crime

Desde a sanção da lei, mais de 35% dos suspeitos de feminicídios não foram presos na Paraíba

Desde que a lei do feminicídio foi sancionada, em março de 2015, 158 feminicídios aconteceram na Paraíba até julho de 2020. Para a criminóloga paraibana Mariana Nóbrega, o problema é histórico. “Sempre foi um crime comum e muito recorrente. É difícil falar se agora ficou mais banalizado. Na realidade, as estatísticas sobre violência contra a mulher não letal são uma das questões mais complexas dentro dos estudos criminológicos, pela enorme quantidade de ocorrências que não chegam a ser denunciadas às autoridades e que, portanto, não compõem as estatísticas criminais”, explica. Do total de feminicídios que ocorreram nesses anos, 38% dos suspeitos ainda não foram detidos.

Desde que a lei do feminicídio foi sancionada, em março de 2015, 158 feminicídios aconteceram na Paraíba até julho de 2020. Para a criminóloga paraibana Mariana Nóbrega, o problema é histórico. “Sempre foi um crime comum e muito recorrente. É difícil falar se agora ficou mais banalizado. Na realidade, as estatísticas sobre violência contra a mulher não letal são uma das questões mais complexas dentro dos estudos criminológicos, pela enorme quantidade de ocorrências que não chegam a ser denunciadas às autoridades e que, portanto, não compõem as estatísticas criminais”, explica. Do total de feminicídios que ocorreram nesses anos, 38% dos suspeitos ainda não foram detidos.

Para as famílias que ficam após a morte de uma mulher por feminicídio, a prisão do suspeito é a única busca que não cessa. Não vai trazer ninguém de volta, mas em cada familiar é acionado um conceito que acaba permeando as suas vidas por muito tempo: justiça.

Foi assim com a família de Pâmela Bessa. Hélio José de Almeida Feitosa levou três meses para ser preso depois de espancar a esposa de 27 anos, que estava grávida, até a morte. “Fomos pegos de surpresa com tudo isso, mas a pior parte era saber que ele estava solto, vivendo como se não estivesse acontecido exatamente nada. Éramos muito revoltados, não tínhamos paz”, desabafa Bruna Bessa, irmã de Pâmela do Nascimento, vítima de feminicídio. A família só encontrou alento quando ele foi preso.

Segundo Bruna, uma das marcas de Pâmela era a alegria. Ela estava sempre alegre e sorrindo, talvez por isso fosse tão querida por todos. Era mãe de três filhos, um menino de 10 anos, outro menino de quatro anos e uma menina de sete anos. Pâmela estava esperando o quarto filho, com três meses de gravidez, quando foi assassinada.

A família não esperava que uma violência tão brutal como essa pudesse atingir alguém tão próximo. “Ela nunca falou nada, ficávamos sabendo por vizinhos e como morávamos em outro estado, não presenciávamos a violência”, detalha Bruna. Pâmela era vítima de um ciúme doentio, de abusos e violências diárias provocadas pelo marido. Ninguém sabia. E é no silêncio que o feminicídio destrói a vida de mais uma mulher. Para muitos, de repente. Para a vítima, o fim de um sofrimento.

Para o delegado Glauber Fontes, o caso de Pâmela é um caso típico de feminicídio. O marido era “possessivo, ciumento e de temperamento altamente agressivo”.

“Ela foi barbaramente assassinada. Alguns casos de feminicídio trazem certas complexidades, pois as próprias estatísticas criminais indicam que 80% dos crimes comuns são praticados em espaços públicos. Os casos de violência doméstica, no entanto, são praticados em ambientes privados, fechados. O que dificulta o esclarecimento e a investigação”, relatou.

Para Glauber Fontes, “a violência doméstica representa uma ideia de retrocesso a qualquer noção de civilidade. É lamentável que em pleno século XXI a gente tenha que se deparar, rotineiramente, com esse tipo de caso”.

Vítimas do patriarcado

Os dados apresentados aqui são da Secretaria de Estado da Segurança e Defesa Social (Seds) da Paraíba, solicitados via Lei de Acesso à Informação. Eles mostram que 62% dos feminicidas foram presos, mas deixam em alerta que a vulnerabilidade da violência contra a mulher ainda está à solta.

Mariana Nóbrega explica que as estatísticas sobre homicídio em geral no Brasil mostram que nossas polícias possuem grandes dificuldades para solucionar as mortes violentas, com porcentagens muito baixas de esclarecimento, que às vezes não passam dos 25%. Os feminicídios, no entanto, costumam, de fato, apresentar mais esclarecimentos, como analisou a também doutora em Ciências Criminais em sua pesquisa.

“Certamente as reivindicações feministas e as mudanças legislativas interferem positivamente no funcionamento da polícia e da Justiça, mas às vezes há apenas uma facilidade maior para se identificar a autoria dos crimes, pois eles decorrem, geralmente, de verdadeiras ‘mortes anunciadas’. É comum que haja um histórico de violência anterior entre duas pessoas íntimas que é facilmente identificável nas investigações, diferentemente de delitos decorrentes da criminalidade organizada, que exigem uma complexidade na investigação, por terem uma ampla gama de suspeitos”, detalha a criminóloga.

Assim como os casos são desvendados mais rápido, eles também acontecem rapidamente. Normalmente, há um histórico de violência que já faz parte da vida em comum entre vítima e acusado. Todos mergulhados em um só problema: o patriarcado, “um sistema de opressão de gênero que opera colocando o homem como centro do poder e das virtudes e posiciona as mulheres em um lugar de desvantagem e subalternidade. Isso certamente interfere sobremaneira nos dados de feminicídio”, descreve Mariana Nóbrega.

Pode parecer apenas um conceito, mas a criminóloga explica que o patriarcado interfere em todas as relações sociais e sua marca é visível quando há uma incidência bem mais significativa de violências sofridas por mulheres do que homens dentro das relações íntimas.

Lei do Feminicídio

Amanhã, dia 9 de março, a Lei do Feminicídio completa seis anos. Em 2015 entrava em vigor a Lei 13.104/15, que trata do assassinato de mulheres simplesmente por serem mulheres. A lei, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, considera feminicídio quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima.

A nova legislação alterou o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) e estabeleceu o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Também modificou a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), para incluir o feminicídio na lista.

Com isso, o crime de homicídio simples tem pena de seis meses a 20 anos de prisão, e o de feminicídio, um homicídio qualificado, de 12 a 30 anos de prisão.

Em 2020, um total de 93 mulheres foram mortas por crimes letais intencionais na Paraíba. Deste total, 36 casos estão sendo investigados como feminicídio. O número representa um percentual de 38,7% no número de feminicídios com relação aos assassinatos de mulheres, de acordo com a Secretaria de Estado de Segurança e Defesa Social.

Mas ainda existem muitas dificuldades para se avaliar os impactos dessa lei, porque, segundo a criminóloga Mariana Nóbrega, não há um entendimento uniforme sobre o feminicídio. Isso resulta num problema no tratamento dos dados sobre o crime, que acaba dificultando o diagnóstico sobre avanços ou retrocessos. Por não haver um entendimento mais ou menos unificado sobre o que seria feminicídio, não se sabe ao certo o que as pesquisas apontam.

“Por exemplo, esse delito abarcaria todas as mortes violentas de mulheres ou seria mais restrito? Seria um homicídio motivado por violência de gênero, mas o que seria essa violência? Parece-me que há consenso que seria o assassinato decorrente de conflitos de natureza doméstica e/ou sexual, mas, sobre outras formas de menosprezo e discriminação à mulher, as interpretações podem variar significativamente, ampliando ou restringindo em excesso o que seria esse crime, a ponto de as estatísticas ficarem confusas e pouco comparáveis entre si, por não haver consenso”, ressalta.

No entanto, a lei surge, também, para visibilizar um problema histórico, que por muitos anos foi negligenciado, especialmente sob o argumento de que os agressores cometeram os delitos para defenderem sua honra. “Ela surge, então, para coibir essas interpretações que por séculos reduziram a gravidade da questão, o que tem mobilizado a sociedade civil e os atores da justiça para melhorar o recebimento dessas demandas”, declara a criminóloga.

Fonte: G1
Créditos: Polêmica Paraíba