'Desidratado'

Sergio Moro: um ministro “queimado” pelas bizarrices de Bolsonaro - Por Nonato Guedes

Diz a jornalista Dora Kramer, em sua coluna na revista “Veja”, que o presidente Jair Bolsonaro vive de queimar ativos, ou seja, dilapida o próprio capital ao depreciar suas escolhas.

Diz a jornalista Dora Kramer, em sua coluna na revista “Veja”, que o presidente Jair Bolsonaro vive de queimar ativos, ou seja, dilapida o próprio capital ao depreciar suas escolhas. É um estilo que está sendo debitado à conta das “bizarrices” de Bolsonaro, na falta de definição mais apropriada para o perfil ciclotímico desse governo. (Do ex-presidente Itamar Franco, dizia-se que era “mercurial”, fosse lá o que isto significasse, já que acabou virando neologismo – em tradução livre: pessoa de pavio curto). No que tange a Bolsonaro, na opinião de Dora Kramer, um traço marcante da personalidade consiste em querer fazer as coisas do jeito dele, que é um jeito atabalhoado, simplista, primitivo, muitas vezes rude, que por isso mesmo não tem dado certo.

Um caso emblemático de “bizarrice” de Bolsonaro é a situação do ministro da Justiça, Sergio Moro, uma figura que se credenciou ao conceito nacional e internacional pela seriedade de posições e pelo descortínio demonstrado nos primórdios da Operação lava-Jato, que pôs na cadeia figurões da República, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Moro foi convidado por Bolsonaro para ministro, entre outras razões, para dar credibilidade ao governo, fazendo par com Paulo Guedes, que é tido como “expert” em Economia. Pela fórmula original desenhada pelo capitão reformado, seria dada independência a Paulo Guedes, bem como carta branca para Sergio Moro. Esqueçam esse desenho!

O ministro da Justiça, no dizer de Dora Kramer, é reiteradamente desdenhado em suas propostas, exposto à realidade de submissão de seus planos ao imperativo presidencial não raro em sentido contrário. Ou seja, a famosa carta branca que teria sido conferida a Moro era falsa. Bolsonaro é centralizador e, ao que consta, só divide fatias de poder com a filharada – os meninos mimados que lhe criam problemas com os escândalos em que estão envolvidos (bom dia, senador Flávio) e com os insultos proferidos em série nos tuítes em que eles são viciados. Em termos práticos, Sergio Moro concebeu um arrojado projeto anticrime e antiterrorismo submetido ao Congresso Nacional. Foi uma contribuição aprimorada antes de assumir a Pasta, nas participações até em seminários internacionais, no intercâmbio com juristas e especialistas de extração variada. O presidente Bolsonaro cuidou de atrapalhar os planos de Moro, inserindo dispositivos belicosos referentes à posse e ao porte de armas, temas que não são de grande consenso na sociedade, embora a violência seja preocupação número um.

No capítulo da “queima de ativos” da sua própria equipe, o presidente Jair Bolsonaro, fiel ao seu estilo galhofeiro, colocou Sergio Moro em maus lençóis perante a opinião pública ao insinuar que sua grande ambição, seu grande objeto do desejo, é ser ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi mais além o capitão-presidente: insinuou que durante a campanha eleitoral por ele disputada contra Fernando Haddad, do PT, firmou-se um pacto pelo qual Moro seria remanejado para cadeira no Supremo quando eclodisse uma vaga, em caso de aposentadoria de ministros ou outras razões previstas na Constituição. Com essa inconfidência, Bolsonaro deu força aos segmentos que não toleram Moro, que o julgam medíocre e carreirista. Uma desconstrução de personalidade partida de dentro do governo, numa derivação do chamado “fogo amigo” que, nesse caso, revelou-se “fogo inimigo mesmo”.

Em entrevista à “Veja”, publicada nas páginas amarelas, o ex-ministro Gustavo Bebianno, que atuou de forma decisiva nos bastidores da campanha presidencial de Bolsonaro, apontou pontos frágeis na personalidade do presidente que arrota bravatas e pratica recuos sistemáticos, dando a entender tratar-se de uma personalidade cambiante, sujeita a oscilações e pressões, emanadas, principalmente, do núcleo familiar, dos “pit-bulls” que compõem o clã bolsonarista. Fala abertamente da influência desmesurada de Carlos, o vereador, no núcleo palaciano, e da barafunda de ingerências como nunca se viu na história de um governo.

– Aprendi no governo que o poder seduz e altera o comportamento das pessoas. Torna-as arrogantes e também compromete a memória – disse Gustavo Bebianno. Em tese, um alerta para Bolsonaro refletir. Mas quem garante que o presidente está interessado em reflexões desse tipo?

Fonte: Os Guedes
Créditos: Nonato Guedes