uma data para lutar

'Polvo do Google’ acerta em homenagem: Professor trabalha por oito e recebe por um - Por Amara Alcântara

Polvinho do Google

No dia dos professores é normal que se orgulhem daqueles que fazem da profissão um sacerdócio. Fazem de uma profissão uma caminhada de sacrifício, de luta, de conquistas e orgulhos, que só entende direito quem resolveu ser, verdadeiramente, professor.

O próprio Google resolveu colocar como doodle* de hoje um polvo, simbolizando com seus oito bracinhos, as múltiplas funções do professor. Uma visão romântica e errada, daqueles que se desdobram por, às vezes, três turnos para complementar a renda doméstica, sendo um salário longe de ser suficiente.

Não tendo tempo de planejar aulas, corrigir provas, era normal para a minha mãe virar a madrugada fazendo isso. Minha mãe era professora. Hoje é aposentada e após 37 anos ensinando português, se recusa a se envolver com qualquer coisa que lembre a sala de aula.

Minha mãe sempre foi uma profissional envolvida com o trabalho, com os alunos. Trabalhando na rede pública municipal e estadual, sempre tentou trazer as melhores opções para sala de aula. Postergou a aposentadoria por cinco anos. Seus alunos do primeiro ano do ensino médio pediam que ela ficasse até eles se formassem, para que ela participasse da festa, fosse a madrinha da turma. Finalmente, para se aposentar, minha mãe ficou dois anos pegando apenas turmas de terceiro ano.

Sendo uma profissional tão envolvida com o ensino, qual o motivo de tamanha aversão a tudo que remete a profissão? Por tudo que o bonito polvinho do Google não mostra. Que apesar de ter oito braços e “trabalhar” por oito, o polvo é só um e recebe como apenas um. Que numa turma com quarenta alunos, o professor vê com tristeza aqueles que não chegaram até o final do ano. Que a escola com bons projetos pode ser boicotada por agentes políticos por questões que nada tem a ver com educação e sim com politicagem.

Entendo que as lembranças da minha mãe são agridoces. O orgulho que ela visivelmente tem ao encontrar um ex aluno, o jeito que ela fala “foi meu aluno” ao reconhecer algum rosto adulto na rua, se contrastam com lembrar dos dissabores da docência.

Minha mãe acompanha as notícias com desgosto. Projetos querem professores filmados, defendem ensino doméstico por que acham que professores são referências nocivas ao aluno, vídeos nas redes sociais mostram professores agredidos por alunos e por pais de alunos.

O Google acertou parcialmente na persona do professor com seu polvo. Esqueceu de mostrar que na saída da escola ele corre para o outro trabalho e corre o risco de apanhar quando chegar lá. Ah, e ainda é criticado por quem é eleito para defender seus direitos, sendo chamados de privilegiados por poderem se aposentar com menos anos. E passam tanto tempo em sala de aula, que quase não conseguem ver a própria família, ou cuidar da própria saúde. Hoje eu posso “ter minha mãe” na minha vida, mas as sequelas que ela ainda tem, vão acompanhá-la para sempre.

 

* Essas ilustrações chamadas de “doodles” funcionam como uma homenagem do Google para alguma data comemorativa, como feriados nacionais e estrangeiros, aniversários de pessoas influentes no mundo, descobrimentos, etc.

Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Polêmica Paraíba