opinião

SEXO VIRTUAL: Acompanhei uma festa de sexo pelo Zoom e senti saudade de aglomerações - Por Marie Declercq

Conhecendo a internet como um território hostil, admito que a festa me parecia uma boa receita para o desastre — como, no dia seguinte, ficar sabendo de pessoas que tiveram seus nudes compartilhados sem autorização.

Criados antes da pandemia, os grupos de sexo seguem mais operantes do que nunca durante a quarentena. O período de isolamento os fez ganhar força. As rodadas de nudes acontecem no WhatsApp; reuniões maiores e mais quentes, no Zoom. E, como a ideia é compartilhar afeto, quem participa afirma se sentir à vontade para conversar e desabafar.

Perto das 23h de um sábado, coloquei minha máscara de sair na rua para participar anonimamente de uma festa virtual organizada pelo coletivo Sento Mesmo, onde estava liberado fazer sexo virtual e o que der na telha.

As poucas exigências dos organizadores eram:
1) não apoiar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido); e
2) não tirar print da tela e expor os participantes

Conhecendo a internet como um território hostil, admito que a festa me parecia uma boa receita para o desastre — como, no dia seguinte, ficar sabendo de pessoas que tiveram seus nudes compartilhados sem autorização.

Surpreendentemente, tudo correu bem. Durante três horas batalhando contra o meu costume de dormir cedo (mesmo nos fins de semana), assisti a casais e pessoas de diferentes identidades e orientações sexuais se exibindo em uma sala fechada no Zoom.

A festa aconteceu em 30 de maio e era necessário preencher um formulário para conseguir um ingresso. Nessa época, a quarentena estava em seu pico, com muita gente trancada em casa e já acostumada em ver toda a sua vida social e profissional ser transferida para a tela de um computador ou celular. Ainda não se falava da tal “fadiga da quarentena” que hoje já está sendo discutida até entre as rodas mais esclarecidas.

Uma festa virtual é mais uma muleta para a gente não entrar em parafuso. Até eu que não sou muito chegada em festa, balada, tumulto e aglomeração, fiquei animada de poder ver gente que nunca vi na vida pela primeira vez desde meados de março. Claro que todo o ato de me arrumar, passar maquiagem e estar aberta para me excitar com estranhos transando pelo Zoom me pareceu capitalismo tardio demais para meu cérebro quarentenado. Mas, pensando melhor, o que não é capitalismo tardio demais desde que a pandemia começou? Até ir ao mercado parece um capítulo de ficção científica.

A festa começou de verdade depois de uma apresentação pré-gravada de um pornô amador bissexual ao som de faixas do “Chromatica”, lançado no mesmo dia da festa, pela Lady Gaga. Depois disso, grande parte dos participantes ligou a câmera — alguns tapando o rosto e outros usando máscaras, para começar a farra. Uma DJ de calcinha e body transparente aparecia de vez em quando na tela para dar uma sensação ao participante de que estava em uma festa de verdade e, de forma randômica, o Zoom colocava em destaque a imagem de alguns participantes para todo mundo presente na sala. Havia um pouco mais de cem pessoas presentes.

Nos primeiros minutos, caiu por terra a proposta de anonimato. Por mais que desse para tapar o rosto, os nomes reais de cada pessoa apareciam para todo mundo na sala. Isso poderia ter acabado a festa ali mesmo, mas o pessoal fez um voto de confiança no chat de que ninguém ali registraria indevidamente as imagens. Em solidariedade aos demais, abri a câmera e tirei minha máscara para deixar meu rosto exposto.

Depois de quase uma hora, o sexo virtual começou a dominar. Quem não estava com seu par, exibia-se se masturbando ou dançando pelado no quarto. Às vezes alguém fazia um pouco mais de sucesso e os participantes pediam “melhora o ângulo” ou “mostra mais” no chat coletivo mantido pela festa. No geral, a festa contou com dezenas dos chamados “santa ceciliers”, mas seria injusto da minha parte em dizer que ela se restringiu a só esse perfil. Se fosse resumir, a festa parecia o PornHub no modo aleatório. Havia de tudo: gays, lésbicas, héteros, magros, gordos, pessoas trans, moderninhos, normaizinhos, brancos, pretos, velhos e novos.

No chat, além dos pedidos para ajustar a câmera, muita gente reclamava de carência e saudade de poder fazer sexo casual fora de casa. Quando alguém se animava e dava a entender que não teria problemas de se encontrar na vida real, alguém advertia: “Nem se atreva, fica em casa!”

O ponto alto foi quando todo mundo descobriu que havia um participante que estava internado no hospital. Ele apareceu com camisola, tubos e tudo que tinha direito. Essa pessoa não chegou a se pronunciar na chat da festa, mas mandou apenas um aceno tímido para a câmera. Naquela hora, pensei o quão solitário deve ser estar internado durante uma pandemia, por qualquer motivo que seja. Quem sabe a festa não salvou sua noite?

Não fiquei até o fim porque, depois de um tempo, não tinha mais como ver algo diferente, além do que já estava rolando. Por fim, as pessoas deram uma cansada de dançar ou transar e ficaram ali, na frente da câmera, dando uma dançadinha para não desanimar. Caindo de sono, desliguei o Zoom e no dia seguinte dei uma olhada no grupo de WhatsApp organizado com todo mundo que participou da festa, e descobri que teve quem ficou por lá até seis da manhã.

A situação ali não chegou a me animar a ponto de ter coragem de me mostrar (vamos fingir que minha desculpa ali era estar trabalhando), mas foi divertido descobrir que existe pelo menos um espacinho na internet que permite uma interação sexual saudável entre estranhos sem ódio ou frustração.

No mais, isso jamais conseguirá substituir todo o perrengue divertido que é ir a festa. O que a festa de sexo pelo Zoom me fez sentir mesmo é uma saudade enorme de aglomeração e calor humano, madrugada adentro. Isso nada consegue substituir.

 

Fonte: UOL
Créditos: Marie Declercq