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Pedro Castillo amplia vantagem no Peru; Keiko Fujimori fala em fraude

Com 94,92% das urnas contabilizadas, candidato da esquerda radical tem agora 98 mil votos à frente da candidata da direita conservadora. Observadores internacionais não veem fraude

Pedro Castillo continua a ampliar a sua vantagem sobre Keiko Fujimori na apuração da eleição presidencial no Peru na manhã desta terça-feira (8) e abriu uma diferença de 98 mil votos, em um pleito atestado por observadores internacionais.

A filha do ex-ditador Alberto Fujimori convocou jornalistas no fim da noite de segunda-feira (7) para falar, sem apresentar provas, sobre a existência de fraudes. “Estamos recebendo notícias de irregularidades e por isso pedimos a ajuda de vocês, eleitores e apoiadores”.

O partido de Castillo, o Perú Libre, rechaçou as acusações. “O Perú Libre jamais recorreu à fraude eleitoral. Ao contrário, sempre foi vítima dela, e, apesar de tudo, soubemos enfrentar e vencer”.

A Uniore (Missão de Observação da União Interamericana de Organizações Eleitorais) afirmou que o processo eleitoral foi “correto e bem sucedido, de acordo com padrões nacionais e internacionais”.

Rubén Ramírez Lezcano, chefe da Missão de Observação Eleitoral da OEA (Organização dos Estados Americanos) e ex-chanceler do Paraguai, disse que os dados recolhidos pela missão confirmam um resultado apertado e pediu que “quaisquer inconformidades sejam resolvidas pelos canais legais”.

Iván Lanegra, secretário-general da associação civil Transparência, afirmou a uma TV local que não se pode falar em fraude no processo eleitoral. “Cinco casos, que devem ser devidamente apurados, não implicam em hipótese alguma um indício que nos permita usar a palavra fraude”.

Eleição apertada

A candidata da direita conservadora chegou a liderar a corrida presidencial no início da apuração, com a contagem dos votos da capital Lima e das grandes cidades, mas foi ultrapassada pelo candidato da esquerda radical com os votos do interior.

Com 94,921% das urnas apuradas, Castillo tem 50,288% dos votos válidos, contra 49,712% de Keiko, segundo o Escritório Nacional de Processos Eleitorais (ONPE, na sigla em espanhol). São 8.575.987 votos a 8.477.817, uma diferença de apenas 98.170 votos para Castillo.

Pesquisa de boca de urna divulgada no domingo (6) havia indicado vitória apertada de Keiko, com 50,3% dos votos válidos (contra 49,7% de Castillo). Depois, o mesmo instituto de pesquisa passou a projetar Castillo à frente, com 50,2% (contra 49,8% de Keiko), após uma contagem rápida dos votos.

Castillo, de 51 anos, havia pedido calma após os primeiros resultados parciais, ainda no domingo (7), advertindo que ainda faltava contar “os nossos votos, da zona rural”. Keiko, de 46 anos, afirmou que a boca de urna deveria ser considerada com “prudência” porque a margem de diferença era “pequena”.

É a terceira disputa presidencial da filha de Fujimori, que tenta ser a primeira mulher a presidir o Peru. Na eleição de 2016, ela perdeu para o banqueiro Pedro Paulo Kuczynski por 50,12% a 49,88% e não reconheceu a derrota.

País em crise

Com projetos antagônicos, os candidatos chegaram ao segundo turno praticamente empatados nas pesquisas, após uma campanha marcada por incertezas e exacerbação de temores, o que elevou a cotação do dólar na sexta-feira (4) a um recorde de 3,9 soles.

Professor de escola rural e líder sindical, Castillo tem forte apoio nas áreas rurais do “Peru profundo” e liderou a disputa no primeiro turno, mas caiu nas pesquisas de opinião com o temor de peruanos que o país se transforme “em uma nova Venezuela”, devido a suas posições extremas.

Keiko tenta ser eleita a primeira presidente do país e entrou na política há 15 anos, quando assumiu a missão de reconstruir praticamente das cinzas o movimento político de direita fundado em 1990 por seu pai, que governou o país por dez anos de forma autoritária.

Quem vencer tomará posse em 28 de julho, dia em que o Peru comemora o bicentenário de sua independência. O país atravessa grave crise política — foram três presidentes em uma semana em novembro de 2020 — e sanitária.

O atual presidente é Francisco Rafael Sagasti, que assumiu interinamente após Martín Vizcarra sofrer um impeachment e seu sucessor, Manuel Merino, renunciar após cinco dias. Sagasti pediu a seus compatriotas “que respeitem escrupulosamente a vontade expressa nas urnas”.

Em 31 de maio, o governo peruano revisou os números da pandemia e anunciou que mais de 180 mil pessoas haviam morrido de Covid-19 no país, mais do que o dobro dos números oficiais.

Com a mudança, o Peru se tornou o país com o maior número de mortes por Covid-19 do mundo em relação à população.

São 5,6 mil óbitos a cada 1 milhão de habitantes, quase o dobro do segundo colocado (a Hungria, que tem 3 mil). O Brasil é o 10º pior, com 2,2 mil mortes por milhão, segundo dados do “Our World in Data”.

Keiko Fujimori

Keiko se coloca como representante da democracia e promete respeito à Constituição, mas o sobrenome Fujimori faz com que ela tenha muita rejeição — sobretudo porque ela ainda elogia o pai, Alberto Fujimori, que se elegeu presidente em 1990 e deu um “autogolpe” dois anos depois.

Fujimori está preso. Sua herdeira política também foi presa entre 2018 e 2020, com intervalos em liberdade, acusada de corrupção envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht, em um escândalo que atingiu políticos de diferentes partidos.

Keiko ficou muito perto de não passar para o segundo turno da eleição, após uma primeira votação bastante fragmentada. No campo da direita, os votos ficaram divididos principalmente entre ela e os candidatos Rafael López Aliaga e Hernando de Soto.

Com o segundo turno definido, ela afiou o discurso do temor de que o Peru pode “virar uma Venezuela” com Castillo, discurso teve muito eco nas cidades mais ricas, principalmente Lima.

Keiko conseguiu o apoio até do escritor Mario Vargas Llosa, que concorreu contra Alberto Fujimori em 1990 e é um dos maiores opositores ao fujimorismo.

O vencedor do Nobel de Literatura defendeu que uma vitória de Keiko seria a chance de o Peru continuar sendo um país democrático, contra o que classificou como risco de arroubos autoritários das propostas de Castillo.

Durante a campanha, a candidata do partido Força Popular priorizou o discurso de moralização na política e de combate ao crime, mesmo envolvida em escândalos de corrupção e tendo sido presa.

Ao longo do segundo turno, Keiko também fez aceno a outros grupos, para tentar diminuir a rejeição a fujimorismo, e prometeu respeitar a democracia e as instituições públicas peruanas.

Conservadora, ela se posicionou contra flexibilizar a legislação sobre o aborto, mas admitiu aceitar uniões civis entre pessoas do mesmo sexo.

Pedro Castillo

Aos 51 anos, Pedro Castillo surpreendeu no primeiro turno das eleições ao conseguir o maior número de votos em uma eleição bastante fragmentada. Com sucessivas crises políticas e quedas de presidentes, o Peru vive uma onda de descrédito em relação às principais forças do país.

Castillo se tornou nacionalmente conhecido em 2017, após liderar uma greve de professores de quase três meses por aumento dos salários — uma das bandeiras que ele manteve ao longo da campanha.

O lápis, inclusive, se tornou o símbolo de sua candidatura e do partido Perú Libre. O dirigente sindical também promete garantir “acesso livre às universidades”.

O candidato nasceu na pequena cidade andina de Puña, na província de Chota, onde os moradores costumam usar chapéu de aba larga, que Castillo adotou durante a campanha e no único debate presidencial. No domingo, ele foi votar a cavalo na região andina de Cajamarca, onde reside.

A votação de Castillo no primeiro turno foi muito forte no interior do país, em províncias pobres e majoritariamente agrárias, o que se está se repetindo no segundo turno. Mas ele sofre grande rejeição na capital Lima e nas maiores cidades do país.

Castillo chegou a prometer no início da campanha desativar o Tribunal Constitucional e dizia que a Suprema Corte do país defendia a “grande corrupção”. Ele também ameaçou fechar o Congresso se os parlamentares não aceitarem seus planos.

Ao longo da corrida presidencial, no entanto, Castillo mudou de tom e prometeu seguir a Constituição “enquanto ela estiver em vigor”, mas disse que buscará uma nova Assembleia Constituinte caso seja eleito.

Em relação aos costumes, Castillo adota postura mais conservadora: ele se recusa a legalizar o aborto, é contra o “enfoque de gênero” na educação e tem relutado em reconhecer os direitos de minorias sexuais.

Fonte: G1
Créditos: G1