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BRASIL DIVIDIDO: Historiador diz que intervenção em 1964 divide sociedade ainda hoje

Na Paraíba, como de resto em todo o país, o regime militar que teve como primeiro expoente o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco produziu cassações de figuras tidas como militantes esquerdistas ou simpatizantes de ideias enquadradas nesse figurino ideológico.

Faltando uma semana para o transcurso dos 55 anos do movimento civil-militar de 31 de março de 1964 que depôs o governo do presidente João Goulart (PTB) e implantou um período de exceção de 21 anos, a intervenção ainda divide profundamente a sociedade porque os derrotados nunca se conformaram com o ocorrido, na observação do historiador José Octávio de Arruda Melo, que organizou, juntamente com a professora Carla Mary S. Oliveira e os jornalistas Nonato Guedes, Sebastião Barbosa e Evandro Nóbrega o livro “O Jogo da Verdade – Revolução de 64 30 Anos Depois”, editado pela Superintendência de A UNIÃO e publicado em setembro de 1994. O livro derivou de Edição Especial do jornal “A União” de 27 de março de 1994, com depoimentos reveladores de dezenas de participantes dos acontecimentos de 64.

Na Paraíba, como de resto em todo o país, o regime militar que teve como primeiro expoente o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco produziu cassações de figuras tidas como militantes esquerdistas ou simpatizantes de ideias enquadradas nesse figurino ideológico. Um dos cassados foi o ex-governador Pedro Moreno Gondim, já falecido, que tentou adotar posição conciliadora entre camponeses e proprietários rurais em meio a conflitos que pipocaram no Estado, com repercussão até internacional. Gondim, um político populista, foi punido quando exercia o mandato de deputado federal, em 1968, por ter se solidarizado com o deputado Márcio Moreira Alves, que fizera discurso contra o regime em tom qualificado por militares da linha dura como ofensivo ou insultuoso. O discurso de Márcio serviu como pretexto para a edição do Ato Institucional Número Cinco, que desencadeou milhares de processos de cassação de direitos políticos não apenas no apenas do Congresso, mas em instituições como as universidades federais e poderes como o Judiciário. Nem militares tidos como “legalistas” foram poupados na fase de radicalização do regime, originalmente instaurado a pretexto de preservar a democracia, que estaria ameaçada pela ação de comunistas infiltrados no governo Goulart.

Além de Pedro Gondim, foram punidos na Paraíba líderes como Ronaldo Cunha Lima, Antônio Vital do Rêgo, Newton Rique, Assis Lemos, magistrados como Mário Moacyr Porto e Emílio de Farias, jornalistas e intelectuais como Adalberto Barreto, Gonzaga Rodrigues, Jório Machado, Jomard Muniz de Brito, Vladimir de Carvalho, ativistas políticos como Antônio Augusto Arroxelas, Simão Almeida, Luiz Hugo Guimarães, entre outros. No livro “O Jogo da Verdade”, que reproduziu reportagens, entrevistas e colaborações de inúmeros jornalistas de “A União”, além de colunistas e cronistas, há análise sobre o contexto nacional, do suicídio de Getúlio Vargas à derrubada de João Goulart, transcrição de um alerta de Castelo Branco onze dias antes do 31 de Março, relato da saga de Elisabeth Teixeira, a viúva do líder camponês João Pedro Teixeira, informes sobre conturbações políticas no movimento estudantil-universitário, etc. Entre os militares entrevistados por “A União” houve quem falasse em “lendas e excessos de 1964” e quem garantisse que Castelo Branco não queria a ditadura.

O transcurso dos 55 anos do movimento militar-civil de 64, chamado de “golpe” pelos opositores, será o primeiro evento no governo do capitão reformado Jair Messias Bolsonaro, que se investiu pelo voto na presidência da República derrotando o candidato Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores e é severamente criticado em algumas áreas por governar com setores da extrema-direita, além de contar com expressiva representação militar em ministérios e até no papel de porta-voz do Planalto. Bolsonaro está ouvindo ponderações no sentido de que não estimule manifestações públicas de apologia ao movimento de 64, a fim de evitar o agravamento do clima de radicalização que persiste desde a sua vitória. Chefes militares mais sensatos têm aconselhado a realização de eventos internos, dentro de quartéis ou sedes de corporações militares, mas há muita expectativa quanto aos desdobramentos de uma acentuada polarização política-ideológica até o final de semana.

Fonte: OS GUEDES
Créditos: Nonato Guedes