Opinião

Motta é ‘refém’ de bolsonaristas e tem comando enfraquecido - Por Nonato Guedes

Hugo Motta
Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados


Os últimos acontecimentos na Câmara dos Deputados, com o motim liderado por bolsonaristas que inviabilizaram a sessão de ontem, evidenciaram que o deputado paraibano Hugo Motta, presidente da Casa, tornou-se ‘refém’ dos rebelados e está enfraquecido no seu comando, principalmente quanto a pautas polêmicas que são agitadas, a exemplo da votação a qualquer custo de um projeto de anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro, atualmente sob prisão domiciliar. Segundo o UOL, parlamentares e lideranças avaliam que Motta demonstrou fragilidade diante da pressão bolsonarista, que fez com que a Câmara ficasse inviabilizada por 30 horas. O deputado paraibano não soube conduzir as negociações e precisou escalar novamente o seu antecessor, Arthur Lira, do PP-AL, para mediar uma trégua. Motta passou o dia tentando negociar para desobstruir o motim dos congressistas de oposição, no mais duro teste já enfrentado até agora à frente do cargo.


A pressão segue intensa não só para a votação da anistia, mas também da Proposta de Emenda Constitucional que restringe o foro privilegiado – esta, claramente dirigida contra ministros do Supremo Tribunal Federal que estão em xeque devido a medidas punitivas adotadas contra Jair Bolsonaro e contra bolsonaristas radicais. Na prática, o plenário do Poder foi ocupado por dois dias pela oposição, que passou a cantar vitória e assegurar que o benefício ao ex-presidente será aprovado, mesmo não havendo um texto pronto.

A ideia genérica é de concessão de anistia ampla, geral e irrestrita, o que livraria Jair Bolsonaro de ser condenado pelo STF. Os deputados queixam-se de que estão sendo vítimas de “chantagem” por parte de integrantes do Supremo – na prática, muitos deles estão sendo investigados por suspeitas no uso indevido de emendas parlamentares. “A oposição está mentindo”, rebateu o deputado federal Lindbergh Farias (RJ), líder do PT no Parlamento, refletindo o clima de radicalização que está instalado.
Além da anistia e do fim do foro privilegiado, a oposição pressiona para ser votado o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos que afetam diretamente a família de Bolsonaro – uma decisão que depende do Senado. O presidente da Câmara ameaçou a oposição de punição, aplicando suspensão de seis meses contra deputados que estavam ocupando a Mesa Diretora da Câmara, mas o ultimatum não foi levado a sério. Enquanto isso, as negociações ensaiadas tanto por Hugo Motta como por Davi Alcolumbre (União Brasil), presidente do Senado, emperraram. O esforço de Hugo para garantir “a respeitabilidade da Mesa, que é inegociável” não sensibilizou políticos já contaminados pelo fanatismo e pelo ambiente de ebulição, tal como foi descrito por alguns deles. A fala de que “o país tem que estar sempre em primeiro lugar” e de que “projetos individuais” não podem estar à frente do povo igualmente nem de longe fez os radicais recuarem.


O interesse do parlamentar paraibano em demonstrar equidistância quanto às paixões aguçadas no plenário da Câmara não surte efeito diante do estágio de paroxismo a que chegaram os ânimos entre governistas e oposicionistas. Ocorre, também, que o presidente da Câmara tem demorado demais a tomar uma posição definitiva sobre temas polêmicos como o da anistia – e isto tornava previsível uma reação intempestiva, que veio na forma de ocupação do plenário e de inviabilização do funcionamento normal do Parlamento, além de protestos histriônicos, como o tapa-boca utilizado por bolsonaristas com esparadrapos para simbolizar que estão vivendo debaixo do regime de mordaça. No Senado, Davi Alcolumbre já se previne contra investidas da tropa de choque bolsonarista e avisa que não aceitará intimidações nem tentativa de constrangimento à presidência do Poder.
– O Parlamento não será refém de ações que visem desestabilizar seu funcionamento. Seguiremos votando matérias de interesse da população, como o projeto que assegura a isenção do Imposto de Renda para milhões de brasileiros que recebem até dois salários mínimos. A democracia se faz com diálogo, mas também com responsabilidade e firmeza – afirmou Alcolumbre em nota. De acordo com relatos, Alcolumbre obteve o respaldo dos demais partidos para realizar sessões presenciais na Casa a partir da semana que vem e afirmou descartar a votação de impeachment de ministros do STF, uma das principais bandeiras do bolsonarismo. O senador Cid Gomes (PDT-CE) ouviu de Alcolumbre que ele não aceitará obstrução e que, por bem ou por mal o plenário tem que estar livre. A postura é de não ceder, até porque a questão do impeachment de ministros do STF é prerrogativa do presidente do Senado, não havendo hipótese de que a matéria seja colocada em votação. Os episódios lamentáveis apenas agravam a imagem do Parlamento, em meio a críticas da sociedade de que esta é uma das piores legislaturas da história do País.