termômetro da bolsa

Depois da draga de 2021, ‘efeito-Tiririca’ pode salvar a bolsa em 2022

Parece até mentira. Mas o Ibovespa cravou o seu recorde em 2021. Um punhado de outros números menos agradáveis, no entanto, marcaram o desempenho do principal termômetro da bolsa do Brasil ao longo do ano. Surgidos, justamente, dos 130.776 pontos históricos de 7 de julho em diante.

Parece até mentira. Mas o Ibovespa cravou o seu recorde em 2021. Um punhado de outros números menos agradáveis, no entanto, marcaram o desempenho do principal termômetro da bolsa do Brasil ao longo do ano. Surgidos, justamente, dos 130.776 pontos históricos de 7 de julho em diante.

Até ali, depois da montanha-russa forçada pela covid-19, o otimismo imperava. A temporada de balanços e o crescimento do PIB do primeiro trimestre animavam, e investidores sublimavam o fato daqueles números terem sido fora da curva por causa da base de comparação com o choque da pandemia. O Banco Central (BC), àquela altura, já havia puxado juros de 2% ao ano a 3,5%, é verdade. Mas ficaria meio que por isso mesmo, sob juras de que a inflação já havia chegado ao seu pico.

Mas que nada. O dragão seguiu sendo alimentado.

Teve crise hídrica, não há governo que faça chover. Mas teve também um presidente Jair Bolsonaro apagando o fogo da inflação com gasolina. Turbinou prêmios de risco, materializados em dólar em alta. Seja com ameaças de golpe, não concretizadas, seja com derrubada de teto de gastos, já dita e feita. Em paralelo, a principal alternativa eleitoral do momento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não parece muito disposto a colocar em prática uma agenda econômica sob a égide do mercado.

A inflação, nessas condições, buscou a altura dos dois dígitos, bem além do que o descasamento entre oferta e demanda global poderia permitir. A Selic, que nunca mais seria de dois dígitos, já está a um passo de invadir esse patamar, prometido para fevereiro. E sem sombras de se dar por satisfeita com os 10,75% ao ano projetados para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

E o Ibovespa? Foi levado pela espiral negativa, antecipando perspectivas de crescimento, no melhor dos casos, nulo para o Brasil em 2022. No pior, negativo.

O que eram ganhos acumulados de 10%, no ano, na máxima histórica, chegou a se transformar em queda de 15% na mínima de 1º de dezembro, de volta à faixa dos míticos 100 mil pontos. Dali em diante, a recomposição de carteira de investidores, já certos do tamanho da encalacrada oferecida pela PEC dos precatórios, permitiu ao índice ganhos de 5% desde o vale. Restaram, ainda, 12% de perdas acumuladas em 2021.

Se considerarmos a alta do dólar no ano, o buraco no Ibovespa fica ainda mais embaixo – nesse caso, literalmente.

O câmbio 9% mais caro em 2021 implicava queda de mais de 19% ao Ibovespa em dólares até a última quarta-feira (22). Muito mais que as perdas no ano do índice MSCI Emerging Markets, refletor da média emergente. Com metade da carteira dedicada às turbulências vindas da China, seu ETF negociado em Nova York tem arranhão anual de 6%. Já a comparação do Ibovespa com o S&P 500, espelho das 500 ações americanas mais badaladas, chega a ser covardia. A despeito de estímulos retirados pelo Federal Reserve (Fed, o BC americano), e alta iminente de juros nos Estados Unidos, ostenta em 2021 valorização de 25%.

O quadro seria ainda pior, destaca João Guilherme Penteado, sócio e diretor da Apollo Investimentosnão tivessem as vendedoras de commodities sido beneficiadas, justamente, pela desvalorização do real frente a outras moedas. O que, por sua vez, aumenta o poder de competitividade das companhias.

Esses setores acabam apresentando uma proteção natural contra crises locais e mostraram a que vieram esse ano“, diz. “Algumas delas não conseguiram apresentar valorização, apesar de resultados positivos, e acabam sendo oportunidades interessantes para o próximo ano.”

Pior seria também, lembra Penteado, não estivesse a vacinação nacional tão deslanchada, ainda que seu início tenha sido à fórceps. “Com a aderência do público, o Brasil conseguiu imunizar a grande maioria dos adultos, enquanto em vários países, inclusive mais desenvolvidos, o alcance é menor.”

‘Efeito-Tiririca’

O ano foi ruim para a bolsa brasileira? Bem ruim, inegavelmente. Mas esta vida, se não for de vários, é feita de pelo menos dois lados. Claro, em se tratando de Brasil, sempre pode surgir uma mão para puxar um alçapão escondido no fundo do poço. Mas, dito isso, a bolsa brasileira já aguentou muito desaforo. Tanto que, bem diria o palhaço Tiririca, “pior do que tá não fica”.

Ou será que fica?

Para 2022, Penteado vê a bolsa brasileira sacodindo a poeira comida em relação aos seus pares. A alta, diz ele, deve vir por dois fatores principais.

O primeiro diz respeito à alta de juros no Brasil já em vias de acabar, embora o BC tenha feito questão de apontar que não sabe em que altura da Selic será esse desfecho. “O ciclo de aperto de juros está no fim, não existe espaço econômico para altas excessivas e a inflação começa a dar sinais de arrefecimento”, diz. “Isso pode levar a um ciclo de corte de juros, na sequência, para tentar reavivar o Brasil economicamente, uma vez que a variação do PIB para 2022 virá próximo a zero”.

O segundo gatilho para a recuperação da bolsa nacional, explica Penteado, tem um fundo mais técnico. Mora na desconexão atual entre preço de ações, muito baixo, e perspectivas de lucro para as companhias, acima de boa parte dos valores de face dos papéis de empresas vendidos no Brasil. Em tese, no longo prazo, esses dois fatores tendem a se emparelhar. E, portanto, ações a se valorizar. “Estamos próximos à mínima dos últimos 20 anos e muito abaixo da média de preços dos últimos 10 anos”, explica. “Portanto, ou a bolsa sobe ou os resultados das empresas precisam cair muito para justificar o atual patamar do Ibovespa.”

Isabel Lemos, gestora do fundo Fator Ações, se diz “cautelosamente otimista” para enfrentar os desafios colocados para 2022. Pondera sobre as volatilidades que vislumbra – em especial, alimentadas pelas incertezas fiscais sobre os próximos anos, que estarão em busca de respostas nas eleições, pela retirada de estímulos no exterior. E aponta, sobretudo, para o mesmo segundo ponto levantado por Penteado para justificar o clima com que irá colocar seu pé no próximo ano.

“Parece haver alguma assimetria entre os preços de ações e as perspectivas de mais longo prazo. Esse efeito aconteceu devido a uma forte aversão a risco, muitas vezes, numa intensidade não justificada quando se analisa um horizonte maior. O setor de varejo e serviços, mesmo com incertezas colocadas sobre o crescimento nacional no curto prazo, oferece bom atrativo no médio”, diz, recomendando aos investidores o mesmo sangue frio necessário aos gestores no dia a dia. “As oportunidades muitas vezes surgem na volatilidade, e neste momento é preciso se ater na análise da empresa e aproveitar para aumentar a exposição ou entrar num papel.”

Ou seja, se o retrovisor da comparação da bolsa brasileira com as demais assusta, também pode estar justamente a vantagem do mercado acionário nacional em relação aos demais. Sim, motivos para cair não faltaram. Mas depois de ficar tão barata, o campo de alta a ser eventualmente explorado também é relativamente maior. É preciso, no entanto, o que já está ruim, no cenário político e econômico, não ficar ainda pior.

Fonte: VALOR ECONÔMICO
Créditos: Polêmica Paraíba