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Juliette transforma chapéu de couro em objeto de desejo e artesãos faturam

"Juliette reacendeu a economia do couro. Acho que ela nem tem noção do quanto influenciou o mercado nordestino. Ela aguçou até quem não usava chapéu a comprar a peça. Deu coragem pro povo, sabe?", comenta o artesão Roosevelt Fernandes, também conhecido como Gibão

Na cabeça de vaqueiros, cangaceiros, de Luiz Gonzaga e agora na de Juliette Freire, o chapéu de couro é o grande símbolo do sertão e da cultura nordestina. Antes de a paraibana ganhar o Brasil no BBB21, o item andava um pouco esquecido no imaginário popular e, graças à rainha do cactos, voltou com força, impulsionando um setor que estava estagnado por conta da pandemia.

“Juliette reacendeu a economia do couro. Acho que ela nem tem noção do quanto influenciou o mercado nordestino. Ela aguçou até quem não usava chapéu a comprar a peça. Deu coragem pro povo, sabe?”, comenta o artesão Roosevelt Fernandes, também conhecido como Gibão.

O artista tem uma loja que vende peças de couro na Vila do Artesão, ponto turístico de Campina Grande, onde Juliette nasceu. Normalmente, nesta época do ano, Gibão estaria faturando com chapéus para as festas de São João. Até o BBB colocar o acessório em destaque, a oficina andava parada, reflexo da pandemia. Agora, o faturamento cresceu 70%.

“A cantora Marinês usava cada chapéu bonito… Gonzaga também! Mas há tempos não víamos alguém levar nosso símbolo para o âmbito nacional, Juliette trouxe uma importância que há muito tempo não tínhamos”, afirma. De fato, seja acessório, livro ou canção, tudo que a rainha dos cactos toca se torna hit.

Com pedraria e cristais, a coroa é de couro

Quando a artesã paraibana Laís Ribeiro decidiu customizar uma peça para a conterrânea Juliette Freire, não imaginava que veria seu trabalho desfilando na Globo. “A gente mandou o acessório como forma de presente. Não sabia se e de que forma ela receberia o chapéu, se ia abrir a caixa, se ia usar, se ia postar foto com ele.”

“Foi uma surpresa enorme. Lembro que ela chegou nos Estúdios Globo com o chapéu na mão, em uma sexta-feira. Fiquei super feliz!”, lembra. Desde que Juliette usou o chapéu da marca de Laís, o item virou sucesso. A rainha dos cactos foi com ele no “Domingão do Faustão”. “Teve até gente de fora do país encomendando a peça”, diz, surpresa.

O chapéu que Laís deu para Juliette demorou dois dias para ser customizado. A peça contém strass, pedraria e cristais que foram bordados à mão. Cada modelo custa R$ 599 e a fila de espera para adquirir um modelo igual ao da ex-BBB pode chegar a 20 dias. “Já tive que contratar mais duas funcionárias para o ateliê, a demanda está gigante”, relata.

“De um dia para o outro meu ateliê virou uma loucura, WhatsApp bombando, ganhamos 10 mil seguidores no Instagram, recebemos inúmeros pedidos. Não esperava por isso.”

A peça de couro foi o principal símbolo dos cangaceiros, mas, ao contrário do que muitos pensam, não foi criada por eles. A origem é ainda mais antiga e remonta à cultura do vaqueiro. É o que explica Gibão (o apelido de Roosevelt, inclusive, é o nome da jaqueta de couro típica do vaqueiro): “Tanto o chapéu quanto o gibão eram ferramentas de trabalho do sertanejo. Era assim que ele entrava no mato, em cima de um cavalo, inclinando o corpo para a frente e, protegido pelo couro, cruzando a caatinga sem se machucar”.

Para os cactos, tiaras

Inspirado na ex-BBB, Gibão decidiu criar um novo produto: as tiaras Juliette, acessório de cabelo menor e mais delicado que pode ser usado “sem que a mulher estrague o cabelo”, como explica o artesão.

“Tem muita mulher que não gosta de colocar o chapéu na cabeça depois de pentear o cabelo, foi por isso que criei as tiaras. Se não houvesse pandemia, seria sucesso no Parque do Povo. Todo São João as pessoas usam”, explica. Cada acessório custa R$ 45 e pode ser comprado sob encomenda.

Assim como Laís, ele também criou um chapéu personalizado para Juliette, que foi usado e divulgado pela paraibana em suas redes sociais. “O modelo tem as cores da Paraíba. Vi que ela amava muito os cactos, então inclui o desenho dos cactos e bordei a frase: ‘não nego minhas origens’ — que foi o que ela mais fez no BBB. Na frente, desenhei as três estrelas de Salomão, que na nossa cultura, do homem do cangaço, é o que espanta o mau-olhado”.

O modelo demorou 15 dias para ser produzido. “Como o bordado é no couro, precisa ser feito à mão e demora mais”, justifica. A peça custa R$ 650. “A imperfeição é que dá o valor, cada item é único”, diz. Para o artista, o verdadeiro valor do chapéu de Juliette é até maior: ver a cultura nordestina se espalhar pelo Brasil inteiro.

Juliette Maria Bonita Freire

Rolando a timeline de Juliette no Instagram —que com 30 milhões de seguidores se tornou a ex-BBB com mais followers da história— é fácil encontrar fotos da paraibana fantasiada de Maria Bonita, companheira de Lampião. Na opinião da jornalista e autora do livro “Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço”, Juliette pode, ao se apropriar de uma peça símbolo do movimento, ressignificar o que o cangaço representou para as mulheres.

Ela explica que Maria Bonita foi, na verdade, a primeira e uma das únicas mulheres que escolheu ser cangaceira. “Muitas foram sequestradas novas (com 11, 12 anos) pelos cangaceiros, que as transformavam em propriedade. Elas não pegavam em armas, não participavam das lutas, eram usadas apenas para sexo, trabalhos manuais e, se engravidassem, obrigadas a abandonar os filhos”, conta.

Adriana reforça a importância de mudar a visão romantizada e anacrônica com que muitas vezes se representa o movimento. “O cangaço é complexo, muitas vezes lido de uma maneira maniqueísta. De fato, as mulheres do cangaço não eram feministas nem de longe. Elas se odiavam entre si. Porém, vale ressaltar que eram mulheres de muita força. Quando saíam de casa, não podiam mais voltar para a família, porque eram vistas como bandidas pela sociedade. Ficavam abandonadas.”

“As mulheres no cangaço foram representadas como se fossem uma espécie de Joana D’Arc da caatinga, mulheres muito empoderadas e cheias de si. Tanto é que hoje vários coletivos feministas que se chamam Maria Bonita. A vida das mulheres no cangaço tinha tudo, menos feminismo.”

Mas a jornalista não acredita que Juliette tenha usado a peça para homenagear o cangaço. “O chapéu também é símbolo de uma identidade que precisa ser fortalecida. Imagino que, ao usar a peça, ela não esteja enaltecendo o Lampião, mas sim o Nordeste.” Sobre as ofensas e deboches que Juliette recebeu por causa do acessório, ela acrescenta: “Essa ridicularização parte do mesmo olhar soberbo de quem acha que o que vem do Nordeste é inferior. São motivos preconceituosos”.

A artesã Laís Ribeiro concorda: “Juliette está ressignificando o chapéu com a força da mulher, com a persistência, a batalha. Ela levantou bandeiras no BBB, trouxe visibilidade para o Nordeste, ressignificou a fala, a cultura, quebrou vários paradigmas. Não acho que ela está reforçando estereótipos, pelo contrário. Não interpretamos o chapéu como algo menor, ele é a nossa coroa.”

 

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Fonte: UOL
Créditos: UOL