Bela Gil propõe taxar Coca-cola como se taxa cigarro

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A chef Bela Gil compartilha receitas e propõe substituições inusitadas para ingredientes industrializados, como açúcar, sal e leite, em livros e nos programas que apresenta na TV e na internet. Fora da cozinha, usa desodorante com leite de magnésia e pasta de dente com cúrcuma. As trocas – às vezes aplaudidas, às vezes criticadas – são um fenômeno nas redes sociais. Inspiraram até a criação de divertidos memes com a frase “você pode substituir.”

No dia 25 de fevereiro, Bela convocou seus mais de 580 mil seguidores no Facebook a participar de uma consulta pública feita na internet pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): “A Anvisa encerra hoje a chamada pública para votação a favor ou contra a suspensão do agrotóxico Carbofurano. A proibição dele não está vencendo! Precisamos nos mobilizar!”, escreveu.

Meia hora e milhares de curtidas depois, Bela conseguiu virar o resultado. A proibição, que estava perdendo com 29% dos votos, ganhou com 69%. Agora, resta a um colegiado da Anvisa decidir se suspende, proíbe ou mantém o agrotóxico.

Em entrevista a ÉPOCA, Bela comentou a vitória, falou sobre as semelhanças com o pai, Gilberto Gil, e defendeu o objetivo de seu trabalho: “Acredito muito na disseminação de informação”.

ÉPOCA — Como você tomou conhecimento da consulta pública?
Bela Gil —
Soube por amigos. Votei uns 10 dias antes do dia da decisão. No último dia, a proibição estava perdendo por mil votos. Resolvi convocar meus seguidores no Facebook para ver se conseguíamos mudar o resultado. Felizmente, conseguimos.

ÉPOCA — Por que decidiu mobilizar sua rede?
Bela —
Primeiro, porque muita gente não tinha o conhecimento dessas consultas públicas. É importante saber que, pelo menos com a Anvisa, a gente consegue entender o que está sendo proposto e não só votar contra ou a favor, mas dividir conhecimentos e anexar estudos. Isso ajuda os especialistas a se respaldar sua decisão. Segundo, para que a gente desse um passo para banir esse agrotóxico. Seria maravilhoso ter menos um em uso no Brasil. O carbofurano já foi banido no Canadá, nos Estados Unidos, na União Europeia.

ÉPOCA — Quais foram as consequências da mobilização?
Bela —
Muita gente ficou surpresa ao ver que em 30 minutos conseguimos virar o resultado. O público das minhas páginas está buscando um tipo de mudança, um mundo melhor, uma alimentação mais orgânica, sem veneno. São pessoas com desejo de mudança, não seguidores vazios. Obviamente alguns estão ali simplesmente para criticar, mas a maioria é séria.  Atribuo essa reviravolta, essa conquista a eles.

ÉPOCA — Depois da mobilização contra o carbofurano virão outras?
Bela —
Sim. Teremos mais duas consultas públicas para dois outros tipos de agrotóxicos. Pretendo fazer a mesma coisa se a gente tiver perdendo a luta. E não só isso. Acho que pequenos gestos fazem uma grande diferença. Pretendo continuar compartilhando informação. Esse é meu maior objetivo.

ÉPOCA — Alimentação mais saudável tende a ser mais cara. Como você lida com a possibilidade de a comida chegar a menos pessoas?
Bela —
Essa questão da comida e do dinheiro é muito parecida. Comida e dinheiro suficiente nós temos, só estão super mal distribuídos. Produzimos comida para alimentar um mundo e meio. A questão é que a comida orgânica ainda não é tão democrática porque o sistema em que a gente vive, supercapitalista e de economia de produção industrial, acaba interferindo. A distribuição mais democrática dos alimentos orgânicos só será possível quando o governo começar a taxar os produtos ultraprocessados, como fez tempos atrás com o tabaco. Você vai num restaurante e vê a Coca-Cola mais barata do que o suco de laranja. Por quê? Porque produtos industrializados são, muitas vezes, subsidiados pelo governo. Biscoitinhos de pacotinho, por exemplo, vêm de monoculturas transgênicas subsidiadas. Se o governo não incentivar os agricultores orgânicos e a agricultura familiar e dificultar o caminho desses produtos maléficos ultraprocessados, a gente não vai conseguir uma mudança muito profunda. Enquanto isso, quem puder investir, investe. Mas  sem o apoio do governo é difícil.

ÉPOCA — Seu pai, Gilberto Gil, usou a arte para defender suas ideias. Depois, foi ministro da Cultura. Você agora está defendendo suas ideias pela televisão e pela internet. Como você compara essas formas de mudar o mundo?
Bela —
Tem muito a ver com a época em que a gente vive. Ele é uma pessoa muito corajosa, intuitiva e preocupada com o mundo, com o próximo e com o futuro.  Acho que herdei um pouco disso. Não faço essas coisas só por mim, acredito que a gente possa mudar o mundo através da alimentação. O desejo de mudança é o mesmo, mas a maneira como a gente se expressa é diferente, ainda mais hoje com a internet. Ele ia para a rua e para o palco. Eu vou para a cozinha.

ÉPOCA — E para a internet…
Bela —
Isso (risos). As pessoas estão realmente mais conscientes. Acredito muito na disseminação de informação. Com ela, a gente consegue decidir melhor o que vai fazer, o que pode fazer e o que quer fazer. Sem ela, a gente fica muito passiva. Com o Bela Cozinha, o programa no Youtube e as redes sociais as pessoas passaram a enxergar a possibilidade de comer bem para a saúde e para o meio ambiente, como uma ferramenta de transformação. Muita gente me escreve. ‘Bela, você mudou a minha vida’, ‘Minha mãe parou de tomar remédio para a pressão por causa das suas receitas’, ‘Emagreci 15 quilos depois que comecei a assistir ao seu programa’, ‘Fiz uma hortinha em casa’ ‘Estou indo à feira ao lado da minha casa.’ Essas coisas são interessantes.