pedido de proteção

Mexicanos buscam em Santa Muerte um feitiço contra a pandemia

Com as mãos levantadas para o céu, os devotos mexicanos rezam diante de uma enorme estátua de Santa Muerte, uma caveira a quem agora pedem proteção contra o coronavírus e seu flagelo econômico.

Devotees raise their arms next to a 22-meter-high figure of Saint Death during a ceremony at the International Sanctuary of Saint Death in the municipality of Tultitlan, Mexico state, Mexico, on October 04, 2020. – Mexican devotees have added the protection from COVID-19 in their prayers to Saint Death. (Photo by CLAUDIO CRUZ / AFP)

Com as mãos levantadas para o céu, os devotos mexicanos rezam diante de uma enorme estátua de Santa Muerte, uma caveira a quem agora pedem proteção contra o coronavírus e seu flagelo econômico.

O ritual acontece em Tultitlán, um vizinho da capital, onde uma imagem de fibra de vidro de 22 metros de altura foi erguida.

Coberto por um manto dourado, o esqueleto contrasta com o céu azul, e seus braços ossudos estão abertos como os de Cristo.

Assim como a marginalização e seus perigos levam muitos a abraçar Santa Muerte, a pandemia também incentiva o fervor por essa figura representada com uma foice afiada.

A veneração se estende a lugares como o populoso bairro de Tepito, na Cidade do México, reduto de culto onde centenas de pessoas visitam seu altar no primeiro dia de cada mês.

Suri Salas, um estilista trans de 34 anos, voltou ao bairro após meses de confinamento devido à covid-19.

“Vim agradecê-la por tudo que ela nos deu este ano, que não tem sido fácil por causa da pandemia (…) Felizmente, ela está sempre lá para nos apoiar”, diz Salas, que carrega uma figura com uma capa multicolorida.

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Em seu misticismo, alguns tatuam Santa Muerte no pescoço ou no peito e doutrinam crianças Foto: Claudio Cruz/AFP

Culto indígena

A peregrinação concentra-se em uma rua de Tepito, onde os fiéis chegam – mesmo de joelhos – com efígies que recebem como oferenda flores, doces e licores.

Ali, onde poucos usam máscaras e o tumulto impede o distanciamento, abunda o cheiro de maconha e a venda de estátuas, escapulários e velas da cadavérica.

Enriqueta Romero, que preserva em casa a imagem de dois metros, chega a receber estrangeiros, já que a crença atingiu os Estados Unidos e países da Europa e América Latina com os migrantes.

“Temos tantas necessidades que queremos nos agarrar a tudo”, acrescenta a septuagenária, que expõe a imagem desde 2001.

Em seu misticismo, alguns tatuam Santa Muerte no pescoço ou no peito e doutrinam crianças.

“Ela ‘te deixa desempregado’, te ajuda quando você está no fio da navalha ou com essa insegurança que mina a tranquilidade, a economia ou, no caso, a saúde”, diz Alfonso Hernández, cronista de Tepito.

Segundo historiadores, o culto remonta ao século 18, quando os indígenas veneravam um esqueleto no centro do México.

Durante dois séculos foi mantido em segredo e nos anos 1950 voltou à tona, principalmente na Cidade do México, com uma migração rural forçada pela pobreza, explica Bernardo Barranco, sociólogo das religiões.

A “menina branca” é igualmente reverenciada pelos criminosos, que a veem como um escudo.

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Segundo historiadores, o culto remonta ao século 18, quando os indígenas veneravam um esqueleto no centro do México Foto: Claudio Cruz/AFP

“Isso não nos torna imunes”

Para Barranco, essa devoção “é uma heresia católica e a adaptação a um mundo cruel e socialmente cruel”.

“Não é uma religião, é um culto (…), você pode ser católico, evangélico e ser seguidor dela”, completa o especialista. Vários são ao mesmo tempo crentes na Virgem de Guadalupe, padroeira do México.

Mas o catolicismo, que considera a morte um estado e não a personifica, condena essa prática.

Em fevereiro de 2016, no que alguns interpretaram como uma alusão ao culto, o Papa Francisco disse no México que estava preocupado com aqueles que se vestiam com “símbolos macabros para comercializar a morte”.

Mas isso não parece importar para Rodrigo Oliva, um fotógrafo de 28 anos que viaja 70 km da capital até Tultitlán para a oração de domingo no Santuário Internacional de Santa Muerte.

Ele professa a religião afro-cubana de Palo Monte, mas como seu templo fechou devido à epidemia, ele visita este lugar.

Com a covid-19 “tem mais gente que se aproximou de uma seita (…) Rezamos a ela para nos proteger, mas isso não nos torna imunes”, admite.

Aqui a máscara, a medição da temperatura e o distanciamento são obrigatórios para prevenir infecções.

“Com a pandemia, mais devotos quiseram vir (…) para pedir saúde e proteção para suas famílias”, diz Cristel Legaria, 30, líder do santuário.

O México é o quarto país com mais mortes em números absolutos devido ao novo coronavírus: 84 mil. Até agora, o país já registro mais de 800 mil infectados.

Fonte: Estadão
Créditos: Polêmica Paraíba