opinião

OS PRIMEIROS EFEITOS DO AI-5 - Por Rui Leitão

A ação repressora começou, na verdade, bem antes da edição do AI-5. No dia treze, agentes da Polícia Federal já visitavam as residências de lideranças estudantis e sindicais na Paraíba.

O Brasil amanhecia o dia quatorze de dezembro mergulhado nas trevas da ditadura militar. Marco zero de um tempo da nossa história onde por dez anos 1.577 cidadãos foram punidos de alguma forma, 454 políticos tiveram seus direitos suspensos ou mandatos cassados, inclusive 3 ministros do STF, 548 funcionários públicos foram aposentados compulsoriamente, 334 demitidos, 241 militares reformados, mais de 500 filmes e telenovelas foram proibidos, 450 peças teatrais, 200 livros e 500 letras de música censurados.

A ação repressora começou, na verdade, bem antes da edição do AI-5. No dia treze, agentes da Polícia Federal já visitavam as residências de lideranças estudantis e sindicais na Paraíba. À noite, o estudante Francisco Barreto, fora procurado em sua casa, refugiando-se na residência de amigos, ao tomar conhecimento de que estavam tentando localizá-lo.

As emissoras de TV, as rádios e redações dos principais veículos de comunicação do país foram ocupados por censores. Mesmo assim, o Jornal do Brasil e o Estado de São Paulo encontraram formas de ludibriar a censura. O JB na sua seção de meteorologia colocou: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx. 38 graus em Brasília; 5 graus nas Laranjeiras”. Em sua primeira página, editada por Alberto Dines, que viria a ser preso depois, lembrava que a véspera tinha sido o “dia dos cegos”.

O Estadão trouxe um editorial “Instituições em frangalhos”, considerado um libelo pela liberdade da imprensa. O cartunista Maurício de Sousa, o “pai” da Mônica, nas suas tirinhas publicadas na Folhinha, colocava, naquele dia, quadrinhos em que Cascão ao entrar na tenda de um adivinho e pedir para ler seu futuro, ouve como resposta de que não vai ter adivinhação, pois uma nuvem preta apareceu na bola de cristal.

Eram formas subliminares de protestar contra o AI-5. O humorista Ary Toledo, na estreia do espetáculo A CRIAÇÃO DO MUNDO SEGUNDO ARY TOLEDO, encerrou seu show com uma piada: “Quem não tem cão, caça com ATO”. Foi o bastante para ser convidado para uma “conversa” no DOPS, intimado por dois agentes que invadiram seu camarim. Ficou, por cinco horas, trancado na delegacia. Por sorte, o coronel com quem manteria a “conversa” revelou-se seu fã e o liberou não sem antes passar-lhe um pito.

Sobral Pinto, aos setenta e cinco anos, foi preso em Goiânia, no hotel, onde se encontrava para paraninfar uma turma de concluintes. O ex-presidente Juscelino Kubitscheck participava, também, de uma solenidade de formatura em que era paraninfo da turma, quando ao sair do Teatro Municipal do Rio de Janeiro recebeu ordem de prisão e foi levado para um pequeno quartel em Niterói, lá permanecendo incomunicável por vários dias.

Carlos Lacerda conta no seu livro de memórias que acordou no dia seguinte ao AI-5 com o médico Jaime Rodrigues sentado à cabeceira da sua cama. E ele foi logo dizendo: “Tenho uma notícia desagradável para o senhor. Estão lá embaixo dois homens da polícia que vieram com ordens de prendê-lo. Mas o senhor está doente e não pode ir para a prisão no estado em que se encontra. Exigi que viesse um médico da polícia para examiná-lo e verificar que o senhor não está em estado de saúde para ser preso”. Lacerda ouviu, trocou de roupa e disse que não queria alegar doença. E o médico foi junto com ele numa kombi da polícia. Estava sendo preso por ordem do General Jayme Portella. Após uma semana de greve de fome foi libertado.

Mário Covas foi preso ainda em Brasília, ficando num quartel do Exército, ali permanecendo por oito dias. Libertado, manifestou preocupação pelo fato de que seu nome não constava da lista dos primeiros políticos cassados pelo regime, o que só viria a acontecer em 16 de janeiro de 1969. Temia, naquele instante, que a opinião pública entendesse que ele teria feito algum acordo com os militares.

Fonte: Rui Leitão
Créditos: Rui Leitão