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A guinada na sociedade fez com que a Lei valesse para todos no Brasil - Por Nonato Guedes

A prática de uma justiça menos injusta foi possível, do ponto de vista motivacional, a partir do enfrentamento com destemor da corrupção que era generalizada e que em tese estava enquistada irremediavelmente no tecido do organismo social e cultural brasileiro. Afinal, foram tantos os casos ou episódios de “blindagem” de autoridades e de agentes públicos com “status” diferenciado, que a opinião pública deixou fenecer a expectativa de mudança profunda e de punição concreta. A corrupção havia alcançado um nível tal de sofisticação e de profissionalização no país que parecia utópico tentar detê-la, principalmente diante da mentalidade disseminada por décadas sobre o famoso – e jocoso – “jeitinho” brasileiro, uma fórmula de deixar tudo como está. Até que isso mudou, radicalmente.

Está mais do que evidenciado, não pairando sombra de dúvidas nos diferentes círculos, que a guinada experimentada no âmbito da sociedade brasileira ao longo dos anos, em termos de consciência política e de Cidadania, foi a grande ferramenta para impulsionar a aplicação da Lei de forma equitativa, de tal sorte que ela passasse a valer para todos – ricos e pobres, abolindo-se a teoria fajuta de que alguns privilegiados estavam acima ou distantes do alcance do braço legal. A cultura da impunidade, se não foi totalmente erradicada, sofreu abalos consideráveis, fomentando o medo junto a expoentes de elites que se julgavam dotados de imunidade absoluta. Esta é, indubitavelmente, a grande conquista a ser saudada, depois de anos de batalhas e de algumas derrotas acumuladas no curso da transformação finalmente materializada.

A prática de uma justiça menos injusta foi possível, do ponto de vista motivacional, a partir do enfrentamento com destemor da corrupção que era generalizada e que em tese estava enquistada irremediavelmente no tecido do organismo social e cultural brasileiro. Afinal, foram tantos os casos ou episódios de “blindagem” de autoridades e de agentes públicos com “status” diferenciado, que a opinião pública deixou fenecer a expectativa de mudança profunda e de punição concreta. A corrupção havia alcançado um nível tal de sofisticação e de profissionalização no país que parecia utópico tentar detê-la, principalmente diante da mentalidade disseminada por décadas sobre o famoso – e jocoso – “jeitinho” brasileiro, uma fórmula de deixar tudo como está. Até que isso mudou, radicalmente.

Não faltará quem assevere que a sede de justiça converteu-se em sede de vingança ou revanchismo, dando lugar a processos eivados de clamorosos erros provenientes de pré-julgamentos ou de juízos de valor precipitados em que não teriam sido respeitados direitos inalienáveis e sagrados como o da mais ampla e legítima defesa, precedendo a exaração de sentenças ou a assinatura em jurisprudências que, a dados de hoje, passam por reexame nas Cortes de instância máxima ou superior. Ainda que pertinente, parcialmente, esse tipo de avaliação peca por ignorar os excessos de leniência com a corrupção que foram cometidos por juízes e ministros-magistrados, alguns tidos como suspeitos de algum tipo de participação em escândalos. Foi esse estágio de leniência que colaborou decisivamente para que os verdadeiros criminosos, disfarçados de santos de pau oco, dessem um “olé” na Justiça, ridicularizando-a perante a opinião pública, lançando mão de recursos processualísticos, alguns dos quais primaríssimos o bastante para não serem sequer apreciados, mas que acabaram consumindo sessões consecutivas ou intermináveis em que “doutos juízes” teorizavam sobre o nada – ou sobre o sexo dos anjos, o que dá no mesmo.

O que não se procurou massificar, nesse contexto todo, foi que a plenitude democrática, uma vez exercida e assegurada, foi concebida exatamente para a confrontação dos opostos e para que prosperasse uma espécie de tira-teima no jogo da contradita, fazendo prevalecer a verdade mínima dos fatos, revestida da dosimetria proporcional do senso de justiça que é intrínseco a julgamentos dessa ordem, que misturam valores e pessoas num mesmo pacote. Só se chega à dita verdade após exaustão de análises de provas documentais, de elementos com função esclarecedora. Daí-se aí, nessa dialética, o esgotamento da verificação das faces distintas de processos, abrindo caminho para a inexorável sentença que, ainda assim, estará sujeita a contestações, mesmo que sem valor legal, dependendo do rito que tiver sido seguido.

Caso emblemático é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que recomendou expressamente à sua assessoria jurídica (ou defesa) que usasse e abusasse dos mecanismos legais de protelação, traduzidos em embargos de declarações, em requisição de oitivas, em novas tomadas de depoimento – enfim, num Raio X completo, de sorte a não pairar qualquer resquício de premeditação de julgamento sobre os crimes que lhe são atribuídos e que estão configurados como de gravidade extrema. O resultado é que o próprio Lula e sua defesa acabaram se envolvendo num pitoresco samba de crioulo doido, quando ministros do Supremo aventaram a hipótese de já poder ser concedida ao presidiário ilustre a progressão da pena, com direito ao cumprimento domiciliar, ainda que sob restrições previstas ou ominadas em lei. Mentor do samba-enredo “Lula Livre”, sucesso garantido em manifestações de rua e até em shows de artistas que o idolatram, Lula passou a apregoar o mote de continuar preso até obter um atestado de inocência das autoridades do Judiciário.

Lula joga com artifícios de prestidigitação por enxergar que há espaço para eles na conjuntura atual, que nunca, como antes, lhe foi tão favorável e generosa. Mas pode ser que esteja abusando do próprio talismã. Afinal, o Brasil mudou – e esta é a impressão que perpassa parcelas majoritárias da sociedade, vacinadas contra o passionalismo e o partidarismo de ocasião.

Fonte: Os Guedes
Créditos: Nonato Guedes