vários holofotes

Supremo garantiu instalação da CPI do ‘apagão aéreo’ no governo Lula - Por Nonato Guedes

"O STF, então uma Corte discreta, sem o holofote que possui hoje, foi chamada a decidir sobre a questão"

Nonato Guedes

Apesar de relevante, não chega a ser propriamente inédita a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, determinando a abertura pelo Senado da Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar omissões do governo Bolsonaro na crise da Covid-19, o que está previsto para esta semana, como anunciou o presidente da Casa Legislativa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Há 14 anos, após um dos mais graves acidentes aéreos na história do Brasil, foi o Supremo Tribunal Federal que determinou a instauração de uma CPI sobre o chamado ‘apagão aéreo”. Na ocasião, a oposição ao segundo mandato do governo Lula na Câmara dos Deputados conseguiu assinaturas suficientes para instalar uma CPI que analisasse os eventos recentes no setor da aviação brasileira.

A queda do voo 1907 da Gol, em setembro de 2006, motivada por uma colisão no ar com um jato executivo, provocou a morte de 154 pessoas no interior do Mato Grosso e, como consequência, o afastamento de seis controladores de tráfego aéreo gerou déficit de operadores, ocasionando filas imensas em aeroportos, um alto número de voos com atrasos e cancelamentos. A questão causou, inclusive, a queda do ministro da Defesa de Lula, Waldir Pires, conforme mostra matéria de reconstituição do episódio, assinada por Guilherme Mendes e publicada pelo site “Congresso em Foco”. A oposição, então, reuniu as assinaturas necessárias para a instalação da CPI e contou com a anuência do presidente da Câmara, que era o deputado Arlindo Chinaglia, do PT de São Paulo.

Houve controvérsias depois que o presidente da Câmara chancelou a abertura dos trabalhos, cumprindo dispositivo constitucional. O então líder do Partido dos Trabalhadores, Luiz Sérgio (RJ), objetou e levou a questão a Plenário. Lá, a questão de ordem foi aprovada por 308 votos a favor e 141 contrários, o que, em tese, enterraria a Comissão Parlamentar de Inquérito. O STF, então uma Corte discreta, sem o holofote que possui hoje, foi chamada a decidir sobre a questão. Alguns dos impetrantes do Mandado de Segurança 26.441, entregue à Corte em 14 de março de 2007, ainda estão na carreira política, caso de Onyx Lorenzoni, que à época estava em seu segundo mandato na Casa pelo PFL – hoje, no quinto mandato seguido, está licenciado do Legislativo e atua como Secretário-Geral da Presidência da República na gestão de Jair Bolsonaro. Fernando Coruja, então no PPS catarinense, também assinava o pedido, junto com Antônio Carlos Pannunzio, do PSDB-SP.

A decisão acabaria sendo tomada apenas em 25 de abril, cerca de um mês e meio do pedido inicial. O relator era o ministro Celso de Mello, cuja aposentadoria no fim de 2020 deu lugar a Nunes Marques, primeira indicação de Jair Bolsonaro para os quadros da Corte. O julgamento no âmbito do Supremo Tribunal Federal foi unânime. Os onze ministros votaram favoravelmente à anulação da decisão de Plenário e pela manutenção do funcionamento da CPI. O voto completo, de 135 páginas, mostra como a Corte interpretou o tema. Relator do caso, Celso de Mello prestigiou a necessidade de oposição em regimes democráticos. Escreveu, em estilo próprio, com grifos e negritos que o ajudariam na entonação, no momento da leitura do voto: “O reconhecimento do direito de oposição de um lado, e a afirmação da necessidade de se assegurar, em nosso sistema jurídico, a proteção às minorias parlamentares, de outro, qualificam-se, na verdade, como fundamentos imprescindíveis à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito”.

O ministro concluiu o seu voto com sua definição de CPI: “O inquérito parlamentar desempenha um papel impregnado de essencial relevo, pois se qualifica, enquanto garantia instrumental do direito de oposição, como meio expressivo de investigação legislativa, ensejando a quem promove, mesmo contra a vontade de grupos majoritários, a possibilidade de apreciar, de inspecionar e de averiguar, para coibi-los, abusos, excessos e ilicitudes eventualmente cometidos pelos órgãos e agentes do Governo e da Administração”. Os ministros, em sua maioria, pouco debateram sobre a questão e acompanharam o relato. “Estamos diante de manifesta ‘manobra’, adotada pela maioria parlamentar, objetivando obstar ou postergar a instalação da CPI”, escreveu Joaquim Barbosa. E mais: “Em outras palavras, de forma tortuosa, sub-reptícia, logrou-se obter aquilo que a Constituição não autoriza e que é impróprio num Estado Democrático de Direito. Isto é, na prática delegou-se ao Plenário da Casa Legislativa a crucial decisão”.

A CPI acabou sendo instalada, antes da decisão. Três meses depois, um segundo acidente, envolvendo um avião da TAM (hoje Latam), causou a morte de 199 pessoas, no mais mortal acidente aéreo da história do país. Arlindo Chinaglia disse que não iria contestar a decisão. “Cabe acatar, não espero nada. É preciso aguardar. A nossa parte já fizemos. A CPI foi arquivada pelo Plenário e, quando decidimos, fizemos de acordo com o regimento da Câmara”, disse, à época. A postura de acatar a decisão do Judiciário é parecida com a que o atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que adotaria. O julgamento sobre a instalação da CPI da Covid está marcado para quarta-feira no Plenário do STF. E quatro dos onze ministros daquele histórico julgamento ainda estão no Supremo: Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, que é hoje decano da instituição e deve se aposentar até julho.

Fonte: Nonato Guedes
Créditos: Nonato Guedes