Opinião

Personagens do nosso tempo: Luciano Wanderley: O “dom Lucky” - Abelardo Jurema Filho

Os amigos o chamavam de Dom Lucky, que em inglês significa sorte, um cumprimento afetuoso e respeitoso que fazia jus à sua feição sisuda, circunspecta, com cara de poucos amigos. Também remetia à sua condição de empresário bem sucedido nos negócios e em sua vida pessoal, como chefe de família exemplar, cioso de suas responsabilidades e afirmativo em suas atitudes. Mais do que isso, Luciano Leal Wanderley era um dos símbolos do poder econômico da época, na João Pessoa dos anos 60,70 e 80, quando despontava como uma das nossas personalidades mais emblemáticas e influentes.

Nos bons tempos em que o cinema ainda era a maior diversão, ele dirigia, ao lado do irmão, Múcio, todas as casas de exibição de João Pessoa e Campina Grande. Rex, Municipal, Plaza, Santo Antônio, Capitólio, Borborema e muitas outras que integravam a Companhia Exibidora de Filmes Luciano Wanderley, legado que recebeu do seu pai, Olavo Wanderley, uma legenda na cinematografia da Paraíba, um dos pioneiros numa atividade que se tornaria o entretenimento preferido de várias gerações.

Do seu modesto escritório, na sobreloja do cine Municipal, comandava com mão de ferro o império que construiu e que viria a fazer parte da vida de milhares de pessoas através de filmes épicos que ainda hoje são reproduzidos em nossa memória, relembrando cenas inesquecíveis, que influiram no nosso comportamento, abrindo as portas do mundo, ampliando o nosso conhecimento e despertando as nossas emoções.

Eu o conhecí em meados dos anos 70 através dos seus filhos Lucia Helena, Roberto (IM) e Lucianinho. Quando me fiz jornalista, aproximei-me dele pessoalmente e passei a gozar de sua confiança e estima pessoal, privilégio de poucos daqueles que desfrutavam o seu convívio. No íntimo, nos reconhecemos e desenvolvemos uma simpatia e admiração recíproca. Ele gostava da minha juventude, inquietude e da minha conduta profissional; e eu apreciava aquele jeitão introspectivo e durão, que lembrava o personagem Dom Corleone, da obra de Mário Puzzo, , mas que, no fundo, abrigava um coração maior do que o corpanzil que lhe envolvia a alma.

Também gostava de participar dos eventos sociais. Houve tempo em que as festas do Cabo Branco e do Jangada Clube só estavam completas quando ele chegava ao lado de sua mulher, Stela Sobreira Wanderley, personalidade forte e marcante, estrela cintilante que reluz até hoje nos salões da cidade como um símbolo da classe e da elegância da mulher paraibana.
Em determinado momento de sua vida, sentiu-se ameaçado pela evolução da tecnologia que já dava os sinais da transformação representada pelo mundo digital, revolucionando o mercado cinematográfico e produzindo efeitos devastadores na frequência das salas de exibição. Mesmo estimulado pelo seu amigo Roberto Santiago, que procurou convencê-lo a novos investimentos, Luciano entendeu que era hora da aposentadoria, de abrir espaço para que outros jovens empreendedores, como ele foi um dia, fossem em busca dos seus sonhos.

Retirou-se para a Granja Lucky, uma espécie de condomínio privado que construiu para toda a família, com direito a uma sala de cinema, onde acolhia os amigos para conversar, assistir bons filmes, e confraternizar em reuniões sociais que marcaram época na sociedade paraibana.
Luciano Leal Wanderley faleceu em 2003, aos 74 anos, de edema pulmonar. Lutou pela vida e resistiu o quanto pode, mas compreendeu que o roteiro do filme, do qual era protagonista, havia chegado ao fim. E partiu, confiante e resignado, para os braços do Senhor, ciente de haver cumprido o seu papel.

Fonte: Assessoria
Créditos: Polêmica Paraíba