Covid-19

Goleiro do Campinense relata incertezas de atletas no “Lado B” do futebol

No Brasil, em meio aos estaduais e a Copa do Nordeste, as federações decidiram pela suspensão prévia das disputas com os primeiros casos confirmados do novo coronavírus.

O que ainda não se sabe é quando as atividades devem voltar e se vão de fato retornar. Isto porque, a contaminação pelo Covid-19 tem se propagado rapidamente e, segundo previsões do Ministério da Saúde, o quadro ainda está distante de alcançar seu pico no país.

Enquanto convivem com o medo pela contaminação da doença, os jogadores do futebol que não aparecem nos holofotes midiáticos, de campeonatos estaduais marginalizados dos grandes polos, também convivem com o medo e a incerteza do seu futuro.

Na Paraíba, a presidente Michelle Ramalho, da Federação Paraibana de Futebol (FPF), informou na última quinta-feira que, por ora, o estadual terá continuidade após a pandemia ganhar contornos de controle.

Alguns clubes como o Nacional de Patos e o Sport Lagoa Seca, porém, pedem pelo cancelamento da edição sem rebaixamento – o Naça briga contra a queda e o Sport-PB antecipadamente já caiu – ou campeão.

Com a suspensão e sem data de retorno definido, os clubes precisam manter seu elenco mesmo que as atividades estejam paralisadas.

A manutenção da estrutura acaba se tornando inviável para as agremiações que não possuem renda fixa, como o Botafogo-PB, por exemplo.

Esses clubes enfrentam problemas financeiros e dependem quase que exclusivamente das rendas dos jogos para provimento de suas contas.

Para os profissionais que precisam do salário para viver, sobreviver e manter suas famílias, a incerteza sobre o futuro é preocupante.

Longe da pompa da vida de jogadores que são pauta diária nos meios de comunicação, a vida de atletas da periferia do futebol não tem glamour e nem certificações sobre o cumprimento de contratos, por exemplo.

Nesse mundo marginal, a maioria deles usa os estaduais realizados no primeiro semestre do ano como uma vitrine para conseguir contrato com algum clube na segunda parte do ano, seja em alguma divisão do Campeonato Brasileiro ou em Copas ou segundas divisões estaduais.

Sem a vitrine e sem saber como será o formato do Brasileirão que pode, segundo a CBF, sofrer alterações, os atletas podem ficar parados e sem ter como manter a renda e suas famílias.

Adilson Júnior, goleiro do Campinense na temporada, é um dos que temem o futuro.

Pai de família, o arqueiro precisa do salário mensal para cobrir os gastos com a casa e com a família. O jogador avalia a paralisação como importante em termos de saúde, mas com inúmeros problemas para os profissionais.

– Futebol, muitos sabem que não é só o que os meios de comunicações mostram. Poderia ser muito melhor para nós atleta de times de menor expressão se os órgãos e os dirigentes  que gerem o futebol olhassem com o mesma atenção ou até maior atenção que é dada aos de grandes clubes. Nossa situação é muito mais preocupante e complicada pois a maioria dos jogadores vivem do mês a mês (muitas vezes não são pagos [salário] em dia). Como profissional, isso acarreta vários problemas. A falta de pagamentos que já estavam atrasados antes das intervenções relativas a pandemia, insegurança com relação ao contrato e ao seguimento dos campeonatos. E, no meu caso específico, indefinição se continuo na cidade de Campina Grande ou se terei que voltar para o estado de origem, o Rio de Janeiro, que hoje encontra-se parcialmente fechado – declarou.

Longe do núcleo familiar, muitos jogadores estão isolados pelo país e sem o apoio preciso. Além disso, ter o futebol como profissão, sendo o único meio de renda da grande maioria dos atletas, só pioram as previsões de futuro.

– Diferente de outros trabalhadores, nós estamos longe de família e ficamos dependentes do clube honrar com os pagamentos. Independente de quarentena, temos despesas diárias e mensais. No meu caso, ainda maior porque tenho um filho de 2 anos. Hoje, o meu único rendimento é proveniente da profissão. Se o campeonato parar, tenho contrato com o clube até novembro e isso me deixa um pouco mais seguro desde que os pagamentos sejam efetuados. Acredito que suspendendo os contratos, teria que fazer um acordo para quem tem contrato maior que 5 meses. Essa questão temos que esperar para saber as medidas que serão tomadas – ressaltou.

Compreendendo a situação precária dos clubes em manter a própria estrutura funcionando, Adilson acredita que a solução, no momento, não deve cair apenas sobre o colo dos clubes, principalmente no regime contratual nos estaduais de menor porte, como o Paraibano.

Neste cenário, os jogadores fazem parte do montante de 41,4% da população brasileira que ocupam trabalhos informais.

O número equivale a 38,4 milhões de pessoas da população ocupada em 2019, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (Pnad-C), do IBGE. E, sendo assim, não possuem direitos que são assegurados aos trabalhadores de carteira assinada como o seguro desemprego.

– Nesse momento, os únicos que não podem ser prejudicados somos nós atletas que temos contratos curtos e salários baixos. Na minha opinião, o correto seria sindicato, Federação e CBF, que são órgãos responsáveis pelo Futebol Brasileiro, arcar hoje com mínimo que seria a folha salarial pelo período que durar a pandemia. E quanto aos clubes, eles ficam sem planejamento e recursos para dar continuidade durante este ano – falou o goleiro.

A opinião pela intervenção das entidades organizadoras das competições também é estendida para o cenário além dos gramados. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) avalia que mais de 25 milhões de pessoas em todo o mundo que devem perder o emprego a curto prazo já neste período de primeiro impacto do coronavírus.

Segundo a organização, o número pode ser ainda maior caso os governos não ajam rapidamente com medidas urgentes para proteger os trabalhadores e seus locais de trabalho. Em comparação, a crise financeira global de 2008/2009 aumentou o desemprego global em 22 milhões de pessoas. Ou seja, a previsão de impacto no mercado de trabalho em decorrência da epidemia é ainda maior.

O Campinense foi o único time paraibano que, em meio a epidemia global, suspendeu as atividades por tempo determinado de dez dias.

Até o momento, os jogadores devem se reapresentar para tentar definir o futuro dos atletas. Adilson Júnior, em entrevista ao Voz da Torcida, informou que os dirigentes da Raposa deram um prazo de quinze dias, independentemente do cenário do avanço da doença no estado, para saber como será a sequência.

Na última semana, o presidente Paulo Gervany concordou com a presidente da FPF em dar continuidade a competição.

– A apresentação foi marcada para sabermos se vai continuar a competição ou se vai continuar suspensa por tempo indeterminado. Sobre o pagamento esperamos que seja solucionado o quanto antes, eles disseram que estão buscando recursos para solucionar o problema – ressaltou Adilson Júnior.

Além do goleiro, milhares de jogadores no Brasil passam pelo problema de não saber como será o futuro e se estarão empregados. O único pedido feito é para que as pessoas passem a olhar para este submundo esportivo em que os trabalhadores precisam do dinheiro mês a mês para sobreviver. O governo federal, em um de seus primeiros atos após assumir a presidência, extinguiu o Ministério dos Esportes, que tinha no Bolsa Atleta uma maneira de subsidiar esportistas em situações de necessidade, como a que ocorre no mundo com a pandemia do Covid-19.

– Espero que tudo isso que vem acontecendo possa servir de reflexão em relação a essa maioria de jogadores que estão hoje em clubes de menor expressão – finalizou.

Fonte: Paraíba Online
Créditos: Polêmica Paraíba