Opinião

Hugo Motta pauta anistia e mostra que é refém no Parlamento - Por Nonato Guedes

Foto: Lula Marques / Agência Brasil
Foto: Lula Marques / Agência Brasil

Depois de colocar em votação a Proposta de Emenda Constitucional apelidada de PEC da Blindagem, que foi aprovada por ampla maioria, o deputado paraibano Hugo Motta (Republicanos), presidente da Câmara Federal, pautou a urgência para votação do projeto de anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.

O PL apresentado pelo deputado Marcelo Crivella, do Republicanos-RJ, abrange “manifestações com motivações política/e ou eleitoral” a partir de 30 de outubro de 2022, numa manobra para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, que cumpre prisão domiciliar determinada pelo Supremo Tribunal. Motta afirmou que a anistia era “a pauta única” do dia, construída após reunião de líderes de ontem à tarde. Mais cedo, a Câmara havia aprovado a retomada do voto secreto na PEC da Blindagem, que limita investigações contra parlamentares e outras autoridades. Sobre o requerimento de urgência da anistia, Hugo Motta explicou que a intenção é a de construir, junto ao relator designado, o deputado Paulinho da Força, do Solidariedade-SP, uma proposta de “pacificação” para o país. Foi enfático o paraibano: “Não temos compromisso com nenhuma pauta que traga ainda mais divergência, ainda mais polarização para o país”. Na prática, foi um grande aceno do presidente da Casa à oposição bolsonarista, que conseguiu pautar o tema depois do julgamento e condenação por tentativa de golpe de Estado de Bolsonaro e outros sete réus no Supremo Tribunal Federal.

O projeto tem o apoio do Centrão, que reúne partidos como o PL, PP, União Brasil e Republicanos. Motta concluiu o discurso dizendo que a pauta “é para que a Câmara possa dar um grande sinal de que tem compromisso com o Brasil, com nossas instituições, e de buscar o melhor caminho através da nossa democracia”. Apesar da retórica confiante do dirigente do Parlamento, o tema está longe de ser consensual. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já avisou que vetará a proposta caso ela seja aprovada pelo Congresso. Mesmo que o Legislativo derrube a decisão de veto do petista, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pode ser aberta e, assim, a decisão final fica no âmbito do Supremo Tribunal Federal, onde ministros já indicaram que anistias desse tipo poderiam ser consideradas inconstitucionais. A “PEC da Impunidade”, por outro lado, dá aos parlamentares o poder de dizerem se eles podem ou não ser investigados pelo STF, atribuição que havia sido cassada há 21 anos pelo próprio Legislativo diante da imoralidade de que se revestia. Ela foi ressuscitada na gestão do presidente Hugo Motta como fruto de um acordão entre líderes, e o paraibano ignorou apelo do próprio presidente Lula para não colocá-la em plenário, alertando que ela não teria apoio do Planalto. Outros alertas foram feitos a Motta no sentido de que o desgaste pela aprovação poderia recair unicamente sobre sua imagem.

Ontem, o senador paraibano Veneziano Vital do Rêgo (MDB) antecipou sua declaração de voto contrária à PEC da Blindagem, que qualificou como absurda e, até mesmo, como um retrocesso político-institucional. Além de Veneziano, outros parlamentares estão ecoando reações contrárias. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Otto Alencar, do PSD-BA, tem sido porta-voz dessa resistência e ficou estarrecido com a aprovação por parte da maioria dos deputados federais, inclusive, 12 do Partido dos Trabalhadores, que estão sendo desautorizados pela cúpula nacional, embora não haja aceno de punição. Otto Alencar foi incisivo: “Nunca imaginei que deputados tivessem essa sem-cerimônia. Essa PEC não passa aqui, no Senado, não passa de jeito nenhum. Isso é inimaginável”. Da bancada paraibana, apenas dois deputados – Luiz Couto, do PT, e Ruy Carneiro, do Podemos, se posicionaram contra a Proposta de Emenda Constitucional. Fontes de Brasília disseram que Motta optou por ceder à pressão corporativista de deputados que foram eleitores seus no processo de sucessão de Arthur Lira (PP-AL).

A dificuldade do presidente Hugo Motta em fazer avançar uma agenda propositiva de interesse da sociedade brasileira vai ficando cada vez mais escancarada, indicando que ele não tem poder de liderança nem pulso para barrar projetos meramente corporativistas ou revanchistas – contra ministros do Supremo Tribunal Federal. Esse revanchismo contra o STF foi o combustível que levou o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) a votar favoravelmente à PEC da Impunidade. Ele deixou claro que continuará votando a favor de propostas nessa linha, enquanto o Supremo Tribunal Federal estiver agindo para conter excessos do Congresso Nacional. Já Hugo Motta, embora costume apregoar que tem colaborado com a governabilidade à frente da Casa Legislativa, tem priorizado, mesmo, as pautas internas, como se estivesse desatento à voz rouca das ruas que se manifesta em protestos seguidos nas redes sociais contra o comportamento no plenário legislativo. Na Câmara, a maioria dos deputados resolveu dar as costas à população. Não por acaso, a atual legislatura é considerada uma das piores da história do Congresso Nacional.