
Depois de muita relutância, em meio ao fogo cruzado e intensa pressão da bancada bolsonarista para pautar, no plenário da Câmara dos Deputados, a urgência de votação do projeto de lei concedendo anistia aos implicados em atos antidemocráticos em Brasília, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu barrar a “chantagem” que vinha ganhando corpo e pôr-se no aguardo de um novo texto, ao mesmo tempo em que espera que o Supremo Tribunal Federal avance nas discussões internas sobre a aplicação de penas menores aos condenados pelos ataques às sedes dos três Poderes ou acelere a concessão de prisão domiciliar àqueles que já podem fazer essa progressão no regime prisional, o que poderia reduzir a pressão para que a anistia ampla fosse votada. A versão atual da proposta de anistia é um parecer elaborado pelo deputado Rodrigo Valadares, do União Brasil-SE, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, na Comissão de Constituição e Justiça, e anistia os crimes de todos aqueles que participaram de manifestações com motivação política ou eleitoral desde o segundo turno da eleição de 2022, inclusive aqueles que apoiaram, organizaram ou financiaram os atos.
Especialistas divergem sobre a amplitude da proposta e sua possível aplicação também a Bolsonaro nos crimes pelos quais é réu. O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), já informou que a oposição dispõe do esboço de uma proposta mais concisa e focada apenas no 8 de janeiro de 2023, mas que aguarda a aprovação da urgência e a nomeação do relator para apresentar a ele como sugestão. “Esse é o rito do regimento da Câmara”, disse. “Nossa proposta é punir apenas aqueles que têm contra si imagens de depredação do patrimônio”. Um dia antes, enquanto Hugo Motta negociava o acordo com os líderes para adiar o requerimento, o líder do PL havia ameaçado romper com o presidente da Câmara e direcionar as emendas ao Orçamento das comissões presididas pelo partido de forma diferente do combinado. “Se for necessário colocar a corda no pescoço como o STF e o governo fazem com ele, o rompimento até nisso pode afetar”, ameaçou.
O deputado Hugo Motta está deixando claro que o adiamento não significa que o projeto de anistia esteja enterrado. “Ninguém aqui está concordando com penas exageradas que algumas pessoas receberam. Nenhum líder está a favor de nenhuma injustiça”, recitou ele, após a reunião que manteve com líderes de partidos. A oposição havia declarado que entraria em obstrução nas comissões e no plenário como represália, passando a apresentar requerimentos e utilizar artifícios regimentais para dificultar a discussão de outras matérias, uma ação considerada pouco efetiva, já que o grupo representa menos de 20% da Casa. O deputado Luciano Zucco, do PL-RS, líder da oposição na Câmara, defendeu mobilização efetiva sobre os parlamentares para que o projeto vá à pauta. “Foi imputada essa decisão a líderes que estão contra suas bancadas. A maioria dos deputados é a favor de aprovar a anistia”, assegurou. O PL de Bolsonaro pressiona Motta há dois meses para que ele coloque o projeto em votação no plenário, mas Motta tem resistido para evitar conflitos com o STF e participado de conversas em busca de um acordo.
A discussão sobre a anistia aos participantes de atos extremistas tem se constituído no maior desafio enfrentado pelo deputado do Republicanos desde que foi eleito presidente da Câmara com os votos de deputados bolsonaristas e lulistas. Desde que foi chamado à colação diante da controvérsia sobre o tema, Hugo Motta tem alternado acenos de conciliação com atitudes de firmeza – e, em paralelo, opera com vistas a não tornar a decisão uma espécie de monopólio da Casa, tanto assim que tem se articulado com ministros do Supremo Tribunal Federal e também dialogado com figuras como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Jair Bolsonaro. O que ele não acha justo é o método empregado pela oposição bolsonarista, no sentido de obstruir a pauta dos trabalhos legislativos até que seja votada a urgência da anistia, o que acarretaria problemas no andamento de outras agendas que também requerem brevidade no plenário. Contornando o bombardeio dos deputados do PL e de outras legendas de direita, Motta logrou aprovar matérias de interesse público em plena radicalização na atmosfera reinante na Câmara Federal, enfatizando que outras prioridades não podem ser desconsideradas.
Na reunião de ontem, a maioria dos partidos se manifestou contrária à aceleração da tramitação do projeto de anistia, com exceção do PL e do Novo. Esse posicionamento ocorreu após Hugo Motta costurar com os partidos de esquerda e de centro um entendimento único sobre o requerimento, em reunião na noite de quarta-feira, 23, para a qual o PL não foi chamado. O presidente da Câmara assim resumiu a conclusão a que se chegou: “Líderes que representam mais de 400 parlamentares da Casa decidiram que o tema não deveria entrar na pauta da próxima semana. Isso não está dizendo que não seguiremos dialogando para a busca de uma solução para o tema”. O acordo para isolar o PL foi necessário após o partido conseguir apoio suficiente para apresentar o requerimento de urgência, com a assinatura de 264 deputados – mais da metade deles, integrantes de partidos da base aliada ao governo Lula. O encontro coordenado por Motta foi o mais longo até agora de sua gestão e durou três horas. Nos meios políticos, já há expectativa de que o tema da anistia irrestrita e urgente seja esvaziado no âmbito do Parlamento.