Estragos

Se desmate crescer mais, Brasil terá problema, diz embaixador britânico

 

Entre os muitos adiamentos causados pela pandemia do coronavírus, o da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26), que deve fechar a regulamentação do Acordo de Paris em novembro de 2021, na verdade pode ter efeito positivo.

O encontro deve ser presidido pelo Reino Unido. O embaixador do país no Brasil, Vijay Rangarajan, diz esperar que o tempo extra permita definições mais claras sobre o acordo.

Uma delas pode vir da eleição presidencial nos Estados Unidos no fim deste ano, já que o atual presidente americano, Donald Trump, é contrário ao compromisso climático.

A outra definição é esperada por parte do Brasil, que obstruiu as negociações na última conferência, tem impedido a conclusão do livro de regras do acordo e foi acusado pelo resto do mundo de propor uma “pedalada” na contabilidade de emissões de carbono negociadas no chamado mercado de carbono, que remunera países que reduzem suas emissões em troca de uma espécie de “licença para poluir”.

O maior desafio de redução de emissões no Brasil está no setor florestal. “Os governadores da Amazônia Legal me disseram claramente que querem uma solução para o artigo 6 [sobre mercado de carbono e mecanismos financeiros], porque seus estados vão ganhar, vão se beneficiar muito com esse fluxo de rendimento”, disse Rangarajan à reportagem, em entrevista por telefone.

Logo antes de assumir a embaixada brasileira, Rangarajan foi responsável pelo referendo sobre o Brexit em 2016 e também por negociações com a União Europeia sobre energia, previdência social e política externa. Graduado em ciências naturais, é mestre em matemática e doutor em astrofísica.

O embaixador analisa o cenário para negociações diplomáticas e também financeiras na direção de uma economia de baixo carbono. Eles aposta em títulos verdes e afirma que o desmatamento na Amazônia não condiciona a relação do Brasil com o Reino Unido, mas com os investidores internacionais.”Acreditamos totalmente em livre comércio. Será grave se o Brasil perder investimentos.”
Estamos trabalhando nas duas questões, Covid e mudanças climáticas, ao mesmo tempo. As negociações internacionais, adiadas por causa da Covid, já estão sendo retomadas e teremos as reuniões preparatórias no segundo semestre.

Um ponto muito importante é que a China vai sediar a Convenção da Biodiversidade da ONU, que também ficou para o próximo ano. Estamos trabalhando muito bem com a China, com a União Europeia e também com muitos outros países. Então tem este momento de grandes reuniões que muitos países estão organizando para o próximo ano.

Outro ponto muito importante serão as eleições nos Estados Unidos em novembro. Muito [na negociação climática] depende da posição do governo dos Estados Unidos. Vamos ver o que vai acontecer lá.

E, finalmente, estamos falando com a Itália, que é coanfitriã da COP-26, e com Chile, que presidiu a COP-25.

P – O sr. acha que esse adiamento vai ajudar nas negociações, que foram um fracasso na última COP, inclusive com bloqueio brasileiro?

VR – É difícil, mas acho que esse tempo que desfrutamos neste momento ajuda nesse sentido. Nós temos trabalhado com o Ministério do Meio Ambiente e com o Itamaraty sobre essa questão do artigo 6 [do Acordo de Paris, que dispõe sobre mecanismos financeiros e mercado de carbono]. É bem técnico e precisamos de mais tempo para solucionar. Mas devemos identificar uma solução antes do fim do ano de 2020, para ter um solução clara e total do artigo 6 antes da COP-26.
Temos agora tempo para identificar uma solução, que pode ser uma fonte muito importante para o Brasil de investimento, como por exemplo com créditos de carbono na aviação [através do uso de biocombustível]. O investimento no mercado de crédito de carbono é fundamental para muitos mercados nacionais.

P – Houve algum avanço na conversa sobre o mercado de carbono com o Brasil, que tem uma posição fechada há algumas décadas?

VR – É isso, é uma posição de décadas que o Brasil segura, mas nós estamos um pouco mais otimistas. Procuramos ver uma solução nos próximos meses. Também estamos trabalhando com muitos parceiros aqui do Brasil e eles também querem uma solução do artigo 6, como os governadores da Amazônia Legal. Eles me disseram claramente que querem uma solução para o artigo 6, porque seus estados vão ganhar, vão se beneficiar muito com esse fluxo de rendimento.

Também temos conversado com o setor privado brasileiro. Empresas internacionais têm visto o Brasil como uma solução importante e como um parceiro fundamental para nós. A Shell e a BP [British Petroleum] são grandes investidoras de biocombustíveis aqui no Brasil.

O Brasil tem uma malha energética bastante renovável e o potencial eólico é fascinante. Como fazer a regulamentação com o governo federal para garantir investidores? E depois ligar investidores britânicos com esse setor e utilizar esses produtos e até exportar essa eletricidade? Então, essa é uma ideia. Temos algum tempo para agilizar essa agenda.

P – É surpreendente ouvir seu otimismo sobre o diálogo com o governo federal brasileiro, embora ele defenda abertamente um projeto antiambiental. Qual a expectativa do Reino Unido, como presidente da COP-26, sobre a contribuição brasileira nas negociações e na implementação do Acordo de Paris?

VR – Temos muitos projetos com os ministérios da Economia, do Meio Ambiente, da Agricultura. Por exemplo, £55 milhões [R$ 365 milhões] no total para o projeto Rural Sustentável, que está na segunda fase, em parceria como o Mapa [Ministério da Agricultura e Pecuária]. A ideia é reduzir o desmatamento e incrementar a taxa de produtividade [através de doações a pequenos e médios produtores rurais e capacitação técnica para restauração ambiental e técnicas de agricultura de baixo carbono.

Mas não estou totalmente otimista, tenho dúvida sobre a taxa de desmatamento, hoje quase 50% maior que a do ano passado. É um problema, porque a NDC [contribuição nacionalmente determinada no Acordo de Paris] do Brasil é muito ligada ao combate ao desmatamento. E o Redd [programas de redução das emissões através do combate ao desmatamento, a exemplo do Fundo Amazônia] é um sistema baseado em resultados. Se a taxa de desmatamento continuar a crescer, vai ser um problema grande internacional.

Nós estamos vendo neste momento que muitos países da Europa, por exemplo, desaprovam o acordo entre a União Europeia e o Mercosul por causa do desmatamento. Uma carta de redes de supermercados britânicos, há um mês, ameaça um boicote aos produtos brasileiros. Isso foi ligado à MP 910 [Medida Provisória sobre regularização de terras públicas, apelidada de MP da grilagem].

Então o temor que eu tenho é com o desmatamento ilegal e os boicotes internacionais. O momento mais crítico vai ser se virmos novamente os incêndios na Amazônia, como vimos em todas as telas internacionais no último ano.

Eu conversei com o vice-presidente Mourão sobre isso e ele me explicou a importância do seu novo conselho amazônico, o trabalho que estão fazendo junto com outros governadores, que iam fazer na Amazônia, mas para nós, como sempre, o mais importante é resultado.

Se a taxa de desmatamento se elevar ainda mais, vai ser um problema, não só para cooperação internacional, mas com certeza para as cadeias de fornecimento e exportação brasileiras e também para a imagem do Brasil.

A parte triste é que não é necessário elevar o desmatamento. Temos mostrado claramente que em larga escala é mais eficiente e mais lucrativo produzir carne bovina e muitos outros produtos de maneira intensiva, e não extensiva. Sem desmatamento.

Então, é preciso aplicar o Código Florestal, porque há boas leis aqui no Brasil, e incentivar esses produtores, pequenos e grandes, a produzir de forma mais sustentável.

P – Há algum condicionante sobre o desmatamento da Amazônia na relação do Reino Unido com o Brasil?

VR – A nossa relação não é condicional. Há alguns programas que são condicionais, como os sistemas baseados em resultados, que têm um ponto de condicionalidade, como o Redd: se os resultados [de redução do desmatamento] não acontecerem, então os pagamentos não são possíveis.

Mas nossa visão é diferente: o Brasil tem a oportunidade de receber investimentos enormes e sustentáveis. Da parte do Reino Unido, acreditamos totalmente em livro comércio. Protecionismo não vai ajudar nem para descarbonizar as economias nem para impulsionar investimentos. Precisamos, por exemplo, do biocombustível do Brasil. Não vamos fazer ameaças.

Mas o investimento pode não acontecer. Depois da pandemia, queremos mudar o sistema financeiro para apoiar apenas investimentos sustentáveis. Então, se os investimentos no Brasil não não forem sustentáveis, será ainda mais difícil para os investidores internacionais apoiarem.

Também tem a questão da imagem do Brasil para os investidores e as redes de supermercados. Não é uma coisa só do Reino Unido e da Europa. Também há um rumo muito interessante na China de busca da sustentabilidade de todos os seus produtos. No ano passado, o maior importador de soja brasileira na China falou claramente sobre a importância da sustentabilidade para eles.

Então, acho muito importante não obstruir os investimentos que já temos, mas será bem grave se o Brasil perder a possibilidade de investimento no mercado, através da imagem de que investir no Brasil não é sustentável.

P – No curto prazo, após a pandemia, há uma pista concreta para a chamada retomada econômica verde, ou esse termo expressa apenas um desejo?

VR – Acho que tem uma pista bem clara. Temos que apostar nas novas tecnologias. E já temos tecnologia da eletricidade solar, que cresceu impressionantemente nos últimos dois ou três anos. Então, podemos investir mais na energia solar, por exemplo.

P – Mas diante da pressa para se recuperar a movimentação econômica, o risco não é de que os governos não imponham condições ambientais ou climáticas ao prover ajuda ao setor privado?

VR – Com certeza, é o risco. Governos mundialmente precisam retomar o crescimento o mais rápido possível e esse é um crescimento sujo. Nosso desafio é justamente como podemos impulsionar investimentos mais sustentáveis para sair dessa recessão. Isso não é impossível.

O preço do petróleo está entre US$ 20 e US$ 30 o barril. Isso muda também o investimento.

A Alemanha anunciou um pacote verde que incentiva os carros elétricos, mas não os carros movidos a combustível. Os governos estão pensando como mudar o comportamento dos investidores. Nós também.

P – A redução de emissões de gases-estufa que aconteceu durante a pandemia, principalmente pela parada dos transportes no mundo, pode de alguma forma ser aproveitada para se gerar uma tendência?

VR – Esse período de baixas emissões é temporário. Na China, a volta da utilização dos carros nas últimas semanas já provocou aumento nas emissões novamente. Então, uma pequena diminuição do fluxo de carbono na atmosfera não vai ajudar muito.

É muito importante manter as ambição de longo prazo. Não podemos destruir nossas economias como a Covid tem danificado. É muito importante distinguir o que são efeitos da Covid, que gerou uma recessão em quase todos os países, mas que não não é um bom método para diminuir as emissões de carbono. Nosso método é diferente, é manter a economia, os empregos e tudo mais com crescimento econômico, enquanto reduzimos as emissões de carbono.

Ligar essas duas coisas é um pouco confuso e não vai ajudar no argumento de mudança climática.

Mesmo assim, tem uma coisa que que me faz ser otimista: o crescimento do ciclismo, que é impressionante em Paris, Berlim, Nova York. Muitas cidades no mundo estão investindo em ciclovias e esse vai ser um setor muito bom, que derruba as emissões no setor de transportes e acelera a mudança.

Perfil

Embaixador britânico no Brasil desde 2017, Vijay Rangarajan foi diretor para a Europa no Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido e atuou no referendo britânico da saída da União Europeia. É bacharel em ciências, com mestrado em matemática e doutorado em astrofísica, todos pela Universidade de Cambridge.

Fonte: Notícias ao Minuto
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