
De um modo geral houve receptividade à escolha do americano Robert Francis Prevost, que assumiu o nome de Leão XIV, como novo Papa e sucessor do argentino Bergoglio (Papa Francisco), até pelo impacto das suas primeiras palavras para a cidade de Roma e para o mundo, quando pregou: “Devemos buscar juntos como ser uma Igreja missionária, que constrói pontes de diálogo, sempre aberta a receber, como essa a praça, a todos, a todos que precisam de nossa caridade, nossa presença, de diálogo, de amor”. Além do ineditismo de tratar-se de um Papa norte-americano, há uma expectativa de que ele venha a dar continuidade ao legado de Francisco, de quem foi colaborador muito próximo no Vaticano, no campo do reformismo que vinha sendo introduzido, mas o pontificado de Leão XIV, em si, ainda é uma grande incógnita que começará a se desvendar nos seus primeiros passos à frente da Cúria Romana.
A correspondente da Globo em Roma, Ilze Scamparini, especialista nos bastidores do Vaticano, destaca que pelo menos um desejo do Papa Francisco ele já não satisfez, porque o argentino por duas vezes se referiu ao sucessor dele como João 24, enquanto Prevost preferiu Leão XIV. Pode ter sido mera preferência, afinidade ou estilo próprio, o que constitui um detalhe no emaranhado de questões a serem enfrentadas e de desafios que o novo Papa terá pela frente. O americano era um dos cotados, ou seja, integrava a lista dos prováveis sucessores de Francisco, mas pertencia a uma segunda linha de candidatos, daí a surpresa grande. Para Ilze Scamparini, a palavra principal que ele falou no seu discurso foi ‘sinodal’, indicando que ele pretende continuar o governo de Francisco. A repercussão foi ampliada devido a divergências ocorridas entre o papado de Francisco e o governo americano, daí não se esperar tanto um papa oriundo dos Estados Unidos, mas é possível que Leão XIV possa ajudar a reduzir a distância entre o pensamento da Santa Sé, do próprio governo italiano e do governo americano.
“Acho que ele pode ser um grande instrumento para isso também e acho que ele vai fazer um grande pontificado porque propõe a continuidade do trabalho de Francisco e é muito aberto em relação a tudo aquilo que foi motivo de reforma para Francisco, com tanto sacrifício, com tantas críticas e até com condenações”, finalizou a repórter. Houve ocasiões em que o então cardeal americano demonstrou preocupação com a aplicação de políticas inclusivas em contextos culturais conservadores. De acordo com a revista Time, ele teria afirmado em conversas privadas que em algumas regiões da África onde a homossexualidade é criminalizada isso não funciona, ao comentar diretrizes do Vaticano que autorizam bênçãos a casais do mesmo sexo. Organizações LGBTQIA+ já manifestaram apreensão com a escolha do novo pontífice e uma delas disse esperar que Leão XIV mantenha os avanços promovidos por Francisco rumo a uma Igreja mais compassiva.
Não obstante a retórica mais conservadora, Prevost também é descrito por colegas como um homem de escuta e equilíbrio. “Eu sei que ele acredita que todos têm o direito e o dever de se expressar na Igreja”, comentou o padre Mark Francis, ex-colega de classe e dirigente da ordem Clérigos de São Viator. Leão 14 é ex-líder da Ordem Agostiniana e chefe do Dicastério para os Bispos, tendo construído carreira entre os Estados Unidos, o Peru e o Vaticano. Ele chegou ao Peru como um jovem missionário agostiniano e, do país andino, partiu como bispo para o Vaticano, tornando-se uma figura central na administração do papa Francisco. Foi arcebispo emérito de Chiclayo, a cerca de 750 quilômetros ao norte de Lima e, após a morte de Francisco, Prevost declarou que ainda havia “muito a fazer” na transformação da Igreja. “Não podemos parar, não podemos retroceder. Temos que ver como o Espírito Santo quer que a Igreja seja hoje e amanhã, porque o mundo de hoje, em que a Igreja vive, não é o mesmo mundo de dez ou vinte anos atrás”, comparou, em entrevista ao Vatican News no mês passado. Robert Francis Prevost arrematou: “A mensagem é sempre a mesma: proclamar Jesus Cristo, proclamar o Evangelho, mas a maneira de abraçar as pessoas de hoje, os jovens, os pobres, os políticos, é diferente”.
Alguns órgãos da mídia resumem o papado de Leão XIV como de “continuidade” diante dos avanços até agora conseguidos na estrutura da própria Igreja, em consonância com as transformações ocorridas à margem da própria sociedade e que parecem irreversíveis no novo contexto das relações internacionais. Há uma convicção de que estão fechados os caminhos para qualquer retrocesso mais profundo no modo de ser da Igreja Católica e que ela precisará ser cada vez mais contemporânea dos desafios impostos, acompanhando a evolução que passa pelo desenvolvimento da própria tecnologia e de outros mecanismos de modernidade. Essa atuação terá que ser feita combinada com as reivindicações por justiça e inclusão social, dentro da concepção admitida pelo novo Papa de que “a realidade é outra”.