relação abusiva e tóxica

INVASÃO DE PRIVACIDADE: Homem publica fotos, telefone e endereço de ex em sites de prostituição

Depois de uma relação abusiva e tóxica, em que, segundo ela, foi humilhada e sofreu graves violências físicas por três anos e meio, A.P. queria seguir a própria vida pós-término, em novembro de 2018

Violência verbal, física, psicológica, patrimonial, crime contra a honra, calúnia, difamação e ameaça. A consultora A.P., de 47 anos, do Rio de Janeiro, afirma que vem sendo vítima de todos esses crimes por parte do ex-companheiro.

Depois de uma relação abusiva e tóxica, em que, segundo ela, foi humilhada e sofreu graves violências físicas por três anos e meio, A.P. queria seguir a própria vida pós-término, em novembro de 2018. Mas, sem aceitar o fim do namoro, o ex teria começado uma série de ataques pessoais. Ele teria publicado nome, telefone, endereço e fotos nuas dela tiradas sem consentimento — enquanto ela dormia — em sites de prostituição, aplicativos de namoro — as imagens teriam chegado até para grupos de funcionários e para o RH da empresa em que a consultora trabalha.

Segundo dados do Instituto de Segurança Pública, no ano passado, 37.423 mulheres foram vítimas de violência psicológica no Rio de Janeiro. Foram 29.665 vítimas de calúnia, injúria e difamação. E 41.344 mulheres sofreram agressão física. Agora A.P. espera a ação da polícia e do Ministério Público, enquanto ela e sua família seguem sofrendo ameaças.

Relação calma e facada na porta

A.P conta que, quando conheceu o ex-marido, Sérgio*, ouviu histórias sobre seu temperamento e as brigas explosivas que tinha com a ex-mulher.

“Conheci o Sérgio no Facebook, a gente tinha um amigo em comum. Começamos a conversar e nos aproximamos. Ele estava recém-divorciado, tinha terminado um casamento de 20 anos, morava com a filha, de 19 anos. Pouco tempo depois, fui morar com ele e com a filha dele, na Vila da Penha (Zona Norte do Rio). Era legal no começo, uma relação calma. A gente se dava bem, saía, se divertia, era tudo normal”, lembra ela, que o viu tendo uma reação violenta pela primeira vez durante uma briga com a filha.

“Ele gritou com ela, mandou ela sair de casa, falou coisas horríveis que não se dizem a um filho. Quando saiu, ela disse para mim ‘você vai descobrir quem ele é’. Eu achava estranho o fato de ainda haver muita coisa da ex-mulher na casa dele. O apartamento tinha marcas de facada na porta. Ele contava que a ex dele era louca, maluca, desequilibrada e que tinha tentado machucá-lo em uma briga“, diz ela, que acreditou que as brigas violentas fossem um episódio isolado na vida romântica de Sérgio.

Mas, pouco tempo depois, ela conta, o então companheiro começou a se mostrar muito controlador.

“Ele não deixava eu ter senha no celular, pegava meu aparelho, lia minhas conversas com a minha irmã, e, em qualquer conversa, via motivo para ciúme, sendo que não havia nada. A gente podia sair, mas só com os amigos dele. Ele não me deixava ir para a casa da minha família, em Inhoaíba (Zona Oeste). Tenho dois filhos, um de 24 e uma de 22 anos, e não podia vê-los, nem meus netos. Só se ele fosse comigo. Certo dia, ele arranjou uma confusão na minha casa e a minha família passou a rejeitá-lo. Assim, me isolei de todo mundo”, lamenta ela, que sofria com a distância dos filhos.

Por conta dessa situação, as brigas se tornaram cada vez mais frequentes, até que, com seis meses de relacionamento, A.P. diz que foi agredida pela primeira vez.

“Eu discutia porque queria ter uma vida normal, ver minhas amigas, ficar com a minha família. Eu só podia ir de casa para o trabalho, e ele marcava a hora que eu saía e chegava. Em uma discussão, ele partiu para cima de mim, me bateu, quebrou o dedo do meu pé”, relembra ela. Ela conta que, a partir desse momento, quis terminar a relação. Mas vieram as ameaças.

Uma DR com a faca do lado

“Quando eu comecei a falar em terminar, que não estava mais feliz e não queria mais, ele começou a me ameaçar. Conversava comigo com uma faca do lado. Mas meu maior medo não era eu. Quando eu estava no trabalho, ele me mandava foto da creche dos meus netos, mandava foto da minha filha, da porta da casa da minha família e dizia que se eu terminasse, ia sentir doer no pior lugar. Sempre me ameaçava dizendo que, se eu contasse para alguém, ele iria me matar”, diz ela que, com medo, passou três anos e meio nessa relação.

“Uma vez, a gente viajou e ele tentou agarrar uma amiga minha, esposa de um amigo dele. Ela me contou. Eu perguntei para ele e ele me bateu demais, fiquei toda quebrada. Ele me bateu na rua. Ninguém me ajudou. Rasgou minha roupa, cuspiu na minha cara. Tirou fotos em que eu estava nua, chorando, contra a minha vontade. Ele me mandou dizer no trabalho que tinha operado um dente para justificar o rosto”, conta ela, que, em novembro do ano passado, depois de uma crise de ciúme em que ele a colocou para fora, conseguiu, finalmente, dar um ponto final à relação.

“Ele tomou meu celular e me colocou na rua. No fundo, foi muito bom. Voltei para a minha família e contei a eles, finalmente, tudo que eu vinha sofrendo”, diz.

Depois do término, A.P. afirma que queria muito retomar sua vida e não pretendia denunciar o ex por agressão. Mas Sérgio, segundo ela, se negava a devolver seus pertences.

“Ele topou me devolver meu celular, mas não aceitava devolver as minhas roupas, queria que eu voltasse para ele de qualquer forma. E eu precisava das minhas coisas. Não podia deixar tudo para trás, eu saí com a roupa do corpo, estava pegando roupa emprestada para trabalhar. Aí, eu entendi porque tudo da ex-mulher ainda estava na casa dele quando começamos a namorar. Ele não deixava que ela pegasse as coisas dela, assim como estava fazendo comigo”, conta ela, que afirma ter conseguido pegar uma parte de seus pertences de volta com a ajuda de uma prima dele.

A história, no entanto, estava longe de ter um fim. O ex-namorado só aceitou entregar o telefone dela de volta porque havia hackeado o aparelho e seguia acompanhando os passos dela por meio de um rastreador e vendo todas as fotos dela na nuvem, conforme ela conta. E-mails, mensagens e redes sociais também eram acessados de forma irrestrita pelo ex, mas demorou para que ela entendesse o que havia acontecido.

Fotos nuas postadas sem autorização em rede social

Sérgio* começou, no Réveillon de 2019, com uma série de ataques virtuais. Ele teria invadido o Facebook de A.P. e publicado fotos dela nua e de calcinha e sutiã, no dia 31 de dezembro.

“Eu estava longe do meu celular, era ano novo e eu queria aproveitar. Muitas pessoas me ligaram para avisar, mas eu não vi. Até que, no dia seguinte, minha irmã me falou o que havia acontecido. Ele invadiu minha conta e postou no meu próprio perfil fotos minhas que ele tirou sem meu consentimento. Eu tomava remédios fortes para dormir por conta de tudo que passava, e ele se aproveitou do meu sono pesado para fazer fotos minhas sem roupa, sem eu perceber. Parece coisa de filme. Postou para todos os meus amigos verem. Foi muito humilhante”, conta ela.

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A descrição com telefone nos sites de acompanhantes Imagem: Reprodução

Ele teria postado o mesmo conteúdo em suas próprias redes sociais. A reportagem teve acesso à publicação e viu que os amigos de Sérgio* responderam com indignação, pediam que ele apagasse as imagens e parasse com o ataque virtual. Universa teve acesso, também, a áudios com graves ameaças supostamente enviados por Sérgio.

Perseguição virtual e descaso policial

“Dia 1° de janeiro, fui na 35ª DP, em Campo Grande (Zona Oeste), fazer uma denúncia, porque ele estava publicando fotos da rua da casa da minha família, onde eu estava. Os policiais me trataram como se eu quisesse fazer fofoca ou uma vingança contra o ex. Um delegado não estava nem aí, me avisou que tinha uma denúncia mais urgente para atender e que eu teria que esperar, embora não houvesse mais ninguém na delegacia. Esperei três horas e acabei desistindo”, conta ela.

A perseguição virtual não teria cessado. “No dia seguinte, amigos dele me procuravam pelo telefone e Facebook, dizendo para eu tomar cuidado, porque ele havia ligado para esses amigos dizendo que estava do meu trabalho, esperando eu sair para me matar. Nada disso era verdade, ele fez só para me apavorar”, diz ela, que procurou novamente a polícia.

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Ela também teve sua foto postada em aplicativos de paquera Imagem: Reprodução

“No dia 2, fui a 17ª DP, em São Cristóvão, perto de onde trabalho, mostrar as ameaças. O delegado disse que eu teria que voltar com todo aquele material impresso. Eu falei que voltaria, mas que se alguma coisa acontecesse comigo antes, a culpa seria deles, que nem quiseram me ouvir”, narra. De acordo com ela, só aí ela recebeu mais atenção. “Quando puxaram a ficha dele na delegacia, viram que já havia diversas outras denúncias contra ele, feitas pela ex-mulher”, diz ela.

Perfil falso em site de prostituição e Tinder e telefone tocando sem parar

Uma medida protetiva foi expedida, mas, para ter efeito, o documento precisaria ser assinado pelo acusado, que nunca foi encontrado. Além de ter seguido com as ameaças, ele teve, segundo a mulher, atitudes cada vez mais graves. A.P. conta que, no início de maio, Sergio* publicou fotos dela em dois sites de prostituição, o Skokka e o PhotoAcompa, com o telefone e o endereço reais.

“Meu telefone começou a tocar e homens perguntavam como marcar o programa que tinham visto anunciado. Meu número era funcional e eu tive que contar no meu trabalho o que estava acontecendo, porque não dava mais para trabalhar, era o dia inteiro o telefone tocando. Ele colocou o endereço da casa da minha família e todo tipo de homem começou a aparecer lá. Ficavam carros parados na rua”, conta ela, que teve muito apoio da empresa. Ela foi encaminhada para acompanhamento psicológico.

“Entrei em contato com os sites e expliquei a situação. Eles retiraram minhas fotos e meu perfil, mas não adiantou. Ele refez meu perfil inúmeras vezes, usando o número de telefone do meu irmão, da minha irmã, da minha filha e os endereços de todos os meus familiares. Minha filha teve que colocar uma placa na porta de casa avisando que não havia ponto de prostituição ali. Ele usou o endereço do meu trabalho. Apareciam homens na porta da empresa, que, graças a Deus, me apoiou muito, e os seguranças, sabendo do que eu estou passando, ajudaram. Mas imagina a minha vergonha. Todo mundo com quem trabalho sabe que esse homem tá fazendo isso comigo, uma mulher que sempre viveu de cabeça erguida. Hoje, ando olhando para baixo”, diz ela, que acabou tendo a família envolvida na história.

“Tive que mudar de número e de endereço, mas todos ficaram em risco por causa do que ele fez”, diz ela que teve, também, perfis falsos feitos em aplicativos de namoro, como o Tinder.

“Eram homens fazendo ligações de vídeo para mim o dia inteiro, foram mais de cem homens me procurando. Parece que ele ficou dedicado a fazer um ataque virtual contra mim”, diz.

Não parou por aí.

Fotos nuas e acusação falsa de assalto enviadas ao trabalho

“Ele entrou em um grupo de funcionários da minha empresa no Facebook, publicou que eu era uma prostituta que trabalhava lá, que ele havia me conhecido em um site de prostituição. Disse que eu havia marcado um programa na casa dele e assaltado a casa dele. Mandou a mesma história para o RH da minha empresa. Ainda bem que, lá, todos já sabiam o que estava acontecendo. Uma coisa maluca, de psicopata mesmo. Chegou a dizer que eu e minha filha o estávamos ameaçando, quando o que está acontecendo é justamente o oposto”, conta ela.

De acordo com ela, dia 13 de maio, A.P. foi, pela primeira vez, a uma Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher). No dia seguinte, 14 de maio, foi à DRCI, (Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática), que investiga o caso. Ela e sua advogada, Alexandra Bruna Muniz, também denunciaram o caso para o Ministério Público do Rio de Janeiro, mas até agora, ele segue solto, criando novos perfis.

“Em um caso como esse, uma medida protetiva é ineficaz porque o tipo de crime que ele vem cometendo é à distância, pela internet. Uma barreira física não é o suficiente. Ele não aparenta ter medo da lei, acha que vai sair ileso dessas condutas. Precisa ser preso”, diz Alexandra Muniz.

Em nota, a Polícia Civil afirmou que há um inquérito em andamento na DRCI.

“O caso foi registrado em maio e os procedimentos investigativos estão sendo realizados. A delegacia solicitou à Justiça a quebra de sigilos e aguarda a decisão judicial para tomar as medidas cabíveis”.

O MPRJ não respondeu até a publicação desta matéria. Caso haja resposta, a matéria será atualizada.

“Queria muito poder mostrar com o meu caso que vale a pena outras mulheres romperem com a violência. Que vale denunciar, ter coragem para dizer o que está acontecendo. Queria poder dizer que a Polícia e o Ministério Público estão fazendo algo por mim, para as pessoas que passam por isso acreditarem que elas também vão ser ajudadas, mas, infelizmente, não tem sido assim. É muito difícil gritar por ajuda e não receber”, diz ela. “Tenho medo que, no momento que essa matéria vá ao ar, eu já não esteja mais viva para ler”, fala, chorando.

*Sérgio teve seu nome alterado e A.P. teve sua identidade preservada nesta matéria porque ela tem medo. Ela espera o parecer técnico para expor a história e o agressor de forma aberta.

Fonte: UOL
Créditos: UOL