Opinião

Fernando Collor, o ex-caçador de marajás, quem diria, foi parar na prisão - Por Nonato Guedes

Fernando Collor, o ex-caçador de marajás, quem diria, foi parar na prisão - Por Nonato Guedes

Fenômeno político nas primeiras eleições presidenciais do Brasil após a ditadura militar, em 1989, quando derrotou o então líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor de Mello fez fama em papéis diferentes, como o de caçador de “marajás” em Alagoas quando foi governador e o de governante-atleta, com suas corridas dominicais e exibicionistas que lhe valeram comparação com Indiana Jones. Collor viveu uma odisseia ainda no começo do mandato de presidente, com denúncias que o ligavam à existência do famigerado “Esquema PC Farias”, passando por um processo de impeachment e pela renúncia ao mais elevado cargo da hierarquia de poder. Volta às manchetes, agora, com a sua prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal por crimes de corrupção. Ele havia sido condenado em 2023 por esses crimes, mas recorria da decisão e alcançava êxito, até ser flagrado pelo rigor da Lei.

O primeiro cargo de destaque de Collor, oriundo de uma família rica e influente na política e na mídia, foi o de prefeito de Maceió entre 1979 e 1982, à época com 30 anos. Mais tarde, entre 1982 e 1986, foi deputado federal por Alagoas, assumindo em 1987 o governo do Estado, onde permaneceu até 1989. A fama de “caçador de marajás” resultou da promessa de caçar funcionários públicos que acumulavam altos salários no Estado, e a visibilidade nacional de Collor deveu-se aos espaços generosos que a mídia sulista lhe abriu. Ele aproveitou os espaços para se apresentar como um “político diferente, renovador”, supostamente desvinculado de oligarquias políticas tradicionais. Buscou fazer frente, nesse caso, a figuras carimbadas que lutavam para se projetar no cenário nacional, como Leonel Brizola, Ulysses Guimarães e Mário Covas. Ulysses, concorrendo à Presidência pelo PMDB, ficou entre os últimos, com votação abaixo da que foi alcançada pelo médico Enéias Carneiro, uma das “novidades exóticas” da safra política da redemocratização no país. Collor foi candidato por uma legenda pequena, “de aluguel”, o PRN, Partido da Reconstrução Nacional, que se dissipou após a sua ascensão ao Planalto.

Venceu as eleições presidenciais de 1989 com cerca de 55% dos votos válidos, numa campanha marcada pela força da televisão, em que sobressaiu a edição da Rede Globo sobre o último debate presidencial, entre ele e Lula, com montagem subliminar para insinuar que Collor teria suplantado o adversário com ampla vantagem. Conforme registra o UOL, os dias de glória de Fernando Collor seriam curtos. Empossado no governo em 15 de março de 1990, o presidente anunciou um plano econômico para conter a inflação que incluía, entre outras medidas, o confisco das cadernetas de poupança. Foram confiscados, pela equipe da ministra Zélia Cardoso de Mello, depósitos bancários superiores a 50 mil cruzados novos (R$ 8 mil na moeda atual) pelo período de 18 meses, numa espécie de empréstimo compulsório da população ao governo. A medida, além de não dar certo, provocou enorme desgaste para o governo de Collor, que escolhera como seu candidato a vice-presidente da República o ex-governador de Minas Gerais, Itamar Franco, um político sério e de posições reformistas.

De arauto da moral, como pontua o UOL, Fernando Collor foi guindado à condição de símbolo da corrupção, num país descrente com os governantes em virtude da série de escândalos que passou a pipocar nas páginas dos grandes jornais. Em 1992, o irmão de Fernando, Pedro Collor, revelou à revista “Veja” um esquema criminoso articulado pelo presidente em conluio com seu ex-tesoureiro da campanha eleitoral Paulo César Farias, o PC. Foi instaurada pelo Congresso Nacional uma Comissão Parlamentar de Inquérito com o fito de investigar as denúncias, tendo sido localizados documentos que comprovariam as transações ilícitas que ligavam PC Farias a Collor de Mello. Os protestos populares ganharam as ruas, com estudantes apelidados de “caras-pintadas” e com milhares pedindo a deposição do mandatário. Não demorou muito para que a Câmara autorizasse a abertura do processo de impeachment, que teve como relator o paraibano Antônio Mariz, “Constituinte Nota Dez”.

Collor acabou renunciando ao cargo em 29 de dezembro de 1992, numa tentativa de evitar a inelegibilidade por oito anos que já era agitada nos círculos políticos e jurídicos, caso o impeachment fosse consumado pelo Senado Federal. A iniciativa não adiantou: o Congresso cassou seus direitos políticos pelo prazo estipulado em lei. Vinte e dois anos após as denúncias, o STF absolveu Collor das acusações de peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica. Ele recorreu ao STJ para reverter a inelegibilidade, invocando o pretexto da renúncia, sem que tenha tido êxito nas investidas. O ex-presidente permaneceu cerca de quatro anos recluso em Miami, EUA, de onde voltou e acabou recuperando os direitos políticos. Todavia, foi derrotado na tentativa de se tornar governador de Alagoas em 2002, logrando eleger-se senador em 2006. Em 2010, foi novamente derrotado ao governo alagoano. Reelegeu-se senador em 2014 e amargou outra derrota ao Executivo alagoano. Denunciado pela PGR por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, Collor acabou tendo a prisão decretada pelo STF na madrugada de ontem, reforçando o caráter melancólico do seu ocaso político.