex-juiz Sergio Moro, que pretende disputar a presidência da República pelo “Podemos”, foi criticado até por setores da comunidade acadêmica nordestina porque, durante passagem pelo Recife, posou para fotografias com o chapéu de couro, adereço típico dos sertanejos, convertido em presumível símbolo da “nordestinidade”. Não faltou quem falasse de infelicidade de Moro pela sua condição de magistrado, ante a evocação de que o chapéu de couro foi imortalizado por integrantes de bandos de cangaceiros, notabilizados pela violência e pela perversidade com que agiam em lugares do Nordeste. Historiadores, por outro lado, queixaram-se de demagogia de Moro e de ignorância dele sobre a realidade da região.

Em campanhas anteriores, outros “notáveis” ou “condestáveis” da política foram postos à prova no quesito de imagem, nas andanças pelo sertão – este foi o caso do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que na primeira disputa ao Planalto, em 1994, “enfrentou” a buchada de bode, prato tradicional, considerado exótico e muito forte, e se deu bem, tanto que foi eleito e reeleito em 1998. Ele, também, teve que montar num jegue no interior de Alagoas – e, pelo menos para a imprensa, não demonstrou desconforto nem passou recibo de irritação. Em Canudos, na Bahia, diante da incredulidade de repórteres, FHC assim definiu a buchada: “É uma delícia. Vocês estão assim porque nunca moraram em Paris, onde esse é um prato sofisticado”. A versão não chegou a ser confirmada por vários chefes de cozinha de restaurantes franceses em São Paulo, que foram entrevistados pela “Folha de São Paulo”. Um francês, executivo do Hotel Macksoud Plaza, comentou: “Lá em Paris não tem buchadá de bodê”.

No seu livro “A Arte da Política”, Fernando Henrique contou que o caso do jegue – que, na verdade, seria um cavalo – ocorreu em Delmiro Gouveia (AL). “Eu seguia de carro com o senador Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL) e outros companheiros alagoanos para um encontro político nas cercanias dessa cidade, quando veio ao nosso encontro, para nos saudar, um grupo a cavalo. Aprendei a andar a cavalo ainda pequeno, com meu pai, e mesmo sendo mau cavaleiro, é algo que sempre fiz. Pedi a um dos homens que me deixasse montar, a despeito da preocupação de Teotônio, temeroso de que eu caísse. Segui em frente e juntei-me à cavalhada. Alguém me emprestou um chapéu de couro, típico do sertanejo nordestino, e ao chegar ao local da reunião havia fotógrafos e jornalistas. Brincaram comigo, brinquei de volta, dizendo que diferentemente do imperador romano Calígula, que transformou seu cavalo Incitatus em senador, jamais entraria no Senado a cavalo, mas que cavalgar no sertão era muito agradável. De algum modo, porém, no imaginário da campanha, o cavalo virou jegue, algo que interpretei como eco do preconceito existente no Sul-Sudeste contra o Nordeste. Acabei sendo objeto de gozação, claro. O fato é que a cena, estampada na mídia, repercutiu positivamente no Nordeste”.

Já sobre o caso da buchada, Fernando Henrique narrou que aconteceu perto de Petrolina (PE), reduto da família Coelho, que lhe recebeu no curso da campanha. “Após um último compromisso à noite, em que sob uma iluminação precária discursei de cima de um caminhão para um pequeno grupo de pessoas, fomos levados para jantar na casa de um aparentado e correligionário dos Coelho. E aí serviram uma buchada. Lembro-me de que o jornalista Tales Faria, da Folha de S. Paulo, um dos repórteres que acompanharam aquela viagem, me perguntou: “O senhor vai comer isso aí? O senhor gosta disso?”. Respondi: “Ué, você não vai comer? Isso, na França, se chama tripes à la mode de Caen. Todo mundo lá vai a um restaurante de caminhoneiro para comer e se delicia. Por que você não gosta de buchada?”. Naquela noite, em Pernambuco, não se tratou de demagogia, como alegaram adversários e alguns críticos da imprensa. O fato é que, episódio à parte, gosto de buchada. Cheguei a servir buchada certa vez, num almoço no Alvorada. Mas havia o estereótipo: uma pessoa como eu não pode andar a cavalo e jamais comer um prato como aquele. Da mesma forma como, em minha primeira campanha ao Senado, achavam que iria passar mal depois das obrigatórias incursões por botequins e padarias – logo eu, que sou louco por um sonho de padaria”, concluiu Fernando Henrique Cardoso.

Na época, a reportagem da Folha de S. Paulo sobre as incursões políticas de Fernando Henrique Cardoso pelos sertões do Nordeste trouxe depoimentos do então candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, nascido em Garanhuns (PE), para quem “comer buchada é uma moleza” e do ex-governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima (PMDB), que se dizia fã radical do prato. “Como porque gosto e não por demagogia”. Já Flávio Rocha, que foi candidato pelo PL, dizia não poder nem sentir o cheiro da buchada, mas que já comera o prato, “com muito sacrifício”. E o candidato do PFL ao governo de Pernambuco, Gustavo Krause, apontava a buchada como um teste fatal. “Quando o político está comendo só para agradar, o eleitor nota na hora”. A verdade é que, na corrida pelo voto, os candidatos comem pratos de origem duvidosa, montam a cavalo, apresentam o cãozinho de estimação, levam beijo na boca e até “golpes com bolinhas de papel”, como registrou matéria de um jornal de Brasília acerca dessa verdadeira maratona, que ganha destaque nas eleições presidenciais.

A cada eleição, aumenta a quantidade de casos narrados em que políticos passam por “perrengues” na caça aos votos dos eleitores, nas regiões mais longínquas do território nacional. A ex-presidente Dilma Rousseff, por exemplo, escolheu comer um cachorro-quente em uma barraquinha de rua durante um passeio no calçadão de uma avenida em Osasco, região metropolitana de São Paulo. “Comi duas salsichas”, informou a então candidata à reeleição, em agosto de 2014. A cidade tem o apelido de “Capital do Cachorro Quente” e Dilma disse que não queria cometer uma desfeita com seus moradores. João Doria, quando candidato a prefeito de São Paulo, foi fotografado fazendo cara feia ao morder um pastel de rua durante a campanha. A oposição aproveitou o episódio para chamá-lo de almofadinha, por fazer cara feia ao comer um prato popular. As eleições estão chegando novamente e, com elas, a prova de fogo para os políticos-candidatos.

Fonte: Os guedes
Créditos: Polêmica Paraíba