ônibus da Anitta

Anitta exalta corpos de todos os padrões e faz um festival inclusivo da estética feminina em 'Girl from Rio'

O bonde do Tigrão já era, quem está na pista é o ônibus da Anitta e ele sai do subúrbio de Honório Gurgel, onde a cantora nasceu, passa pelo piscinão de Ramos, a praia que ela frequentava na adolescência, e quer mostrar ao mundo que o Rio de Janeiro não é só Garota de Ipanema.

O bonde do Tigrão já era, quem está na pista é o ônibus da Anitta e ele sai do subúrbio de Honório Gurgel, onde a cantora nasceu, passa pelo piscinão de Ramos, a praia que ela frequentava na adolescência, e quer mostrar ao mundo que o Rio de Janeiro não é só Garota de Ipanema.

“Girl from Rio”, sua nova música e clipe, começa com um sample do clássico de Tom e Vinícius, mas na letra Anitta quebra o paradigma daquela musa, coisa mais linda que passa, na letra da bossa nova. Diz que as garotas gostosas da parte da cidade de onde ela vem não têm nada a ver com aquela referência internacional do Rio. “Nós não parecemos modelo/ temos a marquinha do biquíni/ e grandes curvas”.

Se os Beatles fizeram “The magical mystery tour”, um vídeo e música em que circulam de ônibus pela psicodelia do final dos anos 1960, chegou a vez da suburbana Anitta pegar um ônibus da viação Jurema, a linha que passa por Honório, e dar um rolê pela real do Rio.

“Deixa eu te contar sobre um Rio diferente/ Aquele de onde eu vim/ Mas não aquele que você conhece”, manda a letra, que no vídeo é ilustrada pela exibição no piscinão de muitas meninas de corpos não dogmáticos – bundudas, cadeirudas, peitudas, no mais democrático festival inclusivo da estética feminina.

O padrão aqui – Anitta também escancara suas “imperfeições” – é não estar nem aí para essas obrigações antigas do corpo precisar estar assim ou malhado. Vale tudo e, principalmente, mostrar orgulho nessa exposição de muitas carnes. Se a Garota de Ipanema era um registro da repressão – a moça que passava, os homens que olhavam, o ninguém come ninguém da época – , a Garota do Rio é o desafio radical de independência e atitude.

“A energia brilha/ Você vai se apaixonar”, continua Anitta na letra, em inglês, com trechos em português, apresentando os valores da garota suburbana. Se a de Ipanema tinha um doce balanço que parecia um poema, a suburbana exibe no farfalhar do bumbum a provocação do capeta. “Sou quente/ Como o verão”.

É uma ótima gravação da sempre espertíssima Anitta, dessa vez juntando trap com bossa nova, alguma sonoridade que lembra Ariana Grande e o sussurro elegante de Astrud Gilberto. A direção criativa do vídeo é de Giovanni Bianco, o ítalo-brasileiro que vive em Nova York, e já fez o mesmo com vídeos de Madonna. Tem a assinatura dele o visual do ônibus que circula com Anitta e esta semana deu carona nas redes sociais a uma multidão de passageiro, inclusive candidatos à presidência da república. O visual do clipe é espetacular.

Numa parte do vídeo, lembrança do Rio bossa nova, o clima é retrô e Anita circula por painéis antigos da cidade, conversíveis da época, e parece se inspirar nas poses de falso recatamento das pin-ups do peruano Alberto Vargas. Quando surge a praia de Ramos do Rio real (na música, brinca com a semelhança em inglês da sonoridade das duas palavras), a cantora escancara o comportamento dos novos tempos e escolhe com quem vai sarrar e beijar na boca. Tudo regado com gente pulando pela janela do ônibus, churrasco na areia, geladeira de isopor, senhores barrigudos, biquini de fita isolante, futebol de altinha, cerveja quente – uma autêntica farofa de praia suburbana.

É um Rio diferente daquele dos cartões postais, com uma nova geografia do seu infindável potencial de se divertir, criar, lutar contra as dificuldades, sensualizar e deixar de lado os preconceitos caretas. Anitta, com sua modernidade e antenas afiadas, é a guia perfeita para convidar o mundo a esse magical mistery tour da farofa carioca – e sussurrar com ela o mote da canção: “Honório Gurgel forever”.

 

Fonte: O Globo
Créditos: Polêmica Paraíba