Dia da Consciência Negra

Para ter representatividade, indústria do cinema precisa de prazos e cotas, dizem cineastas

Diretor Jeferson De, diretora Sabrina Fidalgo e diretor e roteirista Renato Candido relatam gargalo do financiamento para profissionais negros no Brasil. Histórias são importantes, mas solução vai além, defendem

Para que o cinema brasileiro seja mais representativo e inclusivo para artistas e profissionais negros, não basta boa vontade da indústria, é preciso disciplina e comprometimento com metas, prazos e cotas.

Este foi o consenso a que chegaram o diretor Jeferson De; a atriz e diretora Sabrina Fidalgo; e o diretor e roteirista Renato Candido em entrevista ao G1 neste Dia da Consciência Negra.

Para os cineastas, narrativas e personagens negros são importantes, mas não suficientes para garantir um cinema mais plural no país.

Em seu novo filme, que estreia em 3 de dezembro, Jeferson De adaptou o livro homônimo “M-8 – Quando a morte socorre a vida”, de Salomão Polak, para abordar racismo, cotas e a “força da ancestralidade” por meio da religião, com um elenco formado por Zezé Motta, Lázaro Ramos, Ailton Graça, Mariana Nunes, Rocco Pitanga e Juan Paiva.

Mas ele diz que isso só se torna possível quando diretores negros têm autonomia em seus projetos.

“É preciso dar oportunidade aos criadores negros para que contemos nossas próprias histórias. Não só como objetos da criação, onde sempre estivemos, mas como sujeitos da criação artística.”

Fidalgo, diretora de “Rainha” e “Alfazema”, defende uma produção plural, que incorpore as lutas de movimentos, mas que também permita falar de temas universais.

“O que devemos é possibilitar infraestrutura para que realizadores negros brasileiros possam contar suas próprias narrativas, sejam elas quais forem, inclusive autorais, futuristas ou abstratas. Não somente reproduções de violências, misérias e lutas. Não somente questões relacionadas ao racismo. Isso é um problema da branquitude, não nosso.”

“Em termos de narrativa, só o fato de termos mais e mais histórias contadas por pessoas negras, sejam elas quais forem, já refletem a luta contra o racismo em si, pois a principal faceta do racismo é a ausência”, diz a diretora.

É preciso ir além da questão retórica, defende Jeferson. De acordo com o cineasta, muitas pessoas já estão conscientes de que mudanças precisam ser feitas, mas o que tem faltado é um comprometimento com a realização delas.

“Tem pouca gente fazendo cronogramas e datas para esta transformação. Os grandes executivos precisam dar uma precisão para a questão retórica. Tem que ter um ano específico, não a perder de vista”, diz.

Para o diretor, empresas e órgãos brasileiros precisam seguir o exemplo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, que estabeleceu novas exigências para que produções sejam indicadas à categoria de melhor filme do Oscar a partir de 2024.

Para concorrer à principal categoria do Oscar, um filme precisa ter membros de minorias em papéis de protagonistas ou coadjuvantes; a narrativa principal focada nestes grupos; um número determinado de membros de grupos pouco representados em cargos de liderança; ou 30% da equipe geral formada por membros destes grupos, entre outras exigências.

O gargalo do financiamento

Os entrevistados elegeram o acesso ao financiamento de filmes como um dos problemas mais urgentes do mercado audiovisual brasileiro.

“Em tempos de Embrafilme (1969-1990), tivemos três cineastas negros que conseguiram financiar suas produções com a empresa: Afrânio Vital, com “Os Noivos” (1979); Valdir Onofre, com “As Aventuras Amorosas de um Padeiro” (1975); e Antônio Pitanga, com “Na boca do mundo” (1979)”, conta Candido.

“No período da retomada do cinema brasileiro, depois do Prêmio do Cinema Brasileiro em 1992 e também com a existência da Lei do Audiovisual, de 1993 até o ano 2004, não tivemos qualquer cineasta negra ou negro conseguindo viabilizar suas obras por meio destes mecanismos”, complementa o roteirista.

O cineasta defende a adoção de editais voltados para profissionais negros e cotas nas chamadas do Fundo Setorial do Audiovisual.

Sabrina Fidalgo também cita a destinação de verba especialmente para cineastas negros como primeira alternativa.

“Tem que ser na mesma proporcionalidade equivalente à porcentagem populacional ou seja, 56% ou mais. Só institucionalizando cotas raciais teremos uma mudança paradigmática, rápida e eficaz nesse sentido”, diz.

Para os cineastas ouvidos pelo G1, essa iniciativa não tem que ser apenas estadual, mas também das empresas privadas. Eles defendem que as empresas de cinema e streamings passem a valorizar produtoras com corpo societário negro na hora de pensar em novos projetos.

“É uma forma desse investimento percorrer cadeias de produção que contemplem e agreguem pessoas negras. Dinheiro circulando em mãos negras e valorizando outras pessoas negras em suas profissões é uma das formas de enfrentar o racismo em nossa sociedade”, diz Candido.

“Não dá mais para pessoas negras serem contratadas por empresas produtoras de corpo societário branco como forma de enfrentamento ao racismo.

Nesta sexta (20), a TV Globo exibe o especial “Falas Negras”, com 22 depoimentos de pessoas que lutaram contra o racismo e pela liberdade, dirigido por Lázaro Ramos. O programa vai homenagear Nzinga Mbande, Martin Luther King, Malcom X, Angela Davis, Marielle Franco, Mirtes Souza, mãe do menino Miguel, e Nelito Mattos Pinto, pai de jovem João Pedro.

No elenco, estão Fabricio Boliveira, Babu Santana, Guilherme Silva, Ivy Souza, Naruna Costa, Tais Araujo, Heloisa Jorge, Barbara Reis, Mariana Nunes, Izak Dahora, Silvio Guindane, Olivia Araujo, Reinaldo Junior, Aílton Graça, entre outros. O especial vai ao ar após “A Força do Querer”.

O Memória Globo também vai celebrar a data com um especial que une novas e antigas gerações de atores negros da Globo. Lázaro Ramos, Taís Araújo, Erika Januza, Juliana Alves, Luis Miranda e Babu Santana homenageiam Ruth de Souza, Milton Gonçalves, Léa Garcia, Dhu Moraes e Tony Tornado.

Fonte: G1
Créditos: G1