Opinião

A lei de 'combate' às fake news e a lição da 'Família Dinossauros' aos parlamentares brasileiros - por Felipe Nunes

Na ficção, o projeto elaborado pelo pai Dino foi aprovado, desencadeando uma onda de controle estatal, não somente sobre palavras ou opiniões, mas até sobre vestimentas e modos de agir. 

A aprovação do Projeto de Lei que supostamente visa combater as fake news, no Senado Federal, despertou a discussão sobre o perigo de se colocar em risco à liberdade de expressão em nome do suposto combate às notícias falsas. Apesar dos alertas de entidades ligadas à imprensa e à liberdade de expressão sobre o duvidoso teor da proposta, os senadores aprovaram a matéria com 44 votos favoráveis, 32 contrários e duas abstenções.

O texto prevê, dentre outras medidas, o armazenamento de mensagens enviadas por aplicativos, a criação de um conselho para monitorar a conduta de internautas e regula a presença dos usuários em redes sociais, inclusive com a exigência de conta no celular para acessar WhatsApp e Telegram.  A proposta, embora tenha sido “melhorada” em relação ao texto original, recebeu críticas de entidades, das empresas proprietárias das redes sociais e do Palácio do Planalto, que pretende vetar a medida.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou uma nota com uma série de preocupações e argumentos contrários ao avanço do projeto e aponta a possibilidade de censura e auto-censura após a aprovação da proposta. Para o presidente da organização, Marcelo Träsel, o texto sofre “do mesmo defeito fundamental de outros projetos que pretendem resolver o problema da desinformação através de leis: arriscar as liberdades de expressão e de imprensa para obter resultados, na melhor das hipóteses, duvidosos”.

O problema da censura – a lição da Família Dinossauros

Mais simbólico do que a enxurrada de críticas, a aprovação da Lei das Fake News remete a um episódio da famosa série americana ‘A família Dinossauros’, que apesar de antiga, é mais atual que a mente de parte dos congressistas brasileiros.

No episódio ‘A censura na TV’, da terceira temporada da série, Dino demonstra arrependimento depois de levar a cabo uma campanha para controlar conteúdos televisivos.

A ideia de censurar programas de TV surge depois que o filho, Baby, pronuncia um palavrão que aprendeu ao assistir um programa de entretenimento. Dino se reúne com outros pais dispostos a irem adiante com a ideia, e cita uma frase célebre: “Obrigado por demonstrarem que a política pública que afeta o direito de milhões pode ser alterada por uma minoria pequena, mas falante”.

A declaração pode ser comparada ao sentimento de parte dos senadores brasileiros, que se acham na razão de aprovarem uma lei que pode ameaçar o direito de milhões de brasileiros, sem ouvi-los.

Cheio de boas intenções e preocupado com a educação do filho, Dino reivindica a proibição da palavra “Smoo” na televisão. Ao colocar o projeto em prática, no entanto, desencadeia uma censura não só de palavras, mas de ideias, pensamentos e sobre os modos de agir da comunidade.  “Acho que exagerei ao pedir ao Governo para abolir nossa liberdade para que nossos filhos não dissessem palavras feias”, reconheceu, ao acrescentar que “é um trabalho duro ser pai”, não tanto quanto ser admoestado pelo Estado.

Trata-se, portanto, de uma crítica ácida contra a censura e que poderia ser assimilada pelos parlamentares brasileiros. Que tal reproduzirem o episódio completo em sessão remota do Congresso Nacional? A Família Dinossauros têm muito o que ensinar aos nossos representantes em Brasília, de mentes jurássicas.

Assista abaixo um trecho do episódio – ‘A censura na TV’

 

Diferentemente da lição da família Silva Sauro, os senadores brasileiros foram adiante e seguem sem arrependimentos, apesar dos protestos da população, das redes sociais como Facebook, Whatsapp e Twitter, além de entidades representativas da imprensa e do jornalismo profissional, que já emitiram notas alertando para os perigos contidos no texto aprovado. Talvez nem a ditadura tenha pensando num mecanismo tão sofisticado de controle.

Como já defendi em texto anterior, não restam dúvidas de que a desinformação é um grave problema a ser combatido e que é dever de cada indivíduo trabalhar para proteger a sociedade dos danos causados pelas inverdades divulgadas em massa nas redes sociais. Mas, colocar nas mãos de parlamentares o papel de definir o que vem a  ser verdade ou mentira é, no mínimo, uma ingenuidade.

Não se pode olvidar da lerdeza dos nossos parlamentares, que há anos sentam em cima de propostas de combate à corrupção, como as que tornam mais rigorosas as punições para crimes do colarinho branco e a que permite a prisão após condenação em segunda instância. Foi esse Congresso, também, que levou anos a fio para aprovar um tema tão importante, como o novo marco legal do saneamento básico, enquanto milhões de brasileiros convivem com a lama na porta de suas casas. Apenas para citar um exemplo. Como explicar a velocidade atribuída ao PL das fake news?

Não duvido do bom senso de alguns parlamentares, a exemplo dos senadores paraibanos, com quem conversei, mas a aprovação rápida de uma proposta delicada abre espaços para questionamentos legítimos sobre a real intenção da maioria dos que apoiam a medida.

Perguntas que ficam…

E, a propósito, questiono: se querem de fato combater as fake news, como dizem, por que os parlamentares não incluem no texto uma cláusula para cassar os mandatos dos colegas flagrados em mentiras nas redes sociais ou em discursos na tribuna das casas legislativas? Por que não propor a cassação dos mandatos dos que não cumprem as promessas da campanha eleitoral? Não que eu seja a favor a tal ideia, mas ela seria coerente com a premissa do projeto aprovado no Senado Federal. Se isto ocorresse, seria mais fácil acreditar nos argumentos dos parlamentares contra a mentira.

Enquanto tais perguntas não são respondidas e o projeto não é enterrado, vale ficar alerta e vigilante. Em live no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro, que por vezes criticou e foi rebatido pela imprensa, já adiantou que vai vetar os trechos mais polêmicos da proposta e defendeu o direito de livre expressão e manifestação. E é bom que assim o faça, utilizando-se do seu poder constitucional, pois, como advertiu Friedrich Hayek, em reflexão muito oportuna para os nossos dias, “A liberdade não se perde de uma vez, mas em fatias, como se corta um salame”.

Felipe Nunes – jornalista formado e diplomado. Aluno do Mestrado em Jornalismo do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (PPJ-UFPB).

Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Felipe Nunes