Opinião

O fenômeno dos “fura-filas” da vacinação e a Lei de Gérson no Brasil - Por Nonato Guedes

Em pelo menos cinco Estados brasileiros, incluindo a Paraíba, foram registradas denúncias, sob investigação dos Ministérios Públicos locais, de pessoas que não pertencem ao grupo prioritário de vacinação contra a Covid-19 e que, mesmo assim, receberam a dose, graças a apadrinhamento político. Trata-se de uma burla a leis e um desrespeito a pessoas vulneráveis que estão na linha de frente do combate e da guerra contra o coronavírus. Mas esses episódios não chegam, necessariamente, a surpreender. Infelizmente, fazem parte da “cultura” enraizada na sociedade que assimilou a Lei de Gérson, segundo a qual “o negócio é levar vantagem em tudo”. Para levar vantagem, as pessoas atropelam direitos e garantias constitucionais. A “cara de pau” e o “jeitinho” estão de mãos dadas para avacalhar o que deveria ser encarado com seriedade, pela extrema gravidade de que se reveste a pandemia do coronavírus.

Se o início da vacinação contra a Covid despertou empolgação da população com o que poderia ser o início do fim da pandemia, a odiosa infiltração dos “privilegiados” desacreditou o Plano de Imunização e colocou em risco vidas que já estavam a perigo, a caminho de engrossar as estatísticas que, no Brasil, se tornaram alarmantes, de casos de contaminação pelo coronavírus. Houve outros casos em que “espertalhões” travestidos de agentes públicos ou de representantes do povo aproveitaram-se de uma situação de calamidade para avançar no erário. Isto se deu no superfaturamento verificado na aquisição de insumos e outros materiais, indispensáveis no estágio primeiro do enfrentamento à pandemia. Governadores de Estados, prefeitos municipais e autoridades federais constam de processos abertos por órgãos de controle da sociedade e da Justiça sobre desvios ocorridos no período de maior sufoco, com incidência rápida de casos e falta de estrutura para atender demandas.

Uma investigação minuciosa, estritamente rigorosa, é capaz de detectar irregularidades gritantes que se verificaram na compra de respiradores artificiais, na montagem de hospitais de campanha, na aquisição de outros equipamentos essenciais para embasar as ações de enfrentamento à Covid. A liberalidade que foi dada a gestores, no âmbito de Estados e municípios, para editarem situações de calamidade pública e outras medidas rubricadas como aparentemente urgentes, extraordinárias, tornou-se uma porta aberta para a corrupção deslavada, para o desvio de finalidades, para o próprio desvio dos recursos originalmente destinados a contribuir para salvar vidas. O montante do desperdício ainda será revelado lá na frente e fornecerá a exata dimensão de uma regra que está incorporada à “cultura” brasileira – o mau uso do dinheiro público.

Como se não bastasse, a politização da Covid-19 permeou todo o ciclo perverso enfrentado pelo Brasil, em meio a consequências colaterais que ocasionaram desemprego em massa e paralisação de atividades produtivas, com incidência na queda do Produto Interno Bruto e nos mecanismos de arrecadação em suas diferentes procedências. O presidente Jair Bolsonaro demonstrou absoluta incompetência para liderar a Nação num momento tão doloroso da vida nacional. Perdeu autoridade a partir do momento em que optou por adotar uma postura negacionista, que evoluiu para demonstração de desprezo quanto a vidas desperdiçadas em meio ao terremoto sanitário que assolou o mundo. Líderes antagônicos a Bolsonaro procuraram ocupar o espaço capitalizando efeitos da agilidade tanto nas ações de enfrentamento propriamente ditas como na preparação para o estágio da vacinação, que demandaria esforço ingente por parte das autoridades e da sociedade. A politização, que ainda persiste, prejudica o Brasil, deixa o País mais doente e menos esperançoso.

Sobre o caso dos “fura-filas” da vacinação contra a Covid, que causam revolta nas redes sociais e repercussão negativa no exterior, um dos mais emblemáticos foi o das gêmeas milionárias de Manaus (AM) Gabrielle Kirk Lins e Isabelle Kirk Lins, que receberam a vacina na terça-feira, 19. Logo após, começou a circular em grupos de WhatsApp de profissionais da Saúde imagens da vacinação das duas acompanhada da nomeação de ambas para cargos da secretaria de Saúde no Diário Oficial amazonense. Elas são médicas, mas foram nomeadas às pressas em cargos que dariam prioridade à vacinação contra a Covid. Gabrielle e Isabelle são da família de Nilton da Costa lins Júnior, presidente da mantenedora da Universidade Nilton Lins, uma das maiores de Manaus. Além da Universidade, a família tem membros com carreira política.

“O Brasil é um imenso hospital”, dizia-se no século passado, a propósito da falta de estrutura para atender pacientes vitimados por epidemias, endemias ou mesmo pandemias num território de dimensões continentais. A dados de hoje o que se pode dizer, diante da cupidez dos políticos, dos exemplos de falta de empatia e do respeito mínimo por vidas humanas, é que o Brasil “é um país doente, profundamente doente”. As elites, que têm capacidade infinita de se reciclar no organograma de poder político do país, são responsáveis, diretamente, pela continuidade do atraso e pela persistência de máximas que já deveriam ter sido banidas há bastante tempo, a exemplo da Lei de Gérson.

Fonte: Os Guedes
Créditos: Polêmica Paraíba