Entrevista exclusiva

Dom Alcivan adverte que polarização política “faz mal ao país” - Por Nonato Guedes

Dom Alcivan adverte que polarização política “faz mal ao país” - Por Nonato Guedes


O bispo auxiliar da Arquidiocese da Paraíba, Dom Alcivan Tadeus Gomes de Araújo, criticou numa entrevista exclusiva ao “Polêmica Paraíba” o ambiente de polarização política reinante no país, dizendo que ele não faz bem à sociedade, pelos conflitos e pela tensão que ocasiona, inclusive, dividindo famílias. Ressaltou que o papel da Igreja é sempre o de orientar para mediar aquilo que possa trazer a concórdia ou o diálogo e cobrou responsabilidade dos próprios líderes políticos no processo atualmente vigente.

“A Igreja orienta que os leigos que têm vocação para a política exerçam essa missão com responsabilidade. Não é papel do bispo, do sacerdote, tomar partido”, expressou ele, enfaticamente.


Natural de Cerro Corá, no Rio Grande do Norte, nascido em maio de 1972, Dom Alcivan tem deixado claro que não veio para substituir o arcebispo Dom Manoel Delson, mas que se sente como “um servidor”, que defende a evangelização e cumpre as missões pastorais que lhe são delegadas. Mestre em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, ele atuou na diocese de Caicó, no Rio Grande do Norte, e está há pouco mais de um ano na Paraíba. Ele concedeu a seguinte entrevista na manhã de quinta-feira em seu gabinete no Palácio Episcopal:


Dom Alcivan, como tem sido a sua atuação nesse período em que encontra como bispo auxiliar da Arquidiocese da Paraíba?


Cheguei aqui para ser bispo auxiliar, então minha atribuição é exatamente auxiliar o arcebispo diante de todas as demandas que há. São mais de 100 paróquias na Arquidiocese, uma população de mais de um milhão e meio de habitantes, incluindo municípios que estão no Agreste, no Vale do Mamanguape, na região metropolitana. E Dom Delson pediu que eu tivesse uma atenção especial a duas foranias: a forania Vale do Mamanguape e a forania do Agreste. Então, eu tenho uma atuação mais direta voltada para essas cidades e regiões do Vale e do Agreste. Fazemos visitas pastorais, contatos com os padres nas paróquias e também ajudo um pouco aqui no Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese. Tenho formação em Direito Canônico e, sendo assim, atuo dando uma ajuda nessa parte do Tribunal Eclesiástico.


Qual é o foco do trabalho nessas regiões? É só evangelização ou há outros engajamentos?


A Arquidiocese tem um Plano de Pastoral onde são apontadas as necessidades, as urgências, o que precisamos, de modo especial, priorizar. Então, como estamos vivendo o Ano Jubilar, a gente procura priorizar aquilo que é pedido, que são as visitas, rezar com o povo, viver essa dimensão da esperança que o Jubileu pediu. Praticamente este ano a Arquidiocese se preparou para vivenciar essa experiência. As pastorais, as regiões episcopais, estão com o foco nisso, e fazemos visitas a instituições das cidades, sedes de poderes, autoridades, comunidades rurais, dentro da proposta de diálogo, dentro dessa dinâmica que vivemos no contexto da Arquidiocese da Paraíba.


Que “radiografia” o senhor já pode fazer dos problemas do Estado, apesar do pouco tempo de permanência entre os paraibanos?


Já visitei praticamente todas as paróquias – cerca de 80%, no interior e na Capital. A gente percebe, evidentemente, que tem muitos desafios, principalmente na dinâmica social, no que diz respeito à qualidade de vida das pessoas, erradicação da pobreza, da fome, da miséria. Tenho percebido que precisa ter um olhar muito especial para situações de infraestrutura, de modo especial a questão do esgotamento sanitário. Eu percebo que há muita carência quando visito cidades do interior e aqui na região metropolitana. É preciso olhar muito essa dimensão das periferias, a infraestrutura precisa melhorar, o saneamento básico precisa ser visto com mais atenção. Inclusive, quando tem alguma autoridade política presente em celebrações eu questiono o porque dessa realidade e digo que seria importante que elas, autoridades, olhassem mais com cuidado para essa realidade. Nós sabemos que a Paraíba tem avançado muito na dimensão da infraestrutura e em João Pessoa vemos obras que favorecem a mobilidade, o urbanismo, mas o interior, às vezes, fica meio esquecido. O olhar para as realidades periféricas precisa acontecer com mais atenção da parte das autoridades.


Quando Dom José Maria Pires chegou em 1965 ficou impactado com a situação de pobreza na Paraíba. Nada terá mudado, então, de lá para cá?


Se for fazer uma comparação com relação a quando Dom José Maria Pires chegou aqui, em 1965, a realidade era muito mais difícil, mais complexa. Hoje, nós sabemos que com as novas tecnologias, as novas capacidades de gestão, as coisas tomam um olhar diferente. Os recursos oriundos do governo federal – tudo isso é mais fácil de chegar às realidades dos Estados e municípios.

Então, claro que houve uma melhoria. Precisa melhorar mais?

Precisa. Nós sabemos que é sempre importante dar qualidade de vida para as pessoas. Com certeza, quando Dom José chegou aqui, o cenário era muito mais complexo. A realidade é outra, os governantes têm mais recursos à disposição, como as parcerias públicas-privadas. Isto ajuda a buscar a melhoria desse quadro.


Que paralelo o senhor faz entre o pontificado do Papa Francisco e o pontificado do papa Leão XIV?


Creio que Francisco viveu seu pontificado de maneira muito própria, muito particular, porque cada papa vai conduzindo a Igreja de acordo com o que o Espírito Santo vai lhe dando e vivendo aquilo que é próprio também da sua formação, do santo que lhe inspira, muitas vezes no nome que o papa escolhe. Francisco escolheu exatamente o nome por causa de Francisco de Assis e o seu pontificado todo foi muito nessa linha, de acolhimento, de palavra aos excluídos, de cuidado com os oprimidos, marginalizados e uma Igreja que fosse ao encontro das periferias. E o papa Leão começa o seu pontificado também com o seu modo de ser. Escolhe um nome-referência a Leão XIII, que foi o papa que escreveu a “Rerum Novarum”, a encíclica que deu uma dinâmica de abertura para o mundo, em momento de industrialização e cuidado com os trabalhadores. Leão está vivendo uma nova Era – agora é a Inteligência Artificial que desponta, a tecnologia que desponta, e o papa tem se preocupado com essa dimensão, com esse contexto. Ele se preocupa, sobretudo, com a questão da paz e tem sempre buscado levar uma palavra de combate à violência e à guerra. É cedo, o pontificado está começando, mas a gente nota, nas suas palavras, um pouco desse contexto que ele vivencia, se preocupa, levando uma palavra de esperança, de evangelização. É um pontífice que com certeza vai deixar sua marca, seu legado. Ainda é jovem, e tem muito a propor, a oferecer à Igreja.


Dom Alcivan, como o senhor avalia o ambiente de polarização política no Brasil?


Sabemos que isso não faz bem. Estamos vivendo um período no Brasil de muita tensão, de polarização. O papel da Igreja é sempre o de orientar para mediar aquilo que possa trazer a concórdia, o diálogo. Não é bom polarizar porque se criam situações difíceis e a Igreja orienta os seus ministros que não tomem partido político porque convivemos com fiéis de todas as denominações. Todo mundo tem o direito de ter o partido, de ter o seu candidato, de fazer uma escolha livre. Agora, o que não pode acontecer é que leve tudo isso para contextos radicais, de radicalismos que não fazem bem. A Igreja tem o papel, através de seus pastores, de orientar para que as pessoas possam viver bem a sua cidadania, dentro do contexto político-social. A Igreja orienta que os leigos que têm vocação para a política, para exercer essa missão, façam com responsabilidade. Assumam esse papel. Não é papel do bispo, do religioso, tomar partido para si e, a partir daí provocar tantas vezes uma divisão. A missão do bispo, do sacerdote, é de conciliar, de orientar, não de tomar partido para si. A polarização política afeta as famílias, provoca a divisão, a intriga.
É preciso respeitar a opção de cada um.


Como o senhor vê a influência das redes sociais na conjuntura atual?


As redes sociais são importantes para a evangelização porque se consegue atingir hoje milhares de pessoas. Hoje, todo mundo tem um celular, até nos lugares mais distantes. Não precisa mais convocar as pessoas para uma reunião pastoral através de uma difusora, que havia muito no interior. Hoje, tem os grupos de WhatsApp das pastorais e com dois cliques você comunica tudo que tem. É importante utilizar isso para agilizar o processo de evangelização. Temos muitos padres que são ‘digitais influencers’ e que fazem isso muito bem: conscientizar sobre a participação na Igreja. Há um momento de formação no Instagram, no Tik Tok – é um movimento de aproximação à Igreja, de busca. Também há um retorno de pessoas, que estão voltando a frequentar a Igreja Católica.