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Senado aprova projeto que mantém nomes em lista de personalidades negras homenageadas pela Fundação Palmares

Por 69 votos a 3, a Casa aprovou dois projetos de decreto legislativo que suspendem os efeitos da portaria que exclui 27 personalidades negras do rol de homenageados.

Senado aprova projeto que mantém nomes em lista de personalidades negras homenageadas pela Fundação Palmares

Em sessão remota nesta quarta-feira (9), o Senado aprovou, por 69 votos a 3, dois projetos de decreto legislativo que suspendem os efeitos da portaria da Fundação Cultural Palmares, a qual exclui 27 personalidades negras do rol de homenageados pela instituição. A matéria agora será encaminhada à Câmara dos Deputados.

Os PDLs 510/2020 e 511/2020 foram apresentados pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Humberto Costa (PT-PE), respectivamente, e relatados pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Na justificação, os autores apontam vícios legais e a motivação ideológica que permearam a edição da portaria, que seria apenas instrumento para excluir da lista de personalidades negras homenageadas aquelas que não se alinhem com o posicionamento político ideológico do governo Bolsonaro.

Além do senador Paulo Paim (PT-RS), foram excluídos da lista os nomes de Marina Silva, Milton Nascimento, Martinho da Vila, Gilberto Gil, Benedita da Silva, Zezé Motta, Leci Brandão, Sandra de Sá e Elza Soares, entre outras personalidades negras.

Ao justificar a exclusão dos nomes, o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, disse que a Portaria 189/2020 atende à decisão que instituiu o critério de permitir apenas homenagens póstumas. Veja a lista completa dos excluídos.

Relatório
Em relatório lido em Plenário, Fabiano Contarato destacou a importância da Fundação Cultural Palmares, instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura, hoje com status de Secretaria Especial), foi criada em 1988. Ele ressaltou que o nome da instituição, fruto do movimento negro brasileiro, foi dado para homenagear e resgatar a memória de uma das maiores lideranças negras do Brasil: Zumbi dos Palmares – líder do Quilombo dos Palmares, um dos mais importantes símbolos de resistência contra o sistema escravocrata. Localizado na Serra da Barriga, Alagoas, o quilombo chegou a acolher cerca de trinta mil pessoas e perdurou por mais de um século.

— Sérgio Camargo, em sua triste fala, contaminada por ideologias eivadas de negacionismo histórico e alimentada por um ódio persecutório calcado em falácias e fantasias, menciona uma necessidade de “moralização” da lista. Ora, fica claro que sua ideia de moral está, no mínimo, míope. Somente um indivíduo contaminado pela torpeza e obtusidade intelectual se daria ao trabalho de remover da referida lista 27 personalidades referências de sucesso, de inspiração e de admiração de todos — afirmou Contarato, visivelmente emocionado, ao ler seu relatório.

Fabiano Contarato destacou que os projetos de decreto legislativo enquadram-se nas competências exclusivas do Congresso Nacional previstas nos incisos V e XI do artigo 49 da Constituição, segundo os quais incumbe ao Congresso Nacional “sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa” e “zelar pela preservação de sua competência legislativa”.

O relator afirmou que o Senado deve responsabilizar-se de forma crítica pelo sistema de opressão que privilegia historicamente as pessoas brancas em detrimento das pessoas negras. Segundo afirmou, falar sobre o racismo é trazer para o debate uma perspectiva histórica, já que o sistema opressor da escravidão se perpetuou no tempo e não permitiu que negras e negros tivessem as mesmas oportunidades que brancas e brancos.

— É por isso que, não obstante o Brasil seja composto majoritariamente por pessoas negras, totalizando 56,2% da população brasileira, esta Casa Legislativa, por exemplo, conta com pouquíssimos parlamentares negros em um universo de oitenta e um. A subrepresentatividade nos órgãos de poder é apenas uma das facetas do racismo estrutural. Assim, para dar voz a pessoas que estão subrepresentadas nesta Casa, somamos a este relatório a Manifestação Técnica, de 07 de dezembro de 2020, da Coalizão Negra Por Direitos, articulação que conta com mais de 170 organizações, coletivos e entidades do movimento negro e antirracista de todo o Brasil — destacou.

Fabiano Contarato ressaltou que a Fundação Cultural Palmares já nasceu, portanto, com grande carga simbólica, e que seu papel é de extrema relevância para o Brasil.

— Sua finalidade é promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira. Ocorre que a Fundação Cultural Palmares tem sofrido grande revés desde a nomeação de Sérgio Nascimento de Camargo para o cargo máximo da entidade. Décadas de história, relevância e contribuição têm sido destruídas em poucos meses — disse Contarato, que se emocionou ao ler o relatório, fazendo referência às pessoas excluídas da lista da Fundação.

Discussão
A aprovação do relatório de Fabiano Contarato foi saudada pelas lideranças partidárias. Para o senador Humberto Costa (PT-PE), o governo de Jair Bolsonaro tem conduzido o Brasil para uma polarização além do que a divergência política pode gerar, inclusive com o negacionismo científico e histórico.

— As pessoas que estão nessa lista continuam a dar contribuição em todos os aspectos ao Brasil. Qualquer homenagem que se presta à população negra será insuficiente. Foram mais de cinco milhões de negros e negras que saíram de sua pátria para viverem aqui no Brasil, nas condições mais terríveis de desigualdade para até hoje serem vítimas. A aprovação desse projeto nos dá a sensação de dever cumprido — afirmou.

O senador Otto Alencar (PSD-BA) destacou que os negros atuaram de forma aguerrida na Independência do Brasil e na formação do povo brasileiro.

— Será que esse diretor [da Fundação Cultural Palmares] tem uma história que possa dar no meio da bota do calcado do senador Paulo Paim, defensor dos direitos humanos, defensor dos trabalhadores, da luta pelo trabalho, da luta contra o racismo estrutural? Eu não acredito que um governo que queira ser democrático e que respeite as tradições culturais do Brasil, sobretudo daqueles que contribuíram pela independência do Brasil e lutaram tanto, possa mantê-lo no cargo — afirmou.

Ao defender o relatório, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) disse ser lamentável que no século 21 o Brasil não tenha superado o racismo com políticas públicas. O senador Jean Paul Prates (PT-RN) disse que a portaria editada por Sérgio Camargo distorce fatos históricos e esconde homenagens merecidas.

— Essa portaria é uma vergonha, um libelo de desqualificação subjetivo e persecutório, racismo com simbolismo. Racismo com portaria não passará no Senado — afirmou.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) destacou que há problemas terríveis no Brasil, mas que nenhum deles pode colocar-se acima da proteção e respeito à história de luta e igualdade.

— Não se pode reescrever a história com critérios ideológicos, a história se escreve com atos e práticas — disse.

O senador Acir Gurgacz (PDT-RO) também saudou a aprovação dos decretos legislativos, mas lamentou que, em pleno século 21, ainda tivesse que “enfrentar uma situação constrangedora como essa”.

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) também comemorou a aprovação do relatório de Contarato.

— Esse diretor [Fundação Cultural Palmares] quer (des)homenagear pessoas e ferir a democracia, pois não tem democracia com racismo. A maior ironia é que a maioria de nós somos negros — declarou.

Para a senadora Leila Barros (PSB-DF), o relatório “sensível e verdadeiro” apresentado por Fabiano Contarato corrige “a distorção de uma portaria “que é uma vergonha para todos os que contribuíram para a cultura brasileira”.

Na avaliação do senador Ney Suassuna (Republicanos-PB), a aprovação do relatório faz justiça ao Brasil.

— Todos nós temos sangue negro, e eu não entendo como alguém pode se posicionar de forma contrária — afirmou.

Avaliação política
Líder do governo, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) frisou que não discutiria aspectos técnicos da portaria e não a defenderia.

— Não cabe a mim trazer argumentos da revisão dos critérios para homenagens póstumas, o que cabe é fazer a avalição política do momento que vivemos. A aprovação dos decretos legislativos constitui uma posição política do Senado contra qualquer forma de racismo, que é uma chaga que atinge todos os países do mundo — afirmou.

O senador Esperidião Amin (PP-SC) elogiou o voto independente de Fernando Bezerra e aplaudiu o relatório de Contarato.

Paulo Paim, por sua vez, cumprimentou os senadores pela aprovação dos decretos legislativos.

— Um gesto irracional, essa portaria veio para se vingar de Ruy Barbosa [que queimou os nomes dos escravocratas] e da própria abolição da escravatura, embora ainda não conclusa, para negar a luta de séculos e séculos de um povo negro e suas referências — afirmou.

O senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) afirmou que Sérgio Camargo não tomou a decisão de editar a portaria de forma isolada.

— O governo participou da decisão, no que tange às exclusões. Um lusco-fusco como esse Sérgio Camargo nunca ouviu Gilberto Gil, Milton Nascimento. Então ele não pode ser execrado sozinho. O governo participou dessas exclusões, essa é a realidade — afirmou.

Apoio à portaria
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi o único a defender o voto contrário aos dois projetos legislativos. Segundo ele, o presidente da Fundação Cultural Palmares agiu com “coragem e coerência”, argumentando que todos os homenageados pela Fundação tinham o mesmo posicionamento ideológico, não havendo entre eles “negros conservadores ou ditos de direita”. Ele classificou os projetos de decreto legislativo e o relatório de “peças ideológicas”.

— É óbvio que somos contra o racismo, mas o pano de fundo da discussão aqui não tem a cor da pele. O próprio Sérgio Camargo afirma que muitos dos homenageados excluídos voltarão à lista algum dia. O que ele faz é apenas estender à lista o critério póstumo. A lista não tem negros de direita porque o critério sempre foi político, ideológico — afirmou, mencionando dois nomes recentemente incluídos na lista de homenageados: o do Cabo Marcílio, militar da Força Expedicionária Brasileira, e do PM Luiz Paulo Costa, ambos já falecidos.

Fonte: Agência Senado
Créditos: Agência Senado