"um ano de saudade"

CRIME SEM RESPOSTA: Morte de estudante da UFPB em João Pessoa, completa um ano sem respostas sobre suspeitos e motivações

No dia 8 de fevereiro de 2020, o estudante de filosofia Clayton Tomaz Souza, o Alph, foi encontrado em estado de decomposição, com marcas de tiros, em uma mata às margens de uma estrada em Gramame, em João Pessoa.

No dia 8 de fevereiro de 2020, o estudante de filosofia Clayton Tomaz Souza, o Alph, foi encontrado em estado de decomposição, com marcas de tiros, em uma mata às margens de uma estrada em Gramame, em João Pessoa. Um ano depois do seu desaparecimento e assassinato, o crime não foi solucionando, e família, amigos e ativistas ainda se perguntam: quem matou Alph?

O delegado Alexandre Fernandes, da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil de João Pessoa, é o responsável pelo caso. De acordo com ele, um laudo pericial de DNA que estava pendente foi concluído, mas as novidades do caso estão em sigilo para que se possa concluir o inquérito policial com mais chances de sucesso.

Perseguições e denúncias

Natural de Arcoverde, interior de Pernambuco, Clayton morava em João Pessoa desde 2014, após ser aprovado no curso de filosofia na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Estudante ativo, integrou o Centro Acadêmico do curso por três anos, assim como o Diretório Central dos Estudantes (DCE), o Conselho Superior Universitário (Consuni) e a comissão da revisão estatutária da UFPB (Estatuinte) pelo CCHLA (Centro de Ciências Humanas Letras e Artes).

Alph era conhecido por sua essência de luta, que reivindicava a universidade como um espaço público, popular e cultural, exigindo uma mudança na política de segurança da UFPB. Com isso, ele começou a relatar perseguições, assim como denunciá-las de várias formas.
As denúncias começaram em 2016 e foram encaminhadas ao Ministério Público Federal. No dossiê, foram relatadas violências físicas, psicológicas, racistas, de gênero e sexualidade cometidas por parte de funcionários terceirizados e servidores da UFPB a alunos da universidade, incluindo Alph. O documento foi assinado por 23 órgãos, entre comitês, centros acadêmicos e coletivos.

Em um dos relatos, após uma festa prevista e devidamente autorizada para ocorrer no campus central da universidade, na Praça da Alegria, ele foi agredido fisicamente. Na manhã do dia 25 de março de 2016, Alph estava no Centro Acadêmico de Filosofia, organizando o local depois do evento, quando a Guarda Universitária teria invadido o local, abordando de forma violenta e injustificadamente o estudante.

Alph foi detido e relatou ter sido torturado por agentes terceirizados da segurança privada da universidade. Os guardas confiscaram, sem ordem oficial ou mandado, bebidas alcoólicas lacradas que restaram da festa, equipamentos de som e instrumentos e pertences pessoais do jovem. Uma pasta de documentos do seu computador que compilava denúncias acerca dos abusos dos guardas da UFPB também sumiu do local.
A Polícia Militar foi acionada pela guarda universitária e encaminhou o estudante para a Delegacia da Polícia Federal. Ele foi conduzido acusado de dano ao patrimônio público por grades da UFPB rompidas por pessoas que queriam entrar na festa e placas de formatura que foram quebradas nesse tumulto.
O dossiê com as denúncias foi recebido pelo MPF em 2016, quando foi instaurado um procedimento para apurar o caso. Medidas administrativas foram adotadas na UFPB, como identificação dos guardas nas fardas e realização de cursos em direitos humanos para eles. Depois, o procedimento foi arquivado.
Há um outro procedimento em curso, aberto em setembro de 2019, que está sob sigilo. De acordo com o procurador José Godoy, o procedimento nesse momento está em sigilo até que findem as investigações da Polícia Civil.
O jovem denunciava perseguições constantes dentro da universidade e publicou nas redes sociais denúncias sobre a equipe de segurança da UFPB. Em uma das publicações feitas por ele em uma rede social, escreveu, em 12 setembro de 2019: “guardinha terceirizado achando que é polícia, jurando que serve a um Estado. Ameaça minha pessoa, e a UFPB finge não ver. Meu sangue vai aspirar (sic) nas mãos de vocês, quando eles fizerem o que tanto dizem que farão, a mim e a outros e outras”.
Alph seria ouvido pelo MPF, a respeito do procedimento aberto em setembro, quando desapareceu no dia 6 de fevereiro foi encontrado morto com um tiro na nuca no dia 8.

Uma comissão foi formada pelo Conselho Universitário (Consuni) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) para acompanhar as investigações da morte de Alph. Conforme o relatório final apresentado, a comissão buscou informações que pudessem entender se houve, por parte de algum órgão ou instância envolvida, negligência. Porém, não se chegou a nenhuma informação sobre as motivações que levaram ao assassinato do estudante, tampouco quem o praticou.

A Procuradoria Federal da UFPB concluiu que, quanto aos aspectos criminais, até que seja formada a culpa num eventual processo criminal, não há quaisquer providências de competência da UFPB. Quanto aos aspectos administrativos, a depender do que for apurado e concluído quanto ao caso, o processo deve retornar a Procuradoria Federal para análise conclusiva.
O G1 perguntou à UFPB se alguma mudança foi feita na política de segurança da universidade depois das denúncias feitas por Alph. A instituição informou que aguarda a conclusão do inquérito da Polícia Civil para tomar as providências cabíveis, uma vez que esse tipo de procedimento também depende da conclusão do inquérito.
A irmã de Alph, Alexsandra Tomaz de Sousa, lembra do irmão com muito carinho. Sempre muito extrovertido, era engajado. Gostava de teatro, música, tocava na banda marcial da escola e participava de todos os eventos que a escola. Era o menor de todos, o irmão caçula. Tinha um carinho especial pelos filhos da irmã, que também o descreveu como o melhor tio do mundo.

“A falta que ele faz é indescritível, falta o ar, dói muito ainda. Todos os dias penso nele e em tudo que aconteceu. Infelizmente nada o trará de volta. O que posso fazer e farei até conseguir é buscar por justiça”, disse a irmã.

Também comunicativo e determinado, ela relata que o irmão adorava o curso de filosofia. A família tinha conhecimento das denúncias que Alph fazia e das perseguições que sofria, mas nunca imaginou que seu sonho de se graduar seria interrompido.
“A verdade é que é um estudante que fez denúncias, relatos de perseguição e das ameaças que sofrera. Inclusive sabemos que ele não era o único a sofrer perseguições. (…) Para agora, muito precisa ser esclarecido”, disse Alexsandra.
Para uma amiga próxima de Alph, a estudante de psicologia Marina Batista, a relação era algo que ultrapassa a amizade. Ele era também irmão, confidente e parceiro.
Ambos de Arcoverde, onde se conheceram, mantinham uma amizade à distância, ela em Recife e ele em João Pessoa. Marina conta que os melhores momentos com o amigo era qualquer um em que estavam presentes, seja viajando, no carnaval juntos ou em sua cidade natal. Falar do amigo sem se emocionar ainda é difícil.
“Alph era massa! Era parceiro, era amigo, era diversão garantida, era companheirismo, era lealdade. Ele era leal demais aos seus e acho que o papel dele em vida, em nossas vidas, foi muito bem pregado. Ele deixou um legado muito bom. Apesar da fatalidade, Alph deixou pra gente sinônimo de luta. Morreu lutando por causas, por pessoas, por questões, e era isso que ele era pra gente”, disse a estudante.

Depois de tanto tempo, o que faz falta é o sorriso de Alph e as trocas da amizade. Marina lembra de madrugadas adentro, quando Alph trazia textos de filosofia e os dois discutiam como ninguém. Tentar quebrar a cabeça pra entender a ideia dele ou fazer que ele entendesse as suas ideias, era uma partilha imensa. Estar juntos já era o suficiente e, hoje, a estudante vai tentando amenizar a falta do amigo.

“Estamos completando um ano sem respostas, um ano de saudade, um ano de sublimações. Vamos tentando sublimar as dores de alguma forma, mas em momento algum deixando de lado a sede por justiça”.

Em relato ao G1 em setembro, a mãe de Alph disse que desde cedo, o filho caçula se envolveu com atividades em prol da comunidade. O estudante planejava cursar direito após se formar em filosofia, para continuar lutando por justiça. Um ano depois de sua morte, a família ainda espera respostas com tristeza e muitas saudades.
A mãe de Alph preferiu não falar com a imprensa desta vez, mas já contou ao G1 que o filho sofria ameaças: “Durante seu tempo na UFPB, ele sempre lutou por Justiça em favor dos estudantes. Ele sempre falava que estava sendo ameaçado e que jamais iria desistir dos seus objetivos”, disse a mãe.

Alph é um nome que permeia a Universidade Federal da Paraíba, tanto pela sua atuação, quando pelas suas ideias, que seguem sendo semeadas dentro da instituição. Sua luta foi homenageada na Ocupa Alph, um movimento de protesto contra a nomeação do novo reitor Valdiney Veloso Gouveia, o último colocado na consulta online e que não teve nenhum voto na lista tríplice do Conselho Universitário (Consuni), mas que foi escolhido para assumir o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro.
Representantes do movimento explicam que o nome de Alph os acompanha, já que era um aluno diretamente ligado à luta estudantil da UFPB. “A gente acredita que levar o nome dele nessa ocupação é trazer esse espírito de luta e de resistência por uma nova política de segurança para essa universidade”, disse um dos alunos da Ocupa Alph.
“É por isso que sempre que a gente for fazer alguma coisa dentro da universidade, enquanto movimento estudantil, a gente vai lembrar dele. Porque foi uma morte política e ele era nosso amigo, era nosso companheiro e era também um estudante. Era também um ser humano, e precisava ser tratado como um ser humano”.

Para homenagear Alph, a família e amigos do estudante criaram um projeto solidário chamado ‘Ele lá e nós aqui’ para ajudar as pessoas carentes em Arcoverde.
Sempre lembrado

A Ocupa Alph promove na quarta-feira (10) um ato em memória do estudante chamado ‘Quem matou Alph? Um ano sem resposta’. Para os representantes do movimento, a morte de Alph é política e ligada a sua atuação. Por isso, é um ato também de denúncia contra violências sofridas por estudantes que atuam contra as mesmas estruturas de abuso que Alph denunciava.
A concentração do ‘Quem matou Alph? Um ano sem resposta’ começa às 15h30, na Praça do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba, que será renomeada com o nome de Alph, em sua memória.

“Ele foi assassinado e até hoje não há indícios de quem mandou matar Alph ou quem matou Alph. Esse marco é um marco político e histórico no movimento estudantil, para qualquer momento que se inicia na UFPB”, disse a Ocupa Alph.

 

Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: G1 PARAÍBA