Opinião

A goma - Por Ronaldo Cunha Lima Filho

A goma - Por Ronaldo Cunha Lima Filho

Rua Solon de Lucena, Campina Grande. A cidade despertava, como sempre, abraçada por uma névoa densa. O frio pedia um casaco, devia fazer uns 15 graus. Era 2 de setembro de 1968, o dia em que completei oito anos.A poucos metros de casa, na Rua Otacílio de Albuquerque, havia uma vacaria que, todas as manhãs, nos presenteava com leite morno, saboroso e acolhedor. Ainda hoje carrego comigo as sensações daquele curral, gravadas como um perfume da infância.Naquela manhã especial, minha mãe repetiu um ritual comum às mães de então: vestir o filho com um impecável conjunto de linho, branco como a espuma do mar. Mas havia um detalhe implacável , o tecido recebia uma goma que o transformava numa armadura dura, quase uma prisão medieval. A criança, condenada a vestir-se assim, experimentava uma tortura silenciosa.Eu não escapava ao destino. Além de tudo, tinha um cabeção, ( que talvez ainda tenha) que, somado à roupa engomada, me fazia parecer um E.T. Ainda hoje, quando lembro daquele aniversário, sinto os espinhos invisíveis da maldita goma arranhando a memória.Bom domingo.