Opinião

Senado assume o protagonismo, enterra PEC e expõe a Câmara - Por Nonato Guedes

Senado assume o protagonismo, enterra PEC e expõe a Câmara - Por Nonato Guedes

Numa articulação diretamente conduzida pelo presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-Amapá) o Senado Federal arquivou, ontem, a Proposta de Emenda à Constituição conhecida como PEC da Blindagem, depois que o texto foi rejeitado por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça. “Não há o que esclarecer”, sintetizou Alcolumbre, citando que o parecer concluiu pela inconstitucionalidade da PEC e, no mérito, pela sua rejeição, o que fez com que houvesse arquivamento sem deliberação de plenário. Foi um rude golpe para a Câmara dos Deputados, presidida pelo paraibano Hugo Motta, do Republicanos, que havia aprovado a PEC da vergonha e da impunidade por maioria expressiva, situando-se na contramão dos interesses e expectativas da sociedade. No último domingo, como se sabe, houve manifestações de rua em forma de protesto em várias Capitais, e as redes sociais foram tomadas por reações de indignação contra parlamentares que defenderam o indefensável.

A PEC da Blindagem constituía um texto corporativista para auto-proteção dos deputados e senadores acusados ou indiciados em processos por crimes comuns. O texto engenhoso que teve a adesão do presidente Hugo Motta a pretexto de defender prerrogativas parlamentares e evitar interferência externa, de Poderes autônomos como o Judiciário, previa que políticos só poderiam ser processados com autorização expressa das Casas Legislativas. Foi um ponto fora da curva, que levou a Câmara de Hugo Motta a confundir imunidade com impunidade e visava a coroar o histórico de privilégios que a Casa vinha acumulando, desde a adoção do famigerado orçamento secreto, passando pela farra na liberação de verbas de emendas e pela pressão para empurrar goela abaixo da sociedade, a todo custo, um projeto de anistia destinado a livrar o ex-presidente Jair Bolsonaro da prisão por atentado praticado contra o Estado Democrático de Direito, tal como apurado nas investigações do Supremo Tribunal Federal.

É difícil acreditar que o Senado tenha buscado, de caso pensado, um confronto com a Câmara dos Deputados. Até então era amistosa a relação entre Davi Alcolumbre e Hugo Motta, e isto se deteriorou devido à falta de pulso de Motta para impor sua autoridade no âmbito da Câmara dos Deputados, que foi palco de motim de deputados bolsonaristas, transformando o presidente em refém ou marionete de grupos violentos que chegaram a ocupar a Mesa Diretora por 24 horas forçando a barra para ditar a pauta das sessões legislativas. No que se refere à PEC da Blindagem, o relator da proposta na CCJ no Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE), foi a favor da rejeição total, classificando o texto como “absurdo” e “vergonhoso”. A proposta foi pautada pelo presidente da comissão, Otto Alencar (PSD-BA) como o primeiro item da reunião com o objetivo de “sepultar” o projeto. Davi Alcolumbre foi didático: “Cumprimos o que manda o regimento, sem atropelos, sem “disse me disse”, sem invenções. Senadores da CCJ concluíram com rapidez a votação da matéria, com coragem, altivez, serenidade para enfrentar um tema que tem mobilizado a sociedade e o Parlamento. Isto é o que nos cabe como legisladores”. A PEC da Blindagem foi aprovada em dois turnos em 16 de setembro na Câmara dos Deputados. No segundo turno, o placar foi de 344 votos a favor e 133 contra. A proposta modificava os artigos 14, 53, 102 e 205 da Constituição, ampliando as prerrogativas dos congressistas. O texto estabelecia, entre outros pontos, que para um deputado ou senador ser preso ou processado, as respectivas Casas Legislativas precisavam autorizar por maioria simples (257 votos na Câmara e 41 no Senado). Para isso, teriam um prazo de 90 di9as após a determinação da Justiça. O voto, também, seria secreto. Além disso, os deputados e senadores só poderiam ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis na Constituição, como racismo e “terrorismo”.

A PEC da Blindagem, que ganhou outra alcunha – PEC da Bandidagem, era uma sinalização para abrir portas com vistas à aprovação do projeto de anistia aos golpistas envolvidos em articulações para a tentativa de golpe de Estado no país, que felizmente não prosperou. O mais interessado na anistia é o ex-presidente Bolsonaro, que tenta a todo custo fugir à responsabilidade de responder a uma série de acusações que lhe foram atribuídas e confrontar a decretação de sua inelegibilidade para concorrer novamente à Presidência da República em 2026. A esta altura, a proposta de anistia também corre o risco de virar fumaça porque não sensibiliza a média da sociedade brasileira. O presidente da Câmara, Hugo Motta, está sendo desafiado, de público, a assumir aquela “agenda propositiva” que defendeu como importante para o país e que segue engavetada nos escaninhos da Mesa Diretora. Além do mais, o parlamentar enfrenta sério desgaste, a partir do seu Estado de origem, onde manifestações públicas pediram “Fora Hugo Motta”. O Senado, ontem, com maturidade, deu um passo para reequilibrar a ordem institucional brasileira.