Operação Trapaça 

SALMONELLA: PF indicia Abilio Diniz por estelionato e organização criminosa

Delegado Mauricio Moscardi, da Polícia Federal em Curitiba, atribui também ao empresário o crime de falsidade ideológica nos autos da Operação Trapaça

A Polícia Federal indiciou o empresário Abilio Diniz nos autos da Operação Trapaça por estelionato, organização criminosa e falsidade ideológica. Outros 42 investigados também foram indiciados. Na lista está o ex-diretor-presidente global da BRF Pedro de Faria, também suspeito por crime contra saúde pública.

No relatório final do inquérito, a PF afirma que um esquema de fraudes nas unidades da BRF tinham como finalidade burlar o Serviço de Inspeção Federal (SIF), do Ministério da Agricultura, e as fiscalizações de qualidade do processo industrial da empresa. As investigações concluíram que a prática das fraudes contava com a anuência de executivos do grupo, bem como de seu corpo técnico, além de profissionais responsáveis pelo controle de qualidade dos produtos da própria empresa.

A Trapaça, desdobramento da Carne Fraca, foi deflagrada em março deste ano. A operação tinha como alvo um esquema de fraudes descoberto na empresa BRF, gigante do setor de carnes e processados, para burlar as fiscalizações do Ministério da Agricultura.

Dividido em três frentes de irregularidades, uma delas trata sobre as fraudes nas comunicações de presença de salmonella nos produtos. “A legislação é clara quanto à necessidade de notificação pela empresa em caso de detecção positiva da bactéria salmonella pullorum. Nesse ponto, o que chama atenção é o fato da não comunicação ocorrer de modo intencional, de maneira articulada, e com o evidente propósito de retirar do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, seu poder fiscalizatório legal e absolutamente necessário para preservação da saúde pública e animal”, registra o relatório.

No relatório de 405 páginas o delegado Mauricio Moscardi, da Polícia Federal em Curitiba, afirma que as “provas anexadas” mostram “surpreendentemente” a “não comunicação dolosa da positivação de Salmonella Typhimurium aos órgãos de fiscalização federal”.

“É caso mais grave ainda, pois trata-se de classificação de salmonela que atinge diretamente a saúde humana. Conforme rastreabilidade identificada, os produtos foram destinados ao consumo nacional sem qualquer tratamento ou cuidado sanitário exigido pela legislação”, afirma relatório da PF.

Mensagens. A PF afirma que, a partir da análise de conversas por mensagens de e-mails e Whatsapp, ‘concluiu-se que a prática das condutas delitivas não se restringia ao círculo das equipes técnica e gerencial das fábricas da BRF’.

“Há, de fato, a participação do corpo diretivo da empresa na trama investigada, o qual tinha ciência de seu modus operandi, e que, não somente se omitiu em relação a fazer cessá-lo, mas, também, participou comissivamente dos atos de ocultação das fraudes, norteando sua execução”, aponta o delegado.

“Destaca-se a participação ativa, em caso envolvendo a detecção de resíduo tóxico em carne de frango pelas autoridades chinesas (Dioxina), de Pedro de Andrade Faria (à época Diretor-presidente Global do Grupo BRF), Abílio dos Santos Diniz (à época Presidente do Conselho da BRF) e José Carlos Reis de Magalhães Neto, sócio da Tarpon Investimentos (empresa detentora de “aproximadamente” 7% do capital aberto do Grupo BRF, segundo informações prestadas por Pedro Faria em sede policial).”

O delegado cita, no relatório, uma conversa ocorrida em um grupo do Whatsapp, do qual faziam parte Pedro Faria, Abílio Diniz e José Carlos Reis de Magalhães Neto. O grupo, segundo a PF, foi criado em 12 de dezembro de 2014.

“O contexto das conversas indica o conhecimento do corpo executivo do Grupo BRF sobre a ocorrência de detecção de substâncias nocivas à saúde humana em produtos oriundos das plantas industriais da empresa. Abílio Diniz e Pedro Faria, pela posição hierárquica que ostentavam no quadro corporativo do Grupo, possuíam plena capacidade de orientar os círculos sob sua subordinação a tomar as medidas técnicas e eficazes, em âmbito sanitário, para que se determinasse a causa-raiz da contaminação química dos produtos destinados ao consumo e a regularização do processo industrial”, indica o delegado.

Segundo o investigador, ‘o que ocorreu foram tão somente a lamentação dos executivos pelo vazamento de informação já conhecida (“Abilio e Zeca, infelizmente alguém do ministério vazou a informação”)’, a interlocução sobre o ocorrido e também ‘a tomada de medidas com o fim de “abafar” a disseminação dos fatos descritos em matéria veiculada na imprensa nacional (“Abilio, linda foto! Em relação a China tivemos bom avanço pois conseguimos controlar o vazamento da informação e mantê-lo sob controle”)’.

O início da conversa ocorreu em 9 de setembro de 2015. Pedro Faria enviou aos empresários uma matéria do Estado que tratava da suspensão da venda de frango de 2 unidades da BRF e da Bello Alimentos pela China.

No dia seguinte, Pedro escreve. “Abilio e Zeca, infelizmente alguém do ministério vazou a informação. Ontem falei de forma mais contundente com a Katia que isso era potencialmente um tiro no pé. A matéria que saiu mostra que a repórter teve amplo acesso aos materiais do ministério. Da forma como saiu está bastante completa e acurada, mostrando inclusive a nossa linha de defesa. Vamos aguardar a repercussão disso aqui e na China principalmente. Acho que downgrade do Brasil deve ofuscar mas estamos monitorando.”

‘Zeca’ é o primeiro a responder. “Obrg por avisar. Sem duvida monitorar repercussão na China.”

Pedro Faria escreve novamente. “Sim. Situação está delicada. Próximas 48 horas serão chaves.”

O empresário da Tarpon afirma. “Precisa depois apurar esse vazamento para vermos fragilidades.”

Abílio Diniz, então, escreve. “Pedro e Zeca. Estou atento e acessível. Qualquer coisa que
puder fazer me falem. Acho importante saber como é porque vazou. Abs.”

Na avaliação da PF, ‘o Grupo agia de forma organizada e mantinha comunicação permanente, objetivando iludir auditorias, programadas ou inopinadas, em plantas industriais da BRF, eventos nos quais produtos irregulares eram retirados de depósito, e escondidos da fiscalização’.

“A mesma prática era adotada em caso de auditoria de entes estrangeiros, para que as condições de fiscalização estivessem em conformidade adequada a receber as acreditações necessárias para a continuidade de seu processo fabril, e destinação dos produtos, havendo sempre o retorno à rotina irregular de operação tão logo cessassem os atos de auditoria”, relata o delegado.

A reportagem está tentando localizar os citados. O espaço está aberto para manifestação.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO BENO BRANDÃO, QUE DEFENDE ANDRÉ BALDISSERA

A defesa de André Baldissera informou que ‘está se inteirando do longo relatório’.

Fonte: Estadão
Créditos: Estadão