
Com a eclosão do impasse provocado pela derrubada na Câmara do decreto do governo Lula elevando o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) analistas políticos da grande imprensa avaliam que a lua de mel entre o presidente da Casa Baixa, Hugo Motta (Republicanos-PB), juntamente com Davi Alcolumbre (União-AP), presidente do Senado, e o Planalto, era apenas de aparências. “Nos primeiros meses, viagens para o Oriente, Europa, Rússia, mas, como tudo que é feito com muita pompa, dura pouco”, comentou a apresentadora Amanda Klein, do Canal UOL, prevendo uma guerra imprevisível diante da pressão de aliados do presidente Lula para recorrer ao Supremo Tribunal Federal a fim de tentar retomar o aumento do IOF. Essa atitude poderia azedar ainda mais a relação.
O deputado paraibano Hugo Motta tem sido convicto nas suas declarações em torno da queda de braço entre poderes, no sentido de advertir que cada Poder tem os seus limites e não pode excedê-los, sob pena de um desgastante enfrentamento institucional. Aliados do presidente da Câmara têm dito que o acionamento do STF gera mal-estar e seria como tentar colocar um cabresto sobre o Congresso Nacional. Hugo Motta elegeu-se para o comando da Casa na sucessão de Arthur Lira (PP-AL) dizendo-se cioso da necessidade de independência dos Poderes e, ao mesmo tempo, revelando-se inteiramente comprometido com os interesses corporativistas de seus colegas. A interferência do Supremo Tribunal Federal no caso da liberação de recursos de emendas parlamentares desatou hostilidades tanto de Hugo como de Alcolumbre, que resolveram não comparecer, ontem, à audiência convocada pelo ministro Flávio Dino para debater exatamente a transparência nas emendas.
Um outro parlamentar influente sugeriu, em contato com o UOL, que seria melhor o governo reconhecer sua inoperância e começar as correções do que se empenhar em causas perdidas, tendo indicado alguns caminhos para corrigir a rota, como: relacionamento e respeito, cumprimento de acordos e esforço para desatar os nós criados pelo Judiciário, culminando com a execução dos orçamentos. O Congresso deixou claro que não aceita mais aumento de imposto enquanto no contraponto o Executivo assinala que não vai mexer nas desvinculações do Orçamento, o que seria uma reforma estrutural urgente e necessária. Os especialistas em economia raciocinam que a perdurar esse cabo de guerra não vai ter jeito e, sendo assim, a crise fiscal cairá com tudo no colo do próximo governo. Também há interesses ligados às eleições presidenciais de 2026, o que atrapalha mais ainda a conjuntura.
Do modo como o cenário se apresenta, não é difícil constatar que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está encurralado, já que não conseguiu avançar nas suas próprias iniciativas para equilibrar as contas e, ainda por cima, é acusado de não liderar uma articulação política exitosa. Isto fez com que Hugo Motta ignorasse ligações da ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, antes da votação decisiva que aplicou a derrota acachapante ao Executivo em plenário. A esta altura, Motta estava articulado com representantes do setor produtivo e, politicamente, com expoentes do “Centrão”, que já estão conspirando abertamente contra a candidatura do presidente Lula a um novo mandato. As informações vindas de Brasília projetam que qualquer ação, seja sobre emendas, ou via Supremo Tribunal Federal, será inapelavelmente hostilizada no âmbito do Parlamento. Parlamentares rebelados da base governista têm advertido nos bastidores que “começa uma nova fase” e lamentam que o governo ainda não tenha percebido o desenho da realidade que se configura e que soa desfavorável para o poder de plantão.
Se o governo cortar emendas, dentro da tese de contingenciamento de recursos que ganha força em Brasília para fazer frente às perdas de recursos estimadas em R$ 12 bilhões, pode ensejar um novo movimento de insurreição da base e ampliar a série de derrotas no Congresso Nacional. Fala-se que a derrota na questão do IOF foi uma espécie de “Dia D” para a autonomia do Legislativo e que o presidente Hugo Motta esteve afinadíssimo na reação com o senador Ciro Nogueira, presidente nacional do PP e ex-ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro. Uma das questões levantadas para votação da proposta foi a aproximação do ano eleitoral, onde os deputados preparam o terreno para tentar se reeleger ou disputar outros cargos eletivos. Isso aconteceu, conforme o “Metrópoles”, porque parte da cúpula da Câmara dos Deputados vê o governo Lula desgastado diante das últimas pesquisas eleitorais, e tenta ampliar o desgaste do petista para cacifar um nome mais ligado ao centro ou à direita. Isto foi o que deu gás ao estratagema ainda em curso em Brasília.